Page 193 - Revista da Armada
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embarcar; junto às naus, tinham sido as naus, começaram a ser violemamente meida e de Tristão da Cunha dirigiram-se
construídas fortes estacadas muito bem atacados da margem com artilharia e para Cananor. Aqui. este último comple-
artilhadas; para defesa das naus e da arremessos de flechas, ao que iam tou a carga das suas naus, iniciando a
cidade encontrava-se em Panane um respondendo como podiam. Chegado ao viagem de regresso a Portugal em 7
famoso capitão do Samorim, chamado local que lhe pareceu melhor para o ou 10 de Dezembro. D. Francisco de
Cutiale, à frente de sete mil homens; os desembarque, Pero Barreto foi recebido Almeida regressou a Cochim.
proprietários, capitães e outras pessoas por algumas dezenas de «mouros,. rapa-
importantes das guarnições das naus dos que, com mais coragem do que dis-
tinham rapado o cabelo e jurado morrer, cernimento, se meteram pela água c nAUL (24/26 ? de Março de 1508)
se necessário, em sua defesa. demro, na ânsia de terçar armas com os
A posição. no seu conjunto, parecia portugueses. Como seria de esperar, Depois que os Portugueses tinham
muito forte, mas não se levantou uma foram todos mortos pelos tiros do berço descoberto o caminho marítimo para a
unica voz contrária à ideia do ataque. e das espingardas. Índia, os rendimentos do sultão do Cai-
A lembrança de Dabul ainda estava Desembarcando Pero Barreto com os ro. provenientes dos direitos que cobra-
muito viva na memória de todos! seus homens, começou por encontrar va pela passagem das especiarias através
Ao outro dia, antes do nascer do Sol, uma certa dificuldade em aguentar uma do seu território, começaram a declinar.
os portugueses detalhados para tomar violenta arremetida do inimigo, mas foi Por um lado, a grande quantidade dessas
parte na operação, em numero de cerca prontamente socorrido pelos batéis de especiarias que os portugueses tnlziam
de quinhentos, ocuparam os seus luga- D. Lourenço de Almeida e de Nuno da para Lisboa pela via do Cabo abatia o seu
res nos batéis e nas galés, já que as naus Cunha. Travou-se então um feroz com- preço de venda na Europa; por outro
e as caravelas, devido ao seu calado, não bate à arma branca junto à praia em que lado, da caça que davam no índico às
tinham possibilidade de franquear a D. Lourenço de Almeida, depois de ter «naus de Meca .. resultava uml conside-
barra. Feita uma curta pregação e dada morto seis .. mouros ... foi gravemente rável diminuição do comércio marítimo
a absolvição geral pelo capelão, soaram ferido num braço tendo que ser evacuado entre o mar Vermelho c a índia.
as trombetas dando o sinal para o ataque para o batel. Tendo tentado. sem resultado, fazer
e todos os batéis e galés, segundo a Neste meio tempo, tinham chegado pressão sobre o rei de Portugal por
ordem preestabelecida, arrancaram em as galés, que haviam desencalhado apro- intermédio do Papa. a quem ameaçou
direcção à boca do rio de Panane. veitando a subida da maré. D. Francisco com a destruição do Santo Sepulcro e a
À frente ia o batel de Pero Barreto de Almeida desembarcou arvorando o prisão de todos os cristãos que havia nos
com a missão de escolher o local mais estandarte real, ao mesmo tempo que as seus domínios, o sultão do Cairo acabou
favorável para o desembarque junto às trombetas atroavam os ares. Tudo isto por decidir-se a construir uma armada no
naus de Calicute. Seguia-se o batel de animou extraordinariamente os fidalgos mar Vermelho destinada a expulsar os
Diogo Pires, encarregado de tomar a e soldados portugueses que carre- Portugueses da Índia.
bateria que estava acima da barra. Iam gando com um ímpeto irresistível puse- A propósito da construção dessa
depois os outros batéis (provavelmente ram em fuga desordenada os «mouros'" armada há três aspectos que será curioso
doze) com D. Lourenço de Almeida, e os naires de Calicute. Entretanto, referir. O primeiro é que, segundo
Nuno da Cunha (filho de Tristão da Diogo Pires tinha conquistado a bateria constou. os Venezianos colaboraram
Cunha) e muitos outros fidalgos, entre da barra. activamente com o sultão, fornecendo-
os quais os que haviam sido destituídos Vendo o inimigo completamente des- -lhe carpinteiros especializados e fundi-
das suas capitanias por causa do que baratado, o vice-rei mandou pôr fogo às dores de artHharia, e pennitindo-Ihe que
acontecera em Dabul e a quem, apesar naus e à cidade. Soube-se depois que os mandasse buscar madeiras à Dalmácia.
de presos, o vice-rei dera autorização ~mouros" se admiraram dos portugueses Isto, apesar de Portugal, poucos anos
para tomar parte na operação. Fechavam não a terem saqueado antes de a queimar. antes, ter mandado uma poderosa arma-
a coluna de ataque as duas galés numa A razão disso é que D. Francisco temia da em auxílio de Veneza quando os
das quais ia embarcado D. Francisco de que durante o saque os soldados se Turcos ameaçaram Corfu! O segundo. é
Almeida e na outra Tristão da Cunha desordenassem. como era costume, e o que a annada turca que levava a madeira
que, embora doente, não quis ficar na inimigo pudesse aproveitar a ocasião do Adriático para Alexandria foi macada
sua nau. Cada batel levava cerca de trinta para contra-macar, uma vez que ainda no çaminho por uma armada da Ordem
homens; cada galé cinquenta. dispunha de muitos milhares de homens de Malta de que, por coincidência. era
Enquanto o batel de Diogo Pires ar- frescos. Por isso, preferiu jogar pelo capitão-mar um fidalgo português, que
remetia contra a bateria da barra. os res- seguro, contentando-se em queimar lhe capturou vários navios. do que
tantes com o pessoal agachado e bem todas as treze naus que estavam varadas resultou que a armada que viria a ser
cobertO com os escudos, passavam por e toda a especiaria que havia nos construída no mar Vermelho ficou com
debaixo dos seus tiros sem sofrer qual- armazéns da cidade. memos unidades do que as inicialmente
quer dano. Nesta altura surgiu um con- Neste combate teve o inimigo cerca previstas. O terceiro é que os navios
tratempo que veio alterar o cuidadoso de duzentos mortos (quinhentos, segun- foram. por assim dizer, prefabricados no
planeamento do vice-rei: estando a ma- do Barros) e muitos mais feridos, entre Cairo, sendo posteriormente montados
ré muito baixa, as galés não consegui- ~mou ros" e naires. Os portugueses tive- no porto de Suez, apenas em cinquenta
ram galgar a barra e ficaram encalhadas ram dezoito mortos e setenta feridos, ou dias!
na areia. seja, cerca de 18 % das forças empenha- A armada dos Rumes, nome por que
Mas nem por isso os batéis se deti- das, o que atesta bem o vigor da defesa. os Turcos eram conhecidos na Índia, fi-
veram. Continuando o seu caminho em Recolhida a força de ataque aos na- cou composta por dois galeões (navios
direcção ao local onde se encontravam vios, as armadas de D. Francisco de AI- semelhantes às naus mas um pouco mais
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