Page 45 - Revista da Armada
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mas  p.1.ra  um  mês ou  mesmo um ano, de sorte que ali, acodem  chitara  gateada, o bau de pregaria, a cadeira  trémula, o espa-
         não só muito os plebeus e os nobres, mas também as donas ilus-  dalhão enferru~1do, coisas inclassificávcis.
         tres sem aparato de criados, dizendo-se até que a própria Rainha   A velha "Feira Alfacinha" era um repositório de velharias e de
         algumas vezes  fazia  o mesmo, por curiosidade de ver a feira"   utilidades, do que não presta e pode vir a prestar WIl dia.
         (1584).                                               No exame da  exposição gastam-se bem  três a quatro horas,
           Mais adiante, .10  fa lar na  arcada do Hospital de Todos os   podendo detectar-se a par do vestido de seda, o par de botas de
         5.1ntos escreve:                                     montar, o copo de oista1 dourado, o livro de missa, o crucifixo, ao
           "Juntamente se vendem aqui, às  terças-feiras, 100.1  a sorte de  lado da  estamp.'  pornográfica, ladeados pela  navalha de ponta e
         p.1nno de linho, canequim, cassa e hol.1nda, outro pannos, linhas,  mola, etc .... tudo numa mistura infemaI.
         rendas, tranças,  franjas  e outras coisas semelhantes, além  de   Tudo para ali "escorria" aguardando o momento em que, de
         muita coisa de calçado, linho eestopa por fiar",     novo, se animasse, fosse util, tivesse acçiio, movimento, vida.
           A "Postura Municipal de 1610" é o primeiro documento oficial   Ao longo do seu funcionamento, a Feiro tem pennitido valoriza-
         em que apareceu textualmente a denominação de Feira da Ladra.   ções de muitos interiores de "boas Ci\St"\S", de apreciadores do bom
           Desde 1823 (edital),  foi  transferido para o Campo de San!' An.1   gasto e tradição.
         a Feira de objectos de uso - fato e trapos, e p.1ra o Campo Peque-  A Feira de Santa Clara pôde, em tempos passados, ter sido c0n-
         no a de cavalgaduras, ~i que existiam conjuntamente até essa  siderada como uma representação do "Mercado dos primórdios da
         data.                                                n.1CÍOll<1lidade", inlegrando-se no pitoresco da ddade.
           Segundo Norberto Araújo, em  "Peregrinações em  Lisboa", °   Podemos concluir com Matos Sequeira e Pastor de Macedo, que
         mercado do Campo de S.mta Clara que se vê no centro da praça -  "nada se perde. e coisa alguma é inutil".
         a parte Sul do Campo de Santa Clara, data de 1877 e foi construí-  Na actualidade, um comércio crescente dentro da Feira da L.1dra
         do por uma Companhia de mercados e de edificações um1nas.  é a venda de roupa e objectos que pertenci.1.ITI às Forças Armadas.
         queo explorou até 1927, ano em que, após o meio século de con-  Não resta duvida que o recente aumento de venda destas roupas
         trato com a Câmara, e segundo cláusula fundamental foi munid-  militares reflecte um momento histórico, bem especial, porque passa
         paliz.1do" .                                         a sociedade portuguesa dos nossos diils, dq mesmo modo como a
           O edifído inaugurado em 1877 passou em 1927 para a posse da  presença das negros adclas e dos panos da lndia eram mostras evi-
         Câmara.                                              dentes da pass.1gcm p.1ra um novo tipo de relação internadonal, de
           Outrora, também se negoci.1Va na  Feira da  Ladra gado cavalar  Portugal com o Ultramar.
         e asinino - cavalgaduras ou bestas (expressões sem significado   Hoje, também se encontram mercadorias de fora: aparelhos eléc-
         depreciativo), nos séculos XVI e XVLI.               tricos, (rádios, gravadores, gira-discos) de fabrico norte-americano,
                                                              japonês, francês OU alemão, relógios de fabrico estrangeiro.
