Page 149 - Revista da Armada
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& Nota de Abertura










                            Ao viandante







                   u que passas e ergues para mim o         se lê e se escreve~or aí, é um prazer medi-
                   teu braço, antes que me faças mal        tar nestas palavras de um desconhecido.
            T olha-me bem.                                  Por mim, confesso, nunca vi melhor defi-
               Eu  sou  o  calor do  teu  lar nas noites    nição do que é uma árvore ...
           frias de Inverno.  Eu sou a  sombra amiga            Era costume antigamente, e creio que
           que encontras quando caminhas sob o Sol          o  será ainda,  encher os muros das cape-
           de Agosto e os meus frutos são a frescura        las, situadas em locais isolados, de pensa-
           apetitosa que  te sacia  a  sede nos cami·       mentos,  nomes,  datas,  versos  e,  infeliz-
           nhos. Eu sou a  trave amiga da  tua casa, a      mente, de asneiras  também.  Eu próprio
           tábua da  tua mesa,  a  cama em que des-         escrevi nalguns da região onde nasci e fui
           cansas e  o lenho do  teu barco  Eu sou o        criado, quando era menino e moço, datas
           cabo da  tua enxada, a porta da tua mora-        que só para mim tinham significado, no-
           da,  a madeira do  teu berço e do teu pró-       mes que me falavam  ao coração, versos
           prio caixão. Eu sou o pão da bondade e a         que o local me inspirava ...
           [Jarda beleza.                                       Dizem que não é  bonito escrever nas
               Tu que passas olha-me bem e não me           paredes.  Talvez,  mas  eu  pergunto  que
           {aça5maJ! ...         •                          mal tem gravar no tronco d e uma árvore,
                                • •                         ou desenhar numa parede, dois corações
                                 •                          atravessados  por  uma  seta,  com  um
                                                            nome, ou inicial, em cada um? É tão boni-
              É  isto  que  um amigo  meu  encontrou        to e tão elucidativo ... Para mim, não sendo
           gravado num pedaço de  um velho tronco           palavrões, o resto tem até muito que ler...
           de  arvore, no Campo Grande, em Lisboa.
           Não estã. assinado.
              Mesmo assim, não resisto à  tentação
           de  dirigir  ao  desconhecido  autor  as mi-
           nhas saudações pela alma de eleição que
           revela ao escrever uma coisa tão bonita!
           Se o destino, que  me fez chegar às mãos
           este precioso documento humano, capri-                                     ~. d4> v'~
           char  também  em  lh e  levar  estas  mi-                                                 c/alm
           nhas  palavras,  quero  que aceite que  as
           deixe aqui registadas  para a posteridade,
                                                               N. R. - o comandante PInto Machado. como membro do
           antes que o tempo as apague do carcomi-          Corpo RfKhlctoriaJ da Revista e vereador da CAmara Municipal
           do tronco em que as gravou. Profissionais        de IJsboa, informou  ter sido o pTÓpno Municipio que mandou
                                                            gravaraquela prosa em vários troncos de árvore, em}ardins da
           do mar,  muito embora, apreciamos e  ve-
                                                            cidade. Diz ainda que Já a rainha da Dinamarca, que esteve em
           neramos  tudo o  que a  Natureza tem de          Lisboa n o ano de 1984, se tinha interessado pelo assunto. Por
           belo. E  as árvores são, sem dúvida, uma         investigações a q ue procedeu, Julga que o autor _desconheci'
                                                            do_ se cham a Audano Mira SaraIVa. Se algum dos nossosleuo'
           delas. No meio de tanta  banalidade que          resopuderconlirmar. ou negar, ag rad6C6mos.



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