Page 392 - Revista da Armada
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de locais, Administrativos, sobr'e a Fortaleza de para o ir tratar e tomar conta dos seus doentes, como
S, Fernando, a igreja e o começo do palácio do Gove r- aconteceu.
no. Fala-nos também sobre os europeus e nativos, so- Anchieta, quando chegou a Moçâmedes, encon-
bre as habitações da vila, e ainda das propriedades trou os medicamentos já esgotados (o clássico quini-
agrícolas nos subúrbios C"). no, usado naquela altura para a cura destes males).
Da mesma forma, em 17 de Março de 1863, apare- Recorreu então Anchieta a medicamentos da sua au-
cem algumas considerações sobre o estado sanitário toria, à base de leite(' ), que a experiência de longos
da vila, devidas a um estudo do notável médico João anos pelos matos de Angola, em contacto com os na-
Pereira Lapa e Faro (, .. ), Encontra-se esta referência tivos, lhe havia ensinado e com bons resultados.
num artigo publicado na uRevista Portuguesa, Colo- De cultura invulgar, com uma dedicação extrema
niale Marítima!), de 1897/98, pág. 779. à profissão que exercia tão devotadamente, Lapa e
Quando Lapa e Faro ali chegou, levantaram-se as Faro tornou-se não s6 o médico dedicado e amigo
primeiras moradias e os primeiros sobrados (~). que querido de todos os habitantes da vila do deserto,
mais tarde vieram a formar a bela cidade do Namibe. mas também o moçamedense que fez daquela a sua
O gosto deste médico pela arquitectura levou-o a in- terra.
flue'1ciar muitas das construções que entã~ foram feio Para melhor compreendermos a estima e conside-
tas, Por exemplo: o palácio do Governo, inciado em ração que os habitantes daquela vila e aglomerados
1858, com um projecto de Fernando da Costa Leal. é populacionais vizinhos tinham por Lapa e Faro, basta
alterado em 1866, por um novo projecto de Lapa e respigar de um artigo publicado no suplemento ao
FaroCI). n. 0 7 do jornal uSul de Angolall , de 4 de Agosto de
Igualmente projectou e fez construir a sua casa, 1892, comemorativo do quadragésimo terceiro ani-
requintada de bom gosto e preciosismos artísticos, versário da fundação de Moçâmedes, a seguinte pas-
com belos jardins, que ainda há bem poucos anos era sagem:
tida como a mais bela casa de Moçâmedes. Paz e glória aos que já repousaIn no sono eterno
Note-se que, um autor da época, Eduardo Augus- depois de tanta luta; glória e ventura aos que sobrevi-
to de Sá Nogueira Pinto Balsemão, que visitou aquela veram, Aos primeiros as lágrimas da nossa condolén-
vila em 1868, fez as seguintes referências à casa de eia; aos segundos um estreito e apertado abraço do
Lapa e Faro: qual não deverá ser isento o venerando ancião doutor
( .. ,) uma bela casa e um lindo jardim do hábil e dis- João Cabral Lapa e Faro, que tão bons serviços pres-
tinto médico Dr. João Cabral Pereira Lapa e Faro, cha- tou às duas colónias e que ainda hoje, apesar da sua
ma a atenção de quantos vão à vila de MoçAmedes n. idade, continua prodigalizando os seus socorros mé-
São ainda do mesmo autor, estas afirmações: dicos com o maior desinteresse e dedicação.
Só quem vê aquele areal estéril e pleno de mono- Desde 1857 que tão prestimoso cavalheiro perma-
tonia em que está colocada a vila, pode bem pesar as nece em Moçâmedes e, neste longo periodo, tem dei-
dificuldades com que o Dr. Lapa e Faro tinha lutado xado de si uma doce auréola de luz pelo seu saber,
para conseguir ter jardins no pé em que estão os que pela sua boa vontade e pela sua filantropia; por isso,
cercam a sua vivenda de MoçAmedes. hoje, com gratidão, o «Sul de Angola», tratando dos
Para se fazer ums pequena ideia dessas dificulda- colonos de 1849 e 1850, não podia deixar de mencio-
des, basta saber-se que toda a terra necessán'a para nar o nome de Sua Excelt§ncia, o que faz com a sua
os jardins vinha de grande distAncia ( ... ) tendo procu- maior satisfação apesar de ter a certeza de ofender a
rado obter nos mais remotos paises, sementes e ar- sua muita modéstia.
bustos para aclimar em MoçAmedes, o que, felizmen- Saudamos pois o distinto e bom médico Lapa e
te, havia conseguido, não sem grandes despesas, a' Faro e que a Providência por muitos anos mais lhe
respeito de muitas espécies (I), conceda vida para alegria de MoçAmedes, terra que
Era assim este médico da Armada. ele tem ajudado a criar e a fazer, tratando com muita
Porém, nem tudo foi um mar de rosas para Lapa solicitude nunca desmentida, da saúde dos seus fun-
e Faro naqueles areais do Sul. Em 1868, um surto de dadores e descendentes, (A Redacção)
febres palustres pôs em sérios riscos a população da São várias as referências que se encontram a res-
vila. O própria director do hospital local, o médico de peito deste médico, na imprensa angolana da segun-
primeira classe dr. Lapa e Faro, caíu gravemente en- da metade do século passado. Alberto de Lemos, por
fermo. Escreveu então ao seu querida amigo, o sábio exemplo, no seu livro "Nótulas Históricasll('O), men·
naturalista José Alberto d'Oliveira Anchieta (naquela ciona a familia de Lapa e Faro entre as mais ilustres
altura a fazer explorações em Caconda, mais de tre- ,familias emo-africanas, daquela ex-provincia nessa
zentos quilómetros a Norte, para o interior), a pedir época, Sendo assim, este médico constituiu família
mestiça, à boa maneira" colonial» portuguesa,
Na verdade, o dr. Lapa e Faro foi sempre uma figu-
(') Idem, Delgado. Ob, cit., pp. 55a 57. ra proeminente nos meios angolanos, como profissio-
(' ) Casas de primeiro andar. nal, como pessoa, e também no âmbito social. Fica-
(0) Morais (J. A. da Cunha), . Album PhotográphJco e Descriptj-
VO N. s/data, ram célebres os festins dados na sua luxuosa casa a
P) 8alsemiJo (Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto), . An-
gola - Resumida História do Governo ( ... ) •. 1871. (O) Lemos (Alberto de), . Nótulas Históricas", ediçiJo do Fundo
(' ) Torres (Manuel de Mandonçll) .• MoçAmed.es •• 2. g vol.,
de Turismo e Publicidade, Angola. 1969, p . J 17.
p 130. (") Idem, Lemos. Ob. cit .• pp. J95e J96,
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