Page 225 - Revista da Armada
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perder o pouco tempo de que dispunha   quatro mil malabares e «mouros.. dispon-  e  tortuosas.  Felizmente,  conseguiram
       antes do começo da .. monção .. , não deu   do  de  muitas  espingardas  e  bastantes   sarar-se  sem  ter  morrido  nenhum,
       acolhimento às  suas  propostas.   bombardas que ofereceram uma encar-  embora à custa de a maior parte deles te-
          Tendo finalmente pronta a sua anna-  niçada resistência.  Mas, como sempre,   rem ficado feridos. Aborrecido com esta
       da, D. Henrique de Meneses largou de  o  primeiro  ímpeto dos  portugueses  foi   manifestação de  indisciplina  mas  satis-
       Cochim a 20 de Fevereiro de  1525, le-  irresistível. Animados pela presença do   feito com os resultados que, não obstan-
       vando consigo oito navios de alto bordo   governador,  levaram  os  inimigos  de   te, haviam sido alcançados, D. Henrique
       possivelmente naus e caravelas redondas,   roldão  diante  de  si  e  em pouco tempo   de Meneses  tomou  o  rumo de Coulete
       destinados  sobretudo  ao  transporte  de   ficaram  senhores  da tranqueira.   que  era o  principal  porto do  reino  de
       mantimentos, já que os navios de remo   Ocupada  esta,  D.  Henrique  de   Calicut,  por  saber  que  nele  se  tinha
       tinham uma autonomia muito reduzida,   Meneses enviou os catures pelo rio acima   acolhido  a  maior parte dos  paraus que
       três galés, cinco galooJ.8s e vinte bergan-  em busca dos paraus. Apesar de estarem   tinham  vindo  de  Cambaia  com  manti-
       tins,  fustas,  paraus e  catures,  além de   a ser constantemente alvejados das mar-  mentos.
       dezanove  paraus  e  catures  do  arei  de   gens por numerosos frecheiros e espin-  À  frente,  em  missão de reconheci-
       Porcá  vassalo do rei  de Cochim.   gardeiros,  conseguiram  aqueles desco-  mento,  enviou  João  de  Melo  da  Silva
          Sabendo  que  em  Panane,  um  dos   brir dezoito paraus que se encontravam   com seis catures portugueses e doze do
       mais  importantes  portos  do  reino  de   em  seco  e  camuflados  com  ramos  de   arei de Porcá. Chegando aquele defron-
       Calicut  se  encontravam  muitos  dos   árvores,  os  quais  queimaram  com  o   te de Coulete pôde verificar que a baía
       paraus que se haviam escapado a Fernão   auxilio  de  panelas  de  pólvora.  Entre-  que  lhe  servia de porto  se  encontrava
       Gomes,  D.  Henrique decidiu  começar  tanto,  as  forças  que  tinham  tomado  a   particulannente bem defendida. No local
       por  aí.  A  25  de  Fevereiro,  fundeou  a   tranqueira dirigiram-se para a cidade que   do desembarcadouro habitual tinham os
       armada  portuguesa  diante  de  Panane,   foi  saqueada  e  queimada.  Além  disso,   malabares  construído  três  fortes  tran-
       podendo D.  Henrique de Meneses cons-  D.  Henrique mandou cortar grande parte   queiras com muita artilharia. Nelas e nas
       tatar  imediatamente  que  a  entrada  do   dos  palmares  que a  rodeavam  que era   imediações haveria para cima de dez mil
       porto se encontrava defendida por uma   aquilo que mais doía aos malabares por   homens de armas. Fundeados em frente
       forte tranqueira, recentemente construí-  serem um dos elementos fundamentais da   das tranqueiras, encostados uns aos ou-
       da,  muito  bem  artilhada  e  guarnecida.   sua  economia.          tros, com regeiras passadas para terra e
       Para avaliar a disposição de espírito dos   Apesar  de  ter  sido  uma  operaçãô  as  proas  voltadas  para  o  mar,  estavam
       malabares,  D.  Henrique mandou  algu-  militar de grande envergadura, levada a   quarenta paraus de guerra.  Varados em
       mas  embarcações  miúdas  fazer  aguada   cabo  em  condições  particularmente   terra, havia mais de sessenta navios entre
       dentro do rio as  quais  foram  recebidas   adversas,  o  desembarque  em  Panane   naus,  paraus de carga e  zambucos.
