Page 177 - Revista da Armada
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telha no. por vezes carregadas sem respeito pela marca do
seguro.
Ali. fatlo dlim latirão dos bons ve/l/Os tempos! diz o Ti
Chico. quando começa a desenrolar o novelo das suas mil
e uma recordaçõcs. As coisas corriam assim: os barcos de
carga e de passageiros. quando a actual ponte não existia.
atravessavam o rio. transportando milhares de veículos.
sob a orientação das firmas Borrelho & Susana, Victor &
Silva. e outras. E a seguir. dando um pouco mais de corda
à convers ... continuava. ab .. nando a cabeça: EftaJ firmas
I'iram correr o dinheiro para (J,f seus cofreJ, como os rios
correm l)(Im os OCelIllQ.\'.
Há quem dig .. que o Ti Chico é o profeta do cais. Ele
é um dos homens mais 'lIltigos d .. velha zona ribeirinha.
N:io h:i um só dia que não venha ao cais saudar o Tejo e
mat .. r saudades, sempre lIcompilllhado do bom humor
que transporia na almu, Devia ser de perder li cabeçll . nos
tempos cm que o velho m .. rinheiro levuYa I"!a sua embar-
caçfLo os ranchos de belas e azougadas raparigas que iam
mondar e ceifar para as propriedades da Companhia das
Lezírias. dos Mouch:ios de Alhandra e Lombo Tejo. I-Ia-
viu o rancho dasgllibéll,~ e o das campolle.HI,f. O primeiro.
trazi .. gente dos lados dcTomare o segundo era composto
por naturais do Ribatejo.
É neste pormenor. cont .. do com ênfase. que aTi Chi-
co, cuja idade ronda os 70. nos revela. com ar malicioso
e pensamento atrevido. a beleza e o aprumo das raparigas
que transportava: alegres. de olhos sonhadores, trajos
garridos e ... de cantigas na boca. Ainda saudoso. fala-nos
de uma quadra que esvoaçava nas gargantas das moças do
rancho das g(úbélls.
Ó senhor arrais do burco.
Agora é que a maré Viii boa:
E nem :-,cLJuer hâ tempo para corUlr "'/ Cll.çaCa alheia. Eu já fui arrais dum barco
Está •• :-.scgurada urna seman •• de féria. caso o tempo aju- De Santarém a Lisboa.
de. O c •• pataz Saldanha avisa que sflo precisos dois ternos
Recordações da vida. que lIinda perduram no coração
de homcns para a descarga: s:io trezentas toneladas de vi- das gentes do Ribatejo ...
gas de ferro que v;io passar pelo dorso calejado daquel ..
O cais de Vil .. Franca de Xira tem um período em que
gente que veio ao mundo •• penase só para trabalh .. r!. ..
a euforia não é madmsta. Nos meses que vão de Abril a
Que import •• a dureza da carga. se o interesse é o tra·
Agosto. aos domingos. encostam ii muralha os barcos
balho transformado cm dinheiro para pagar ao padeiro, .. Lisbonense» e «Rio Tejo», da Parceria dos V •• pores lis-
ao merceeiro. ilO senhorio e também para uns copitos do
bonenses. com centenas de passageiros. O rapazio d •• vila
roxo ...
d.í-Ihe as boas-vindas, em desordenada gritaria, No meio
Ao cair da noite . Iii :-.eguem em grupo: o Marcelino,
desta esfuziante manifestação est.i sempre a Loló. descal-
o Ba!>ílio. o Orhlndo e outros. Nestas coisas nunca falta
ça, de cabelos caídos, correndo qual gazela. ou mergu-
o Serôdio. um bebedor de primeira. mas no fundo uma lhando decididamente nas águas tranquilas do seu rio.
boa alma. \Cmpre a reviver ii :-.ua história predilecta: o ter,
Nestes dias ela é a grande atTilcção dos forasteiros: uns fo-
cerlo dia. levado a:-. chocas par<! a corrida de toiros que
tografam-na em série, outros prometem levá-Ia para o ci-
~ realizam na Moit ... Quando está pingado, a história é
nema. outros ainda. para a televisão e até para o teatro ...
~mpre a mesma .. Um amontoado de promessas em que a simp:itica rapari-
Dias depo;!> é a vez do .. Guilhermina Delgado» passar
ga da beira-rio não acredita, porque é inteligente demais
cabos ii muralha: um dos barcos mais airosos que embele-
para não sonhar tão •• Ho.
zam o Tejo e o cais de Vila Franca de Xira. Da casa do
De noite já a temos visto a contemplar us águas do
leme. o mestre Ginja. irmão gémeo do Seródio (no res-
Tejo, como se delas estivesse enamorada ...
peitante aos copos), já acena para a malta. É só atracar, Foi neste mundo, onl triste, ora alegre. que nasceu c
saltar em terra e toca a cumprir o programa do costume.
vive a endiabrada Loló - A Feiticeira do Tejo!
Oxalá que desta vez nãoc .. ia ao rio!.
Vila Franca de Xira, foi em tempos, um risonho aglo-
Alberw MO/mio.
merado de fart ura. No seu cais fizeram-se imensas cargas 1·\·/ ... ·lIIl1r A
de frula dc variadíssimas espécies de que a região é férti l.
A parle fronte iriça, denominada Cabo, era um importan- N. do A. - /mpirllllos " t$/11 cróniru. Si/"" Nunes .. }I)rg(' d·A..,fa
te entreposto. Ali apartavam embarcações do Inácio Cas- compustrum Ilmllcllllçuofflm (J mumo limlo.
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