Page 86 - Revista da Armada
P. 86

HISTÓRIAS DE MARINHEIROS/93

                           Noite de Glória







                 ra numa pequena canhoneira                                                                            •
                 -já lá vão mais de cinquenta
            E anos-, que  fora  em  comis-
            são às ilhas adjacentes. Além do co-                                                                       I
            mandante e do imediato, tinha a bor-
            do  três  jovens  guardas-marinhas,
            num começo de vida.
               A viagem decorreu em pleno  In-
            verno, e os assaltos do mar, embra-
            vecido como é seu jeito nessa época,
            maltrataram duramente o naviozilo.
               Quando se  estava na  Horta, re-
            cebeu-se ordem  para  levar uns ca-
            dernos  eleitorais  às  Flores  por,  na
            estação invernosa, não haver carreio
            ras para a ilha.
               O mestre apitou à faina. Já então
            soprava sudoeste, que um baróme-
            tro ainda na descida fazia antever se
            fortalecesse mais. E quando se len-
            tou  suspender  o  ferro,  o  guincho  a
            vapor,  renitente,  negou-se  com  fir-
            meza. Parecia que o ferro se fundira
            com  o fundo. Houve que passar la-
            lhas à amarra e, num esforço conju-
            gado com o guincho, o ferro acabou
            por aflorar ao lume de água. Mas tra-
            zia  encepada  uma  âncora  enorme,
            coberta de ferrugem,  decerto perdi-
            da há longos anos por um navio dou-
            tros tempos. Alguns, supersticiosos,
            não se sentiam felizes. A teimosia do
            ferro prendendo, firme, o navio, pare-
            cia um aviso.  Não se deveria largar
            para o mar, com aquele tempo e num
            navio tão  frágil.  Mas esses  receios
            nunca  chegam  à  ponte.  O  coman-
            dante,  já atrasado,  pela demora da
            manobra, mandou devolver a âncora
            à  sepultura  das  águas.  Não  havia
            tempo de a meter abordo. E acanho-
            neira saiu do porto. contornando de-
            pois a ilha pelo norte. Logo que ficou
            desabrigada,  começou  o  baile.  O
            mar -o velho dançarino- tomou a
            canhoneira  nos braços espadanan-
            do espuma, e vai de sacudi-Ia de alto
            a baixo,  num  louco frenesi.  A pobre
            gemia,  a  espaços,  no  cavername
            ameaçado.
               Assim se alcançou as Flores, que   a ilha, o desembarque revelou-se im-  O  tempo,  entretanto,  piorara
            mal se distinguia através da chuva e   possível. Com o cair da noite, houve   mais. Já o  mar galgava  por vezes,
            da surriadado mar. Depois de rondar   que rumar ao Faial.           em ondas enormes, as superstrutu-
           12
   81   82   83   84   85   86   87   88   89   90   91