Page 189 - Revista da Armada
P. 189

o ensino, quer de português quer de ciências sociais, como fo-  prémio de poesia da Academia Brasileira de Letras, e foi edita-
           ram .. Criança, Meu Amor., e .. Rute e Alberto Resolveram Ser   do em Lisboa no ano seguinte, a palavra feita verso de Cecftia
           Turistas,.;  traduziu obras de  Rilke,  Virginia  Woolf. Caldwell,   Meireles permaneceu umcã ntico a que a solidão não rouba nun-
           Tagore e Garcia Lorca; colaborou em quase todos os jornais e   ca a harmonia, e em que a repetição dos temas é o constante re-
           revistas do Rio de Janeiro; proferiu inúmeras conferências sobre   velar de um virtuosismo cm que. como escreveu Paulo Mendes
           literatura, folclore e educação; leccionou literatura luso-brasi-  de Campos, .. a única monotonia é a inacreditável qualidade de
           leira na Universidade do Distrito Federal: professou vários cur-  seus versos».
           sos livres sobre literatura comparada e literatura oriental; ensi-  Naqueles que escolhemos para a nossa antologia, os temas
           nou literatura e cultura brasileira nos Estados Unidos_ na Uni-  do mar não surgem como a resultante de uma observação física
           versidade do Texas; viajou pelo mundo, tendo estado em  1953   dos seus elementos; mas eles estão lá, no mar absoluto, e na re-
           em  Goa,  onde  ficou  sócia  honorária  do  Instituto  Vasco  da   volta dos ventos. e nas sereias dadas ã costa, e no Rei do Mar
           Gama. Poeta não apenas: mas foi na poesia que CeCl1ia Meireles   entre a água e o vento procurado, e na pedra onde ao sol se senta
           alcançou a primeira linha dos valores culturais da modernidade.   o pescador, e no  afogado q ue jaz nos canais de Amsterdão, e
           Desde o seu primeiro livro de versos ... Espectros. (19 19), pas-  na vaga ince ria onde um  pé dança na orla rendilhada, c além.
           sando pelos poemas de .. Viagem,..  que conquistou cm  1938 o   na  areia, onde chora  a espuma de  uma qualquer maré-cheia.



                 MAR  ABSOLUTO                queos homens sentem, sedl4zidos   plástica, fluida, disponível,
                                                                    {e medrosos.   igual a ele, em constante solilóquio,
                    MAR  ABSOLUTO                                               sem exigências de principio e fim,
                                              o marl só mar, desprovido de apegos,   desprendida de terra eclu.
           Foi desde sempre o mar.            f!1atando-se e recuperando-se,
           E multidóes passadas me empurravam   correndo como um touro azul por sua   E eu, que viera cautelosa,
           como o barco esquecido.                              {própriasombra,   por procurar gente passada,
                                              e arremetendo com bravura contra   suspeito que me enganei,
           Agora recordo que falavam                                 {ningulm,   que ItdOlllras ordells, que não forum
           da re~'olta dos ventos,            e sendo depois a pl4ra sombra de si                        !ouvidas;
           de linhos, daordas, deferros,                               {mesmo,   que uma outra boca fulava: não somente
           de sereias dadas d costa.          por si mesmo vencido. É o grande                  {a de antigos mortos,
                                                                     {exercício.   eomura que me mandam nãoiapellas
           E o rosto de memavós es/Ova caído
                                                                                                         {este mar.
           pelos mares do Oriente, com seus corais
                                   {e pérolas,   Não precisa do destino fuo da terra,
           e pelos mares do Norte, duros de gelo.   ele que, ao mesmo tempo,    Não I upenas este marque reboa lias
                                              tO dançarinoea sua dança.                           {minhas vidraças,
                                                                                masOUlro, que se parece com ele
           Então, i comigo que falam,                                           como se parecem os vu/IOS dos sonhos
           sou eu que devo ir.                Tem um ráno de metamorfose, para                         {dormidos.
            Porque mio há ningulm,                                 {experiência.'   E entre água eestrela estudo a solidão.
           não, "lia haverá mais ninguém,     seu corpot oseu próprio jogo,
           tão decidido a amar e a obedecera sem   e a sua eternidade lúdica    E recordo minha herança de cordas
                                    {mortos.   mio apenas gratuita: mas perfeita.
                                                                                                       {eáncoras,
                                              Baralha seus altos contrastes.'   e encontro tudo sobre·humano.
           E tenho de procurar mem tios remotos                                 E este mar visfvellevanta para mim
                                   {afogados.   cavalotpico,anlmonasuave,
           Tenho de levar-lhes redes de rezas,   entrega-se todo, despreza tudo,   uma face espumosa.
           campos convertidos em velas,       sustenta noseu prodigioso ritmo   E retrai-me, ao dizer-me o que preciso.
           barcas sobrenaturais               jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos,   E I logo uma pequena concha fervilhante,
           com peixes mensageiros             masl desfolhado, cego, nu, dono apenas   nódoa liqllida e instável,
           e santos náuticos.                                            {de si,   cil14la azul sumilldo-se
                                              da sua terminante grandeza despojada.   no reino de um Oulro mar:
            EficolOnta,
           acordada de repente lias praias    Não se esquece quel ágl4a, ao desdobrar   ah!do Mar Abso1141O.
                                 {tumultuosas.                      {suas visões:
            E apressam-me, e não me deixam sequer   água de todas as possibilidades.
                        {mirara rosa-dos-vemos.   mas sem fraqueza nenhuma.              o REI 00 MAR
           «Para adiame! Pelo mar largo!
            Livrando o corpo da lição frágil da areia!   E assim comoáguafala-me.   Muitas velas. Muitos remos.
            Ao mar! - Disciplino. humana para   Atira-me búzios, como lembrança de sua   Âncora loutro falar ...
                            {a empresa da vida!»                         {voz,   Tempo que navegaremos
                                              eestrelas eriçadas, como convite ao meu   nãose pode calcular.
            Meu sangue entende-se com essas vozes                      {destino.
                                  {poderosas.                                   Vimos as Plêiades. Vemos
            A solidez da terra, monótona,     Não mechamo. para que siga por cima   agora a Estrela Polar.
           parece-me fraca ilusão.                                       {dele,   Muitas velas. Muitos remos.
            Queremosa ilusão grande do mar,   nem por dentro de si:             Cima vida. Longo mar.
           multiplicada em suas malhas de perigo.   mas para que me converta nele mesmo.
                                                            {Éoseumáximodom.    Por água brava ouserena
           Queremos a sua solidão robusta,                                      deixamos nosso can/ar,
           umasolidão para todoso~lados,      Não me quer arrastar como meus tios   vendo a voz como ~ pequena
           uma ausência humana que se opõe                            {outrora,   sobre o comprimento do ar.
                {ao mesquinho formigar do mundo,   nem lentamente conduzida,    Se alguém ouvir, temospena:
           efaz o tempo inteiriço, livre das lUlas   como meus avós, de serenos olhos   só cantamos para o mar ..
                                 {de cada dia.                       {certáros.
                                                                                Nem /Ormellta nem lormemo
           Oalento heróico do mar tem seu pólo   A ceita-me apenas convertida em sua   IIOS poderia parar.
                                     {secreto,                       {natureza:   (Muitas velas.  Muilosremos.

                                                                                                              7
   184   185   186   187   188   189   190   191   192   193   194