Page 411 - Revista da Armada
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msTÓRIAS  DE  MARINHEIROS

         78-Noite de Natal







                um navio de guerra em longa
                comissão de serviço, em Mo-
          N çambique,  já  há  quase  um
         ano,  ia festejar-se  a noite de Natal.
          Era a primeira que a guarnição pas-
          saria sem as fammas. Decerto que a
          saudade de que todos sofriam a bor-
          do se tomaria mais viva naquela noi-
          te,  com pais, mulheres, filhos e noi-
          vas lá Ião longe e há tanto tempo.
             A  ceia teria lugar na coberta do
          convés,  a  mais espaçosa do navio,
          decerto ainda acanhada para alber-
          gar todos os oficiais, sargentos e pra-
          ças da guarnição. Por isso, na tarde
          antecedente, se trabalhou com afin-
          co, aliviando-a de macas, bagagens
          e  outros  empecilhos.  O  serralheiro
          de  bordo,  e  o  ajudante, chegaram
          mesmo a desmontar uns quantos ca-
          cifos, que retiraram para os corrado-
          resdeacesso.
             Aliviado o  espaço, uniram-se de
          topo as mesas de rancho,  a que se
          juntaram  mais  algumas,  vindas  de
          outras cobertas. Num arranjo impro-
          visado  todos  disporiam  de  lugares
          sentados, à excepção de uns poucos
          que,  de selViço,  teriam de ficar  ne-
          cessariamente nos seus postos.
             Vieram depois os sinaleiros que,
          com bandeiras e galhardetes, cobri-
          ram as anteparas de um manto multi-
          cor, a disfarçar a agressividade me-
          tálica do ambiente. Também os tor-
          pedeiros  montaram  um  arraial  de
          lâmpadas  coloridas,  pintadas,  na
          véspera,  com  tintas  do  paiol.  Não   por  encontrar uma solução simbóli-  leiro  onde,  pacientemente,  usando
          querendo ser ultrapassados, os arti-  ca. Recortaram, em papelão branco,   as máquinas de escrever da cabine,
          lheiros concorreram também para a   estrelas  de  cinco  pontas,  que  sus-  tinham  entrecruzado  centenas  e
          decoração da coberta. Com  invólu-  penderam, a espaços, nas bandeiras   centenas de sinais em grandes letras
          cros metálicos vazios das munições   e  galhardetes que desciam do alto.   que diziam oeFELlZ NATAL ...
          de 40 milímetros, a que tinham puxa-  E, para denunciar a nota característi-  A hora da ceia tinha çhegado. Já
          do um  brilho doirado, improvisaram   ca da classe, prenderam às estrelas   todos  se sentavam  à  mesa,  aguar-
          jarras  que,  dispersas  pelas  mesas,   compridos  bocados  esfiapados  de   dando a vinda do senhor comandan-
          exibiam  flores  trazidas de terra. Os   desperdício branco,  na imitação do   te. E quando este surgiu, à entrada
          de manobra,  por seu  lado, não po-  rasto luminoso que elas refleclem na   da coberta, a  voz  de  .. Sentido ..  do
          diam ficar  ausentes. Com  mealhar,   superfície lisa de um mar em calma-  imediato fez erguer, num movimento
          urdiram  pequenos coxins  redondos   ria.                            rápido, toda a guarnição. Oada a voz
          para,  numa  simulação  embora  dis-  Já todos se  riam  dos telegrafis-  de «À vontade .. , todos se sentaram
          tante,  substituírem  os  «napperons»   tas, que tardavam, decerto sem hipó-  de novo, e criados e rancheiros che-
          que  faltavam  às jarras  dos  artilhei-  teses  de  colaborar.  Mas  estes  ti-  garam com as terrinas da sopa.
          ros.                              nham tramado uma surpresa: quan-      Logo as conversas se animaram,
             Os  fogueiros  magicaram  longa-  do todos os preparativos estavam fi-  num  .. brouhaha ..  alegre,  a  reflectir
          mente  quanto  à  sua  contribuição.   nalizados, surgiram na coberta com   uma  camaradagem  estreita,  sem
          Mas  um,  mais  imaginativo, acabou   um quadro emoldurado pelo carpin-  distinção de postos.
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