Page 88 - Revista da Armada
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época, com 100 camas, médicos residentes, visitas dinicas e l'annáda em 1797 e que começou a funcionarem 1806. Na sua concepção foi
própria. Na cidade de Lisboa, IiImbém o rei D. João II, seguindo o decisiva a orientação esclarecida de Bernardino António Gomes, cujo
exemplo da Rainha, aiou o Hospital de TocJos..os..Santos, situado no nome permanece ligado ao decano dos Hospitais Militares
Rossio e iunto da Igreja de S. Domingos, ele próprio resultante e Portugueses. Depois, com O advento da era pasteuriana, das técnicas
herdeiro da fusão de 43 hospitais menores, dispersos pela ddade, de de lister, da assépsia e da anestesia, o Hospital transforma-se de
entre os quais alguns localizados junto à cerca de Alfama e que eram depósito de doentes desvalidos em local especializado, onde a mo-
de confrarias de mareantes e pescadores. derna Ciência começava a reunir as condições indispensáveis para o
O seu regulamento seguiu o dos mais modernos hospitais do seu êxito de certas técnicas visando a cura dos doentes.
tempo, nomeadamente os de Florença e de Siena. Nesse sentido, D.
,Ioão I[ deixou instituído em testamento a obrigatoriedade da periódi- o HOWAL MODERNO
ca deslocação de médicos e administradores a estes grandes centros
para actualização. O Hospital de Todos-os-Santos tinha igualmente PcdenlOS apontar o ano de 1867 como a data de início do Hospital
um corpo clínico permanente, médicos residentes, selViço perma- moderno, no conceito que hoje temos dele, coincidindo com a aia-
nente, farmáda própria e serviços orientados por patologias. ção da Associação Americana de Hospitais. Começa então a diferen-
Na porta prindpal,queESavasempreaberta,existia um banoocorrido, ciação técnica dos médicos, aparece o fundamental papel de
onde os doentes aguardavam sentados a sua vez de atendimento. O Enfermagem em moldes cientificas e as primeiras Especialidades
nome perdurou até aos nossos dias e é essa a razão pela qual o Serviço médicas autonomizam-se de troncos comuns.
de Urgência ainda hoje é ronheddo ~ Banco. Já não é possível tratar certas doenças ou resolver determinadas
A administração hospitalar foi geralmente confiada a um grupo de situações na casa dos possidentes. A complexidade da tecnologia
gestores, eleitos pelas confrarias das r-------------,----, médica deixava de caber na mala e de ser
Misericórdias que buscavam inspiração na servida ao domicmo!
Santa Casa da Misericórdia de LisOOa, lendo Um novo salto no sentido de racionaliza-
sido es5e o mc:xIeIo que se espalhou pelo país ção de reculSO!> resultou da experiência da
~ que ~iu oom 05 ~ para o Brasil, l i Grande Guerra, pois foi durante ela que
Africa, India, Macau, Ceilão e outros tenit6rios. se iniciou aquilo a que p:xIemos chamar a
t oportuno realçar, sobretudo porque se dignificação do Hospital: os feridos e as
comemoraram recentemente 450 anos doentes eram tratados e recuperados con-
sobre a chegada dos Portugueses a forme as suas patologias, nada tendo a ver
T anegashima, que não levámos apenas o com os recursos económicos de cada um.
arcabuz para o Japão. Na realidade, levámos A partir de então, nunca mais o Hospital
também a medicina ocidental e Luís de retomou o seu oonceito assistencial caritativo
Almeida, "licenciado para exercer a mediei- que se destinava às populações carentes,
na·, que em 1557 criou o primeiro hospital embora a carga social do nome fosse táo
das ilhas nipónicas, onde "medicava com poderosa que, até à década de 50, se usou o
drogas e ervas~, dava lições a assistentes eufemismo de Casa de Saúde para distinguir
japoneses e onde realizou as primeiras ope- as coisas em Portugal. Na realidade, qual-
rações cirúrgicas realizadas no Japão. quer pessoa com algum poder económico
Paralelamente aos avanços da ciência ou simples presunção social, não ia para o
médica verificados nos séculos XVI, XVII e Hospital, que se destinava aos indigentes ...
