Page 8 - Revista da Armada
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PONro AO MEIO-DIA




            o tempo da história









           e quiséssemos  representar grafica-  História.  E, assim,  procuram  "recuperar~   que  ela  evoca  não  será,  certamente,  o
           mente,  numa  régua  do  tempo,  os   as  preocupações  em  relação  ao  país   único responsável  pela  mudança de uma
        S factos  fundamentais da  existência do   nosso vizinho, ou entendem que Portugal   Era.
        nosso Universo, começaríamos talvez por   tem  agora  que  ser  europeu,  quando   Antes  da  nossa  epopei<t  marítima  tive-
        registar a expansão de  uma  bola de fogo,   Portugal,  ao  longo da  sua  História,  fOi   mos importantes ligações à Flandres, hoje
        verdadeiro  caos  onde  apenas  existia   bem  europeu,  por vezes  com  um  peso   é a Bruxelas; negociámos com Génova e
        matéria  desorganizada  e energia,  ocorri-  poUtico que  hoje  dificilmente poderá   Veneza  e muito prejudicámos os  interes-
        da entre 16,6 e 22,6 mil milhões de anos   atingir.                    ses  destas  poderosas  cidades  marítimas
        alrás.                               A História  flui  com uma certa  regulari-  europeias quando  as  nossas  naus  chega-
         Representariamos  a  seguir O início da   dade,  e os  acontecimentos, que  ficam   ram  à fndia.  Firmámos  diversos  acordos
        formação do Sistema  Solar,  há  4,6  mil   registados  nas  cronologias  de uma  forma   com  a  Inglaterra,  durante  a Primeira
        milhões de  anos,  quando o sopro da   precisa  e quase  instantânea,  levam  um   Dinastia.  Estivemos  envolvidos,  entre
        explosão de alguma  supernova  fez  sepa-  certo tempo  a ser absorvidos  pelas socie-  outras,  na  Guerra  da  Sucessão  de
        rar uma  parte  ínfima  de gases  e poeiras   dades,  que depois a  eles  reagem  mais   Espanha  (1369-1381), na  Guerra dos Sete
        cósmicas da Vila  láctea.          lentamente ainda.                   Anos  (1756-1763),  na  Guerra  Peninsular
         Quase  em  sobreposição,  se  usássemos   Quando se  teria  "iniciado"  o  fim  da   (1807-1808),  na  I  e  na  II  Guerras
        sempre a mesma  escala,  poderíamos   História  do  Império?  Nunca  em  25  de   Mundiais.  Na  acção  diplomática  e ape-
        marcar o momento da formação do nosso   Abril de 1974.                 nas  nos  Séculos  XVIII  e  XIX,  poderão
        planeta  há  4,5  mil  milhões  de  anos  e o   Teria  sido  quando  perdemos  a  inde-  referir-se  as  acções  notáveis  de  D,  luis
        aparecimento da vida  há  3,5  mil milhões   pendência em  1580 e as potências nossas   da  Cunha,  do  Marquês  de  Pombal,  do
        de anos. Já  não muito distante,  indicaría-  amigas  e  inimigas  de  Espanha  cairam   Duque  de  Palmeja,  do  Conde  da
        mos  terem  surgido os  primeiros vertebra-  sobre os  nossos  territÓrios  ultramarinos?   Carreira, do Visconde  de  Santarém  e,  já
        dos  há  470  milhões  de  anos  e  a  raça   Ou  quando  o  Brasil  se  tornou  indepen-  no  virar  do  século,  do  Marquês  de
        humana há  2 milhões de anos.      dente, em  7 de  Setembro de  182U Ou   Soveral,  entre  oulros.  Andámos  pelo
         Mas, se  pretendêssemos  registar o  nas-  seria  antes  na  Conferência  de  Berlim, de   Mediterrâneo Oriental  com  forças  navais
        cimento das  civilizações  conhecidas,  as   1884  a  1885, com  a  rejeição  do Mapa   internacionais,  com  o  Conde  de  S.
        marcas  cairiam  umas  sobre  as  outras,   Cor-de-Rosa  e,  posteriormente, com  o   Vicente em  apoio das  forças  do  Papa
        confundindo-se  praticamente  num  só   Ultimato de  18901 Poderia  ter sido quan-  Urbano  XI  (Matapan,  1717) e com  o
        traço representativo dos  últimos cinco ou   do, em  1896,  a Itália  ioi surpreendente-  Marquês de  Niza  em  apoio das  íorças