         OBJECTO                                               Entre os objectos de quinquilharias encontramos perfumes,
                                                              creme de b.1rbear, outros CC6méticos, sobretudo franceses.
         No "Mercado  Franco de Lisboa"  junto da  Alcáçova,  no Castelo   Nos antiquários encontraremos inúmeros ob;ectos, como porce-
         de S.jorge, tudo o que constituia objecto de uso doméstico serviu   1.10.15 da China, França, Inglaterra, peças de Marfim ou esculturas
         ao negócio: "Vestuário, calçado, legumes, frutas secas, não faltan-  de madeira. de procedência  africana. etc ..  Tais mercadorias
         do os objectos usados de que cada um queria desfazer-se".   representam um "stock" secundário, incluído mais na categoria de
           "A  Feira", o antigo "Mercado Franco de Usboa", apresentava   bens de luxo, dentro da globalidade profusa e abundante de pro-
         as coisas  mais extravagantes, objectos ou  móveis com  longa  dutos.
         história e das mais variadas proveniências, a par de  raridades   Para tenninar, poder-se-á dizer que a Feira da ladra de que há
         bibliográficas, quadros, gravuras, peças de arte, etc.   notícia  hã  mais de setecentos anos, dt'Scle 1185, constitui sempre
           Quando ainda funcionava no Campo de 5.,nt' Ana, nos meados  um teM1 alidante que ap.1ixonou muitos autores que dedicaram o
         do século XIX, ap.1reciam na feira  boas peças de mobiliário anti-  seu estudo a Usboa.
         gas, madças e entalhadas, manuscritos preciosos, edições raras   Assim é muito vasta a bibliografia que a descreve,  mais ou
         ou unicas, pergaminhos valiosos, gravuras rarissimas, etc.   menos pormenorizadamente.
           Nos  bons tempos, de tudo se encontrava  na  Feira da  Ladra:   Alguns autores conceberam verdadeiras peças lilerárias, em
         objectos novos,  ouro de  lei, artigos  velhos, alguns a fingir de   prosa ou em  verso, como estas admiráveis quintilhas de certo
         novos, e outros antigos de problemática utilização. Nào faltavam   poeta, desconhecido, conforme recolha deJulio Castilho:
         a b.1da de arame para o clássico "escalda pés" dos nossos avós, a
                                                               Eu sei qucexiste UI/UI frira   Omleas gmtes a/arcadas
                                                               DI/de de lllUl'mo sealolnm   (Nrioé JXtIIII!1/0 odefrito)
                                                               Várias be;trrs 1111 rorreim,   São tal/ta lltZ engtl/ladns
                                                               E lIidlUdos r:tJSquill/05 rolam   Com relógios, que telll feito
                                                               Nodin de terça-frim        Mnis de tre::elllas 1»mdns.

                                                               DI/de se vê dgammdo,       DI/de el/tre p/ams, espel/ws.
                                                               O l/I11n/jo JX1rtiflário,   O jtf JX;'SlIdo alleião,
                                                               AOlldede q/lIIl/do em quando,   Capaz de da r mil amsellws,
                                                               Vai o ali/sado herwluírio   Vai esle"dmdo JlOclJiio,
                                                               Bml/das IIC1WS sqnmlltlo.   UlIIlIIl1/1lede fmns 001/05,
                                                               Ollde /!I/tre sedas e lxIrdados,   DI/de JlOdia illteiro,
                                                               Que a suja adel/a r(moo,   Mais se acresceuta o 1II0tim,
                                                               E tem ali /X!lIdumdos,     Assim q/le o dextro brcjl.'iro,
                                                               AJX1rece o a/gilJi.:be,    No SOl/oro balldolim,
                                                               Co'as wstes U/llllrujadas.   Mal/eia os dedos ligeiro


                                                                                                    Marques Robalo
                                                                                                         CTENMN
                                                                                       REVISTA DA ARMAOA  •  fEVEREIRO'17  7
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