Page 178 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS 1.23
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inha vi ndo para ii Ma- que o boné redondo era só
rinha recrutado. Era de o '. usado por subordinados. Boné
Tuma aldeiasita do in- O de pala é que tinha catego-
terior. lá da Beira Alta. Dei- rial .. _
xara namorada na terra. Filha E em casa, à hora da ceia,
de lavradores modestos, de lá vinha ele com a teimosia. A
terras escassas, a não absorver rapariga, muita vez, levanta-
lodos os braços da casa, lá ia va-se da mesa, antes do
dar, de vez em quando. a sua tempo, com lágrimas nos
jorna para fora. Ele, em iguais olhos. E nas cartas que escre-
condições. E. assim. se come- via ao rapaz, lembrava sem-
çaram a encontrar nas mes- pre as ralhações do pai por
mas quintas de proprietários causa do boné.
abastados. O rapaz, que já era mari-
Ao domingo, à hora da nheiro fagueiro, aca bou por
missa, viam-se de longe. Mas tomar uma resolução corajo·
era à tarde, na volta do cami- sa: numas vagas, que se abri·
nho, junto da casa dela, que ram, para criado, concorreu.
se encontravam. Ali se fic3- Dese mbaraçado e esperto,
vam tempo demorado, a con- preparou-se e venceu as pro·
versar, de mãos dadas. E só as vaso E, na licença ma is próxi-
desatavam quando o pisar de ma, apareceu na lerra, de
passos, no caminho empedra- farda nova, exibindo agora o
do, ou o ruído de vozes, famoso boné de pala - pró-
anunciavam a passagem pró- prio da classe da taifa -, tão
xima de alguém. reclamado pelo pai.
A noite principiava a cair. E Tapou-lhe a boca. E, numa
era então que a mãe dela reviravolta repentina, pilSSOU
co meçava a chamá-Ia de ele a ver, com bons olhos,
casa, em voz alia, no justo aquele namoro. O boné de
receio de algum beijo furtivo, pala fizera o milagre.
nas primeiras sombras propí- Na sua opinião, O rapaz era
cias que desciam do céu. Ela alguém. Aos domingos, no
bem sabia o que fizera, quan- adro da igreja , depoi s da
do nova ... missa. entre amigos, discrelea-
Um dia, atingida a idade, va, muita vez, sobre a impor-
ele lá (ora à inspecção militar. tância daquele boné.
E, tempos depois, chamaram- O dia da boda acabou por
no para a Marinha. chegar. A saída da igreja, jun.
A moça emagreceu. Não tou-se povo. Convidados e
sabia ao certo o que era essa curiosos viram saír o par feliz
coisa do mar. Distante, viven- e sorridente. Ele, aprumado
do no interior, nunca O vira. na sua farda impecável. Ela,
Mas seria talvez como um airosa, exibindo, sobre o peito
monstro, que comia gente. erguido, o grosso cordão de
Nas orações da noite, em oiro, património da famflia,
comum, lá em casa, entre em voltas dobradas.
outras coisas, sempre se reza- Um sol glorioso de Agosto,
va pejos que "andam sobre as cafa de um céu sem núvens.
águas do mar· . Era um velho Alguém, ao lado do pai ,
hábito do povo, que vinha de gabou a riqueza do cord30, ii
longe, talvez do tempo aven- despedir reflexos doirados.
turoso das descobertas . melhor. O rapaz era de famí- dado, como era uso naquele Mas, para ele, ainda mais que
Sempre repetira aquilo, dis- lia tão modesta como a sua. A tempo. Queria-se peno dela, o cordão, outra coisa brilha-
traída desde pequena. Mas, rapariga tinha bons ares. que lhe continuava fiel. Mas o va: era a pala luzidia do
agora, que tinha alguém sobre Porque não arranjar noivo em pai, agora, guerreava às claras boné, a que, nessa manhã, o
as ondas traiçoeiras, punha casa farta de lavoura? aqueles amores. E dera-lhe noivo, amorosamente, puxara
todo o fervor naquela prece. Passaram os tempos. O mesmo para implicar com o bem o lustro ... J,
Quem ficara contente foi o rapaz foi singrando na carrei- boné redondo da farda do
pai dela, por o saber longe. ra. Na época das licenças lá rapaz. Não se sabe onde, nem Silva Braga
Queria para a filha um futuro aparecia na terra, sempre far- como, pobre iletrado, soubera VAW
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