        seis  milénios.  E a nossa  civilização, essa   mente derrotada  na  Abissínia,  a primeira   britânicas de  Nelson  (1798-1800),  tal
        começou  apenas  durante o  primeiro   derrota  de  uma  potência  europeia  con-  como  hoje os  nossos  navios já  lá  estive-
        milénio da era cristã.             temporânea  em  terras  distantes  do seu   ram ou  estão,  integrados em forças multi-
         A  desproporção  de  valores  é  lal  que,   Império.  Ou  teria  sido  logo  no  fim  da   nacionais,  no  período  da  guerra  Kuwait-
        como  disse  Arnold  Toynbee,  podemos   Segunda  Guerra  Mundial,  quando  as   -Iraque  ou  durante  a  crise  da  ex-
        considerar  que  as  civilizações  conheci-  potências  coloniais enfraquecidas  tive-  -Jugoslávia.
        das  são  todas  contemporâneas.  Todas   ram  que dar  independência  às  socieda-  Sempre  fomos  europeus,  sempre  parti-
        nasceram  "ontem", face  à ideia  do siste-  des  alienadas que as auxiliaram decisiva-  cipámos  na  vida  europeia,  sempre  tive-
        ma estelar.                         mente  no  esforço de guerra  (Líbano  em   mos  uma  fronteira  continental  com  a
         Contudo,  não  nos  podemos  sentir infi-  1943, Síria  e Islândia  em  1944,  Jordânia   Espanha,  de  quem  sempre  nos  quise-
        nitamente pequenos perante esta filosofia   em  1946, Filipinas,  Paquistão e índia  em   mos  diferenciar,  mas  com  quem  não
        da  História,  nem  tampouco  esmagados   1947, etc., etc). E, se estes acontecimen-  tivemos  conflitos  armados  nos  últimos
        peja  perda  de  oportunidades  numa  cada   tos  mais  recentes  não  fossem  suficientes   três séculos.
        vez  mais precipitada sucessão de  aconte-  para  anunciar o fim  da  Era  dos  Impérios,   Estamos  permanentemente a escrever  a
        cimentos históricos,  tal  como nos descre-  de  todos os  Impérios  dos  Séculos  XIX  e   História, sempre  no  presente,  mas  deve-
        veu  Al vin  ToffJer  no seu  ~Choque do   XX,  a Conferência  dos  povos  afro-asiáti-  mos  conhecer os  capítulos  já  escritos
        Futuro".                           cos  de  Bandung,  em  1955,  foi  talvez  o   pelos  nossos  avós;  evitam-se  assim  mui-
         Temos  a consciência  de  que  vivemos   último grito  de  revolta  contra  o  imperia-  tos erros,  surpresas e sustos.
        num  período  de  nOláveis  e  profundas   lismo e o colonialismo.       Não se  constrói  o  futuro.  legamos  às
        mudanças.                            Só  os  Impérios  Soviéticos,  Interior e   gerações  vindouras o  que realizamos
          Há,  por  exemplo,  quem  esteja  em   Exterior, resistiram  até  1990.  E então, de   hoje e  não  o  futuro que  é delas.  Assim,
        pânico porque  terminou  a História  do   repente,  o  Velho  Continente,  com  uma   devemos  ser  merecedores  do  momento
        Império Português  (não  me  refiro  aqui  a   História antiga e,  pensava-se,  estável,  viu   presente, pois este momento será  sempre
        aspectos  de  perdas  pessoais  mais  ou   o  número  de  países  independentes   o alicerce sobre os quais os nossos  filhos,
        menos graves, ou até irreparáveis).   aumentados de  300/0!  A Europa  importou   eles  mesmos  e não  nós, construirão mais
          Para es!i€S, a História do Império termi-  os  problemas  dos  nacionalismos  do   tarde o presente deles.   J,
        nou  em  25  de  Abril  de  1974.  Com  um   Terceiro Mundo!
        certo desespero ou  desnorteamento, sen-  Uma  data  pode  ser  um  importante          A.E.  Ferraz Saccheft;
        tem  que têm  que  íorçar  o  reinício da   marco  histórico,  mas  o  acontecimento                 VALM


       6  JANEIRO 94 •  REVISTA DA ARMADA
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