Page 17 - Revista da Armada
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Os maritimos levaram o culto çlo Espírito Santo para as três Existem muitas lendas semelhantes, de imagens que teriam
primeiras ilhas descobertas: já estava em Santa Maria e na Ter- sido encontradas na praia ou nas redes dos pescadores, como a
ceira no fim do século XV. e difundiu-se por todo o arquipélago da Senhora do Cabo (Espichei), a da Senhora do Pranto (ilha-
a partir de 1523. após uma epidemia que nesse ano se declarou va). a da Senhora das Areias (S. Jacinto) e outras. Esta corrente
cm S. Miguel. hagiográfica filia-se na lenda da imagem de Cristo que o marte-
Em Santa Maria . segundo a tradiçlio veiculada por Gaspar ria trazido da Palestina até ao areal do Espinheiro (Bouças) no
Frutuoso nas «Saudades da Terra", a povoação de Santo EspIri- ano de 134. Recolhida na igreja de Bouças sob o nome de Santo
ta deve o seu nome ao ·faeto de lá ter sido celebrada a primeira Cristo ou Bom Jesus de Bouças, foi transferida no ano de 1550
missa dedicada ao Espírito S"nto; num mapa de 1507 aparece para a nova igreja malriz de Matosinhos passando a ser conheci-
o porto de .. Spir" (Espírito Santo). No início do século XVI da por Senhor (ou Senhor Jesus ou Bom Jesus) de Matosinhos,
S. Miguel tinha pçlo menos uma ermida de S. Pedro Gonçalves mas ainda no século XVII lhe chamavam Santo Cristo de Bouças
em Vila Franca do Campo, que foi a primeira capital até 1522 comosc lê no opúsculo cRelaçãoe diSCUTSOsobre a insigne e no-
(ainda hoje um clube desportivo local tcm o nome de S. Pedro tável procissão em que foi levada à cidade do Porto a sagnlda
Gonçalves). uma do Corpo Santo em Ponta Delgada e outra na imagem do Santo Cristo de Bouças .. (Coimbra, 1645). Esta pro-
Ribeira Grande (na Praça do Municfpio. onde hoje está o Paço). cissão rogatória efectuou-se cm momentos aflitivos, como epi-
Na Ribeira Grande a cheia de 1563 fez desaparecer as casas que demia . excessos de chuva ou outras calamidades, pelo menos em
.. do Corpo Santo iam até ao mar". Durante a erupção vulcâni- 1526, 1585.1596,1644 e 16%. Matosinhos tem feriado munici-
ca de 1563 os habitantes de S. Pedro do Nordeslinho atribuíram pal no domingo do EspíritoSanto, coincidindo com a grande ro-
;tO Corpo Santo ou a Nossa Senhora do Pranto um lume que te- maria anual do Senhor de Matosinhos e). .
ria aparecido n;t igrcja('). Na zona nobre da velha Angra. nas A tradição irradiou para outros locais onde teriam dado à
imediaçõcs do cais, estflO hoje a Rua e a Travessa do Espírito praia imagens de Cristo. como O Bom Jesus ou Senhor de Fão,
Santo no local onde foi instituído em 1492 um hospital numa er- o Senhor Jesus dos Navegantes. em Ílhavo. o Senhor Jesus do
mida do Espírito Santo. Contíguo. está o Bairro do Corpo San- Carvalhal. cm Peniche (no cabo Carvociro houve um convento
to, que já no dealbar do século XVI tinha muitas ruas c travessas do Dom Jesus). o Senhor Jesus das Chagas. em Sesimbra (Se-
habitadas por pescadores e navegantes. Apesar de se terdiluído simbra teve uma capela do Senhor Jesus dos Navegantes), e o
a presença dos marítimos continentais nas restantes ilhas. mais Senhor Bom Jesus dos Marcantes, cm Caminha, sob cujo patro-
influenciadas pelos povoadores da Santa Maria. S. Miguel e Ter· cínio está a capela dos marcantes, construção do século XVI, na
ceira. ainda se encontram nclas vestlgiosdo Corpo Santo. Santa igreja matriz. Os pescadores c navegantes de Caminha institui-
Cruz da Graciosa tem um Largo do Corpo Santo. Os marítimos ram duas confrarias. a do Dom Jesus dos Mareantes e a de
de Velas (S. Jorge) tinham uma ermida de S. Pedro Gonçalves: S. Bento da freguesia de Seixas - S. Bento é um santo muito po-
a irmandade da Misericórdia. instituída em 1543 na Casa do Es- pular no Minho por influência dos beneditinos. Em 1744 os do
pírito Santo, tinha a seu cargo o montepio dos marítimos que Seixal fundaram a «Irmandade do Senhor Jesus dos Murean-
consistia em darem um quinhlio dos seus proventos. o chamado tes».
