Page 79 - Revista da Armada
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NOfA DE ASE.fURA
Navegações de Inverno
No mar, tanta tonnmta t tanto dano,
Tantas vt""-l'S a morte aptrcebida;
~Os l.usiadllS., úmlo t, Est. J06
rOxima-se o Equinócio da As navegaçõts de Inverno estão no
Primavera e, com ele, o fim imaginârio de todos os homens do
A!o Inverno. Depois de mar, daqueles homens que a
memória popular consagrou como
alguns meses de navegações des-
"homens de barba rija". Porém,
confortantes e não isentas de ris-
cos, vão suceder-se os tempos de sob a preponderância das teleco-
maior sossego meteorológico, em municações, da electrónica ou da
que cada navegante pode escutar o informática, elas tendem a ser
marulho suave da deslocação do esquecidas no conforto dos gabine-
navio, usufruir da frescura da brisa tes ou desvalorizadas na frieza das
marítima, desfrutar das repousan- análises, como se fossem meras
tes noites de luar ou apreciar a serenidade navegação, sobretudo quando tem a casualidades ou saborosas epopei-
de um calmo funcleadouro. necessária aptidão e qualificação profissio- as de outros tempos, de que a literatura e
É um ddo que, infalivelmente, se repete nal. o cinema deixaram o devido registo.
e que caracteriza duas formas igualmente
emocionantes de estar no mar, tal como as Mas esta evolução que o progresso con-
duas diferentes faces de uma mesma tinuamente proporciona, não altera as
moeda. condições de imprevisibilidade e cruelda-
de do mar, nem diminui a absoluta neces-
Uma representa a evasão, a descontrac- sidade de se ser bom marinheiro nos
ção, a fruição do mar, quase o lazer. mares invemosos de agora, tal como sabe-
A outra representa o sacrificia. o risco, o mos ter sido nos de antanho.
desafio, o desconforto e até o perigo.
As IUJvcgaçõts de Invenlo são, por isso e
É desta que desejamos falar. como sempre, extraordinariamente exi-
Na realidade, ao longo da costa ociden- gentes para os navios e para os homens,
tal portuguesa e nas águas do arquipélago levando-os, tantas vezes, ao limite das
dos Açores, os Invernos são geralmente suas capacidades para vencer a fúria do
muito rigorosos e, no mar, os temporais mar poderoso e revolto, que os ameaça,
não são raros ou são mesmo frequentes. enxovalha e castiga.
As barras fecham, tomando os portos
impraticáveis. Quem não recorda os temíveis balanços
A orla costeira é molestada, sucedendo- em parafuso, em que a sensação de queda
se destruições. até às profundezas da Terra perdura para
Os naufrágios acontecem e perdem-se aJém do tempo, como se fôra um pesadelo Mas as navegações de Inverno, aquelas
vidas e bens. constante? que tantas "czes apelam ás últimas reser-
Ou as enormes vagas \·as da resistencia física e quase levam ao
que, quais montanhas em limite da capacidade de sacrifício psicológi-
movimento, lançam a sua co dos homens, não são apenas memórias.
brutal energia contra a proa
São de todos os tempos.
.... ~~~:;,~::;::;~ê~ do navio, devastam o con- as suas missões de vigilância, de
~- vés e sufocam a respira- busca e de salvamento, de fonna contínua
ção? e com elevado sentido humanitário, com
Ou aqueles interminá\·eis devoção, coragem e determinação, nos
e prolongados balanços,
navios de guerra ou nos salva-vidas, os
'""""" que atiram os homens dos homens continuam a desafiar a to"nenta
beliches e lhes massacram o das costas portuguesas para que outros
corpo durante interminá- homens nele não tenham dano, fazendo
veis horas? jus a que alguém os tivesse classificado
Ou a surriada e a chuva
Com navios mais robustos, com sinali- que os fustiga constantemente, que em 3 tipos: os vivos, os mortos e os que
zação marítima e portos mais modernos, entram por portas e escotilhas, e lhes enre- andam no mar.
com comunicações e ajudas electrónicas gelam os ossos? Aproxima-se o Equinócio da Prima\·era
mais eficientes e com previsões meteoro- Ou o desconforto de ver tudo a cair e a e, com ele, o fim do Inverno. J.,
lógicas mais rigorosas, O marinheiro tem rolar descontroladamente à sua volta. R. Costa
hoje melhores condições de segurança na como se de um violento sismo se tratasse? CTEN
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