Page 115 - Revista da Armada
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mandou  castrar,  coisa comum na  altura, e que o  valorizava
         como objecto  de venda,  pelos  muito  menores  riscos  para
         quem  o  (Iuisesse  empregar,  e  para  os  melhores  empregos,
         .lté, que pudesse  vir a  ler.  De  tal  modo,  que o  rico  comer·
         ei.lnte o  achou  digno  de  fazer seguir  para  a Casa  Imperial,
         onde reinava Ming,  terceiro  imperador desta dinastia.
           Aqui,  os  sonhos  de  rCheng-Hó  com  o  mar,  vindos  da
          infância,  puderam  ganhar  nova  dimensão, e  como,  ã  fa lta
         de outras coisas,  tinha  lucidez, sagacidade e capacidade de
          decisão,  dedicou·se  es pecia lmente  aos  estudos  sobre
          Hi stória,  Política,  Astronomia  e  Geografia,  com  grande
          proveito  nos  cargos  que  veio  a  desempenhar  junto do
          Imperador.

           Sabedor,  astuto  e  habil idoso,  tornou-se  em  pouco
          tempo  favori to  de  outro  navegador  e  guerreiro,  Chu-Tai,
          ou  Tzu-Dai,  a  quem  acompanhou  em  inúmeras  missões
          mifitares,  tanto  em  terra  como  no  mar. O  seu  comporta-
          mento  e  sabedoria  fizeram-no  ascender  a  chefe  dos
          eunucos.  Foi  Chu-Tai  quem  mandou  dar-lhe  o  nome  de
          T'Cheng-Hó,  no  ano de  1404.
           Durante  uns  25  anos,  T'Cheng  cruzou  várias  vezes  os
          mares. Mas foram  sobretudo as  viagens para o Ocidente. que
          lhe  marcaram  lugar  na  História. Os  Árabes  já  iam  com os
          seus  Dhous  e  Sambucos,  lembrando  as nossas  caravelas  de
          dois ou três  mastros, até à China, e faziam  bom negóeio com
          os  povos  por onde  passavam,  lev.lndo obviamente a amostra
          iniludível  do  que valia  a  sua  actividade,  Nada  disto  passou
          despercebido  a  T'Cheng-Hó,  que  previa  bem  quanto  não
          poderia  valer  uma  viagem  em  sentido  contrário.  E sabendo
          servir-se da sua  influência  na  cabeça do  Império,  não  lhe foi
          diffcil  começar  a  organizar armadas de  navios em  que o
          aspecto  influenciasse  tanto  quanto  o  espaço  disponível  para
          carga.  Navios  que  pudessem  fazer  comércio  e  fossem  ao
          mesmo  tempo  representantes dignos  do  seu  Imperador,  da
          sua força e do seu  poder.
            Nas  primeiras três viagens. T'Cheng-Hó foi  apenas  com os
          seus enormes juncos até à costa Ocidental da índia, visitando   rCheng.Hó, o Almiran/('dos NJVios do T~ro
          reinos  com  quem  se  haviam  estabelecido  já  distantes
          relações diplomáticas do seu  Imperador,  mas  agora,  ao vivo,  enormes  e  autênticos  tesouros  que  transportavam.  Quer
          com  exibição  de  uma  força  armada  intencionalmente  tesouros  do  próprio  artesanato  China,  porcelanas,  sedas,  e
          poderosa,  para  mostrar a  que nível  se  situava  a sua  posição.  outros  para  venda  ,como também  preciosidades  para ofertas
          A China  queria  negociar,  mas  não  deixava  de  mostrar  de  de  representação.
          quanto  era  capaz.  E houve,  parece,  incidentes  que  se  des-  Nunca  no  mundo  se  tinham  visto  construções  tão
          viaram  da  simples  visi ta  de  cortesia  nas  passagens  por  grandiosas  na  superfície das aguas,  navios com  mais de  cem
          Palembang,  na  Indonésia,  por  Malaca  e  por Ceilão.  Estas  melros  de  comprimento,  (alguns,  de  acordo  com  certas
          primeiras viagens não passaram, aliás,  além de Calecute.   fonles,  teriam  130 a  140  metros)  e  50  a  55  metros  de  boca.
           Os  navios  eram  Ião grandes,  que,  só  por si,  impressio-  (Relação comprimento boca bem  pequena,  por sinal). Alguns
          navam  quem  os  via.  Muitos  mastros,  muitas  velas,  proas  e  deles  podiam  envergar  até  nove  mastros,  e  os  nomes,  para
          popas  acasteladas  de  vários  pisos,  bandeiras  de  cores  garri-  sublinhar a  delicadeza oriental,  eram  do  género "Harmonia
          das,  no  topo dum  mastro o pendão com o símbolo chinês de  Pura", "Repouso Benvindo".
          T'Cheng.                                              De  tamanho  logo  abaixo,  vinham  os  navios  de  cavalos,
           O pessoal embarcado na  primeira expedição roi  de 27,800  com  os  seus  110  melros,  oito  mastros,  e  em  seguida,  os
          homens.  Havia,  para  além  dos  marinheiros,  militares  para  navios de transporte de  tropas, e diversos navios de combate,
          combate,  e  numerosos  civis  de  todos  os  ramos  de  activi-  com  sete,  seis  ou  cinco mastros.  Ocorria  isto  na  altura  em
          dades:  embaixadores,  intérpretes,  geógrafos,  cartógraíos,  que  nós,  da  ocidental  praia  Lusitana, tentávamos  passar o
          historiadores,  botânicos,  monges budistas e taoistas,  especia-  Bojador  com  uma  Barca  de  trinta  metros  e  vela  única  de
          listas em  pesos e medidas, contabilistas, cronistas. especialis-  pendão.
          tas das artes divinatórias, e artesãos da  mais alta qualiiicação.   Das  suas  viagens,  os  Chineses  transportavam  para  o  país
          Do mar, iam mecânicos para os aparelhos de manobra, ânco--  natal  marfim,  chiíres de rinoceronte, carapaças de  tartaruga,
          ras,  guinchos,  lemes.  calafates, carpinteiros  para  os  mastros,   madeiras  raras, plantas e artigos medicinais. pérolas e pedras
          cascos,  embarcações,  especialistas de cabos e  velas,  enfim,  preciosas,  incenso,  teeidos  íinos  e  corantes.  Em  1415  deu
          era  como  se  tivessem  embarcado  os  melhores  artífices  e  entrada  na  corte,  em  Pequim,  com  grande  pompa  e  curiosi-
          mestres  dos  seus  também  extraordinários  estaleiros  das  mar-  dade,  uma  girafa  trazida  de Melinde,  a  terra  onde o  Gama
          gens do  Yangtsé, ou do  rio do Dragão.             seria  muito  bem  recebido  64  anos depois,  e  donde  havia  de
            Navios de vários tipos eram  317, dos quais 62  com a desi-  partir, com um  piloto que o rei  aíricano lhe daria,  para a últi.
          gnação de "Navios do Tesouro",  ou  Bao Chuan, de que fala-  ma etapa que o levaria à índia, (já  um  pouco fora da monçao,
          ram  com  tanta  admiração  Marco  Palo  e  lbn  Batuta.  Estes  parece, mas chegou).
          eram  os  mais  espectaculares,  e  o  nome  resultava  dos   A História  Chinesa  regista  que  se deve  a  T'Cheng-Hó  a \
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