       com  flechas  e  pelouros.  Ciente de que   custou  aos  portugueses  somente  oito   Logo que a armada de João de Melo
       aqueles  queriam a  guerra,  tralOU  de se   mortos  e  um  número  relativamente   se apresentou  diante da  baía,  saíram  a
       preparar  para  atacar  a  cidade  no  dia   pequeno de feridos.    dar-lhe caça os quarenta paraus d~ guer-
       seguinte.                            De Panane,  D.  Henrique de Mene-  ra.  Tirando  partido  da  maior  ligeireza
          Desejoso de ter a batalha concluída   ses dirigiu-se para Calicut. Mas, ao con-  dos  catures,  João  de  Melo  arastou-se
       antes  das  horas  de calor,  que  tornava   trário de Vasco da Gama,  D.  Henrique   para sul  procurando arrastar atrás de si
       insuportável o  uso  das annaduras, deu   entendia  que  não  valia  a  pena  tentar  a   o  inimigo  na  direcção  donde  vinha  a
       ordem à sua gente para tomar lugar nas   conquista desta cidade.  O seu  plano es-  armada do governador. Porém, mal esta
       embarcações destinadas ao desembarque   tratégico consistia  em  arruinar  Calicut   despontou  no horizonte, os paraus fize-
       ainda antes do romper do dia. Porém, no   através da destruição das suas armadas   ram  meia-volta e  foram  abrigar-se por
       momento em que ele próprio passava da   de paraus e do bloqueio dos seus portos.   baixo das tranqueiras tal como estavam
       galé para um  batel,  deslocou um braço   Por isso, depois de ter queimado dez ou   anteriormente.
       e, por esse facto, a operação acabou por   doze  paraus  que  encontrou  fundeados   Fundeando ao fim da tarde diante de
       ter  de  ser  adiada  para o  dia  seguinte.   diante daquela cidade, limitou-se a rea-  Coulete,  D.  Henrique de Meneses reu-
          A  27  de  Fevereiro,  aos  primeiros   bastecer  a  fortaleza  que  ali  tínhamos,   niu  imediatamente o conselho dos  prin-
       alvores e com a maré ainda próx.ima do   desde o tempo de Afonso de Albuquer-  cipais  fidalgos  da  armada  a  fim  de
       baixa-mar, para que a artilharia inimiga   que, e a combinar com D. João de Lima   decidir sobre a acção a tomar. Como de
       ficasse  mais  alta  e  os  seus  pelouros   que era o seu capitão, uma surtida desti-  costume,  as opiniões dividiram-se.  Um
       passassem por cima dos nossos navios,   nada a queimar uma  parte do arrabalde   grupo de fidalgos era de opinião de que
       dirigiram-se  estes  para  terra  à  voga   de Calicut.             não  se  devia  desembarcar  mas  apenas
       armncada,  levando os mastros abatidos   Na madrugada do dia seguinte, como   atacar os paraus. Outro grupo era de opi-
       e o pessoal deitado no fundo,  de modo   se a armada do governador nada tivesse   nião exactamente oposta.  Argumentan-
       a oferecer o menor alvo possível aos pro-  a  ver  com  isso,  saiu  da  fortaleza  um   do que era uma temeridade arrostar de
       jécteis  inimigos.  A  ideia  de  manobra   numeroso grupo de  fidalgos  e soldados   frente com o fogo conjugado da artilha-
       consistia  em  atacar  a  tranqueira  que  que atacaram  de  surpresa as  tropas  do   ria das tranqueiras e dos paraus, enten-
       defendia  a  entrada  do  porto  com  três   Samorim que ali estavam estacionadas e   dia  que  se  devia  desembarcar  longe
       grupos de assalto.  Enquanto um  desses   puseram fogo  a umas tantas casas.  Po-  daquelas  e,  seguidamente,  ir  atacá-Ias
       grupos desembarcou  mesmo em  frente   rém, no entusiasmo da luta, e contrarian-  pelo flanco ou  pela rectaguarda. Toma-
       dela,  os outros dois desembarcaram de   do as  ordens expressas do governador,   das as lranqueiras, diziam eles, os paraus
       um e de outro lado e atacaram-na pelos   meteram-se aqueles  pela cidade dentro   seriam facilmente capturados.  Um  ter-
       flancos e pela rectaguarda. Na tranquei-  em perseguição do inimigo e acabaram   ceiro grupo era de opinião de que com
       ra e nas suas imediações havia cerca de   por ficar encurralados nas ruas estreitas   as forças de que o governador dispunha

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