tc.nõ From.ilria 00 HOlpi!al da Marinha. o primeiro ho5pi!al d d nd
XVIII, d e que pod emos ,,-~timamente reivin- imaginado de raiz em Portugal la para a #Casa e Saú eM, o e era ope-
dicar o nosso contributo, sobretudo no rado ou tratado exactamente pelos mesmos
campo da fannacologia e nas artes de curas exóticas, o Hospital ia-se médicos e segundo as mesmas técnicas. Só depois e desde há bem
modernizando no seu funcionamento, embora rontinuasse a servir ape- pouros anos, devido à generalização dos sistemas de Segurança Social,
nas os pobres, pois que os possidentes eram tratados em suas casas, à crescente complexidade das tecnologias aplicáveis, aos elevados
pagando directamente ao médico 05 seus serviços. f\s técnicas médicas montantes exigidos pelos investimentos necessários e aos avultados
00 drúrgicas eram ainda rudimentares e perfeitamente exequÍYeÍs no recursos requeridos em consumos hospitalares, é que o Hospital se
quarto 00 na sala do paciente ele posses. transformou naquilo que é na actualidade. Num mesmo tipo de publi-
Nem o "Doente Imaginário· de MoJiére, nem a MFarsa dos Físicos· cação de língua portuguesa, mas cuja edição é de 1986 já se pode ler:
de Gil Vicente, incluem qualquer referência ao Hospital. ..
Hospital ~ substantivo masculino: conjunto de insta·
AS CONSEQUÊNCIAS DA REVOLUÇÃO FRANCESA lações utilizadas para O tratamento de indivíduos
doentes, apetrechado com O material julgado necessá·
O século XVIII é o século da viragem. A Revolução Francesa acaba rio para cuidar dos enfermos. Está dividido em departa·
com várias estruturas sociais arcaicas, no meio duma turbulência que mentos especializados, onde trabalham médicos espe-
através de guerras e revoluções se estende pelo século seguinte. A par
da derrocada de velhos sistemas e ideias, outros vigorosamente apare- aalistas e outros técnicos diferenaados de saúde.
cem, embora muitas vezes titubeantes na sua expressão. E é nesta multidisciplinaridade, neste trabalho conjunto de técnicos
A Caridade, enquanto virtude individual, pretencle-se ~bstilu;da diferenciados que utilizam tecnologias igualmente especializadas, que
pela Fraternidade, Igualdade e Liberdade, assumidas como as novas está o cerne do Hospital da actualidade. Desacautelar a evolução
virtudes do Estado ... A ascensão da burguesia e da sua ideologia leva técnica ou desguarnecer a sua vertente humana, comprometererá
a que o pobre passe de conceito de irmão em Cristo, como era o seu sempre o seu desempenho.
retrato medieval, para um ser socialmente diminuido e marginalizado. E a Caridade?
O terramoto de 1755 destru[u o Hospital de Todos-os-Santos que A Caridade continua a ser um valor positivo indispensável na pastu-
fOi substituldo nas suas funções pela adaptação de alguns conventos ra do médico e na sua relação com o doente. Mas como Virtude que
lisboetas a Hospitais. No seus aspectos essenciais, a Reforma é, cai naturalmente no foro pessoal e [ntimo de cada profissional de
Pombalina só trocou os edifícios, mantendo o cerne do conceito hos- saúde. Será sempre o exerádo do Homem. Nunca o poderá ser do
pitalar em uso. Só no século XIX apareceu o primeiro Hospital, imagi- Funcionário. II
nado de raíz, destinado a servir uma corporação e não para tratamen- Rui de Abreu
to dos pobres. Era o Hospital da Marinha, cuja construção foi iniciada CFRMN
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