«quinhi"io do santo». para a Misericórdia aprestar médico e re- Assinl, não se afigura arriscado presumir que o culto ao Se-
médios e fazer-lhes a festa de S. Pedro Gonçalves('). As ilhas do nhor Santo Cristo nos Açores se inscreve na corrente hagiográfi-
Faial . Pico. Flores e Corvo foram chamadas flamengas por ser caque mergulha raizes na lenda do Senhor Santo Cristo de Bou-
desta naçflo a maior parte dos scus primitivos povoadores; mas. ças ou Bom Jesus dos Mareantes, e foi levado no século XVI
pelo menos. o convento de S. Francisco. na Horta. tem uma ca- para as ilhas do Faial e do Pico por maritimos nortenhos.
peia de S. Pedro Gonçalves. No Pico, o Corpo Santo foi suplan-
tado pelo Senhor Bom Jesus dos Marcantes. como veremos a se-
guir.
N;. ilha da Madeir,\ ocorreu uma ~ituaçi"io análoga. A fregue-
'iia de Câmara dos Lobos, criada em 1430, teve como primeira
sede uma capela dedicada ao Espírito Santo - Câmara de Lo-
bosdeve o seu nomc às focas ou lobos marinhos queconstituíam
o principal produto da pesca longfnqua portuguesa. na Madeira,
nos Açores (ilha de Santa Maria), nas ClInárias (ilha de Lobos)
e no litoral sllllriano (Ilha de Lobos, no Rio do Ouro). Pelo me-
noso Funchal e Santa Cruz tinham igrejas e confrarias do Corpo
Santo no século XVI.
o SENHOR SANTO CRISTO
O ritual religioso nos Açores atinge a sua expressão maisso-
Iene na proeissi"io do Senhor Santo Cristo cm Ponta Delgada. Se-
gundo alguns, a imagem. que está no Convento da Esperança,
teria sido oferecida pelo Papa Paulo lll (1534-1549), mas esse
facto não é mencionado pelos cronistas açorianos Frutuoso c
Monte Alverne que ni"io o poderiam ignorar. E o certo é que o
primeiro cortejo processional se realizou cm Ponta Delgad,. no
:mo de 1700. muito depois de serem atribuídos poderes miracu-
losos li uma imagem do Senhor Santo Cristo c a outra do Bom
Jesus dos Mareantes que. pelos anos de 1550e 1560. teriam sido
arrojlldos pelo mar. respectivamente às praias do Almoxarifado
(Fllial) e das Lajes (Pico). Quase tod.\s as igrejas do Pico passa·
ram li ter (e têm) capelas ou altares dedicados ao Bom Jesus. e
for'lm instituídas confrari:ls marítimas pelo menos na igreja ma· Gomes Pedrosa,
triz da vila das Lages e numa ermida da frcguesia das Ri bci- cap·-lrog.
rlIs(').
(') Vl'lIIura ROt/rigues Prrf!ira, .. A Rib~ira Grandt;". 3.· ediçdo, Us- (") Horácio Marçal. , A RO/llllrill (lo .5~"I/Or dos Navl'galll~! •. s~pa'
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(') Cúltdido da Silveir/l A .'ellar ... lIh/l d~ S. Jorgr (Açores) - Apon- N. A. - Asco/l!rarias fio CorpoSalllosllscilllram num~ros/ls biblio-
1UIIII'IIIOS para a sua História~, HOr/a, 1902. p. /22. grafias. Como obra d~curac/~, g~ral. A. C. Pirrs de Lima. "Fogo d~ Sall-
(') Amónio Lourenço da Si/.'tira Macedo. "História das Qua/ro /tlmo., I"isboa. /943.
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220; 0'01./11. pp. 8ótseg. ••••••••••••••••••••••••••••••
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