Page 80 - Revista da Armada
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Valores~ ameaças
e Forças Armadas
esde os tempos primitivos, o sobre a defesa dos territórios cedidos e Conselho de Segurança da ONU onde o
homem sempre se procurou orga- não lhes permitem Forças Armadas pró- assunto foi decidido, etc.
D nizar em sociedades. Sofrendo prias. Mas, em tempo de paz não há inimigo.
reveses, vencendo dificuldades. confron- Os portugueses poderão ter dificu ldades Por outro lado, as ameaças não se progra-
tando-se, as sociedades foram-se afirman- em sentir alguns destes conflitos do mam e o agressor tudo fará para não as
do e aperieiçoando, mas também diferen- mundo de hoje, porque Portugal é o mais denunciar com antecedência. A prolonga-
ciando e reclamando o reconhecimento antigo Estado-Nação da Europa, talvez do da situação de ameaça definida como ter-
externo da identidade adquirida. Mundo. Todos têm O direito de amar a ror nuclear ê que foi a excepção. E ê
Sedimentadas as razões e os princípios sua nacionalidade e de se sacrificar por bom recordar o que então se afirmava e
que levaram cada grupo a unir-se e a ela. E sabemos, pelo que observamos e ninguém parecia querer aceitar. A amea·
impor-se de forma diferente, essas razões também por experiência própria, que o ça era polftica e não era imposta pelos
e princípios foram alcançando o estatuto indivíduo livre se sacrifica pela sua liber- militares. Os militares continuam lá, as
de valores. Os valores consolidaram-se de dade, como valor primeiro. como condi- armas estão lá, mas os polfticos é que
tal maneira, que a comunidade os adop- ção fundamental do bem·estar e do estão agora a adquirir o bom senso de
10U como património comum herdado, e desenvolvimento. procurar não as usar.
As Forças Armadas emanam da socieda- A manifestação da ameaça influencia a
admite lutar em sua defesa, sempre que
forem ofendidos. Cria-se assim uma indi- de, são um dos pilares dos valores que a dimensão, a prontidão e o treino das
vidualidade própria, fortalecida por uma identificam e a sua existência é indepen- Forças Armadas. mas nunca constitui a
vontade nacional. E depois nasce a dente da manifestação de uma ameaça. sua razão de ser. Se um país não tivesse
História, como consciência do existir Os que ponderam a existência das Forças Forças Armadas, mostraria absoluto desin·
colectivo do povo. Armadas, e intencionalmente a relacio· teresse pela sua sobrevivência, pelo seu
O conjunto desses valores estão incluidos nam directamente com a definição da futuro. Seria desprezado pela comunida-
no conceito de Pátria. E, tal como a ameaça, evocam a situação única que se de internacional e perderia toda a capaci-
Família se acolhe ao lar, a Nação acolhe- viveu durante as últimas gerações, a partir dade de intervenção política, se não per-
-se à Pátria. A Pátria apoia-se em pilares de 1945. desse mesmo a sua independência.
edificados pela Nação: os Órgãos de Então, a ameaça, baseada numa arma de Todos os países se preocupam com a sua
Soberania para a representar e governar, poder ffsico e psicológico nunca antes defesa e todos dispõem de Forças
as Forças Armadas para a deíender. A concebido, de carácter exclusivamente Armadas. mesmo os que momentanea·
Pátria nos congrega, nos protege. mas nos ofensivo e sem defesa inventada, eslava mente não sentem qualquer ameaça
exige, a todos sem excepção. o dever de a perfeitamente definida. Estava caracteri- directa sobre o seu território. Como
dignificar e defender. A Marinha tem zada, como terror nuclear, estava identifi- excepção, ê costume apresentar o exem-
disso consciência. tanto que adoptou cado o potencial agressor, que para nós plo de dois países que não têm Forças
como divisa: A Pátria Honrai que a Pátria era a URSS e o Pacto de Varsóvia; estava Armadas: A Islândia e a Costa Rica. E
Vos Contempla. bem localizada geograficamente, para lá acrescenta-se que esses países, nomeada-
Nos longos períodos de paz, quando a da cortina de ferro; estava bem quantifi. mente a Islândia, entregaram a sua defesa
defesa é efectiva, quando as forças exter- cada, por contagens anuais de tanques e aos Estados Unidos da América. Porém,
nas não ofendem os valores ou ainda mísseis, sempre à procura de novos equi- mesmo nestas condições, o exemplo ê
quando internamente eles não são ques- líbrios dissuasores. irrelevante. A Islândia, que há meio sécu-
tionados, há tendência para os esquecer. Contudo, nesta área onde a ameaça esta- lo era território dinamarquês, ê maior do
Como dizia alguém, a Pátria ê o baú va tão bem identificada, ela não se con- que Portugal (102.850 km2) e tem a
onde guardamos os valores e que só cretizou. Em contrapartida, íora da área população de uma cidade média de
abrimos nos períodos de crise. 05 funda- da NATO, os conflitos não anunciados Portugal 1245.000 hab.). Pediu o auxflio
mentalistas islâmicos fo ram agora ao vêm sendo constantes, só se tendo regista· americano e sujeitou-se a tão grande
sótão abrir o seu baú, e o mesmo aconte- do cinco dias de paz desde o fim da dependência externa, porque não tinha
ce com muitos povos, nações ou socie- Segunda Guerra Mundial. A invasão do mulheres e homens suficientes para orga-
dades da ex-U RSS e da ex-Jugoslávia. Irão pelo Iraque su rpreendeu todo o nizar qualquer tipo de defesa. Não se
Ou Iras, como os povos de Angola, mundo, a ameaça sobre as Falkland só foi podia afirmar como Nação independente,
Moçambique e Bósnia, nem sequer che- prevista com uns dez dias de antecedên· só porque não podia ter Forças Armadas.
garam ainda a acordo sobre os valores cia, a invasão do Kuwait com uma sema- Sem Forças Armadas não há defesa, sem
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pelos quais lutam e morrem, só sabendo na, a guerra do Von Kippur surpreendeu defesa não há sobrevivência.
que recusam os que até hoje os uniam. os israelitas, a reacção à guerra da Coreia
Oulros ainda. como Israel, trocam terri- surpreendeu os soviéticos, que, por birra A. E. Ferraz Sacchetti
tório por paz, mas retêm a competência politica, nem assistiram â reunião do VMM
6 MARÇO 94 • UVISTA OA ARMAOA