Page 347 - Revista da Armada
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o governador de Buenos Aires, D. José de Garro, pandiu-se a pec.uária para a região a Leste do rio Para-
logo que teve conhecimento da chegada dos portu- ná. Os jesuítas das missõe:s espanholas do Alto Uru-
gueses intimou Manuel Lobo a abandonar o territó- guai também fomentaram a criação de gado que de-
rio, e como este se recusou a fazê-lo reuniu um corpo pOis prOliferou para o Sul até ao Rio da Prata, em gran-
de trezentos soldados para atacar a fortaleza que en- des manadas de gado bravio que os colonos abatiam
tretanto os nossos tinham construído. A estas tropas a tiro. para aproveitarem a carne e os couros.
juntaram-se três mil índios das missões que os jesuí- Mas o dominio português no Rio da Prata conti-
tas espanhóis tinham fundado na região do Rio da nuou a ser contestado pelos espanhóis que aprovei-
Prata. O mestre-de-campo Vera Mujica que comanda- taram todas as vicissitudes da nossa politica na Euro-
va as forças espanholas, atacou a nossa fortaleza na pa para atacar a Colónia de Sacramento. Assim, em
madrugada de 7 de Agosto de 1680. Manuel Lobo, 1705. quando P~rtugal entrou na Guerra da Sucessão
doente com febres, entregou o comando da fortaleza de Espanha, ao lado da Inglaterra, 05 espanhóis cer-
ao capitão Manuel GaIvão. Os portugueses bateram- caram a nossa colónia que acabou por ser evacuada
-se com bravura mas acabaram por sucumbir, devido após seis meses de cerco. Pelo tratado de Utrecht. de
ao grande número de assaltantes. No combate mor- 6 de Fevereiro de 1715, voltou à nossa posse, tendo
reu o nosso capitão e, segundo a tradição, sua mulher prosperado muito sob o governo do brigadeiro Antó-
D. Joana Galvão, quando o viu cair morto, empunhou nio Pedro de Vasconcelos que exerceu o cargo duran-
a sua espada e lutou valorosamente até que, por sua te 25 anos e desenvolveu o comércio de exportação
vez, foi ferida mortalmente (2). de couros e de carne salgada.
A população da colónia era então constituída por Em 1735, houve novo ataque espanhOl à Colónia
300 militares, 76 índios, 51 escravos negros, 4 mula- de Sacramento, mas os portugueses conseguiram re-
tos, 4 sacerdotes, 3 mulheres brancas, um médico e sistir durante um ano e meio às investidas do inimigo,
um almoxarife, tendo morrido em combate 125 ho- tendo sofrido grandes privações e chegado a comer
mens. Os muros da fortaleza eram de terra batida e cavalos. cães e gatos, para sobreviver. Valeu à nossa
havia na povoação 38 edifícios, alguns dos quais de colónia o auxilio que lhe foi prestado pela esquadra
taipa e tijolo, mas na sua maioria de construção tosca. portuguesa cpmandada pela coronel-do-mar Luis de
O edifício principal era a casa dos padres jesuítas (3). Abreu Prego - o "Perna de Pau)) - que conseguiu
Logo que soube do ataque à Colónia de Sacramen- manter abertas as comunicações pelo lado do mar e
to, D. Pedro n exigiu ao rei de Espanha a restituição enviar alguns reforços. O tratado de Paris, de 16 de
da nossa praça. Os dois governantes assinaram então Março de 1737, reconheceu os nossos direitos à coló-
o tratado provisional de 7 de Maio de 1681, pela qual , rua, levantando os espanhÓiS o cerco. Tenuinara, po-
aquela colónia voltou à posse de Portugal. Em princí- rém, o período áureo desta nossa possessão: os espa-
pios de 1683, Duarte Teixeira Chaves, governador do nhóis ocuparam a margem norte do rio da Prata, difi-
Rio de Janeiro, partiu com uma expedição composta cultando quanto podiam o nosso comércio.
de 400 soldados, embarcado~ em quatro navios de Mais tarde, pelo tratado de Madrid, de 13 de Ja-
guerra, para tomar posse da colónia, que lhe foi resti- neiro de 1750, que fixou os limites dos territórios de
tuída sem dificuldades. Portugal e Espanha na América do Sul, a Colónia de
A colónia começou então a prosperar, tendo sido Sacramento passou a pertencer à Espanha. Contudo,
construídas casas de alvenaria, uma igreja e outros a sua entrega ficou dependente da.conclusão dos tra-
melhoramentos que deram à povoação o aspecto balhos de delimitação no Sul do Brasil que se arrasta-
duma cidade. Em 1692 tinha perto de milhabitantes. ram por vários anos. Entretanto, o tratado de Paris, de
Curiosamente, um dos objectivos da sua fundação 12 de Fevereiro de 1761, confirmou os nossos direitos
tinha sido o do restabelecimento do comércio portu- à colónia, pelo que não chegánios a abandoná-la.
guês no Rio da Prata, que se desenvolvera muito du- Novo ataque dos espanhóis se registou em 176Z,
rante o governo dos Filipes mas se interrompera após quando Portugal entrou na Guerra dos Sete Anos, ao
a Restauração. Na realidade, a prata do Peru era in- lado da Inglaterra contra a Espanha e a França, ren-
dispensável para fazer face à escassez de moeda no dendo-se a colónia ao fim de 25 dias de cerco. Toda-
Brasil e Portugal. O contrabando de prata prosperou via, o tratado de Paris, restituiu-a de novoaPortugall
muito depois da fundação da Colónia e, em 1689, só Em 1776, outra guerra entre Portugal e Espanha,
num patacho foram transportados mais de cem mil motivada pela ocupação pelos portugueses de Rio
'cruzados de patacas, prata lavrada e pinhas. Contu- Grande do Sul, foi aproveitada pelos espanhóis para
do, a Espanha tomou medidas drásticas para acabar novo cerco da colónia. Esta, isolada e sem possibilida-
com este contrabando e, depois de 1691, o comércio de de receber reforços, não pôde resistir. q vice-rei do
da prata quase desapareceu. Começou então a de- Rio da Prata, D. Pedro de Ceballos mandou arrasar to-
senvolver-se a agricultura e a pecuária. Em 1700 che- das as fortificações da colónia, que tinha então cerca
garam a abater-se quarenta mil reses, exportando-se de 3000 habitantes.
couro para Portugal e carne salgada para o Brasil. Ê Finalmente, o tratado de Santo lldefonso, de 1 de
de salientar que foram os portugueses que começa- Outubro de 1777, continuou a posse definitiva da Co-
ram a criação de gado nas capitanias do Brasil. Daí ex· lónia de Sacramento pelos espanhóis, terminando as-
sim a ocupação·pelos portugueses daquele território
do Rio da Prata.
I') NHistória de ColÓnia del Sacramento ... por L. E. Arazola Gil.
(') NA Colónia de Sacramento na Época da Sucess§o de Espa, Contudo, não tenuina aqui a história do estabele-
nha.f. por Luís Ferrand de Almeida. cimento dos portugueses no Rio da Prata. No princí-
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