Page 83 - Revista da Armada
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a  bordo  da  "SAG RES"  na
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                                                                                         cadetes de marinha (em que,
                                                                                         por subtilíssimo arranjo da
                                                                                         hierarquia naval de então, o
                                                                                         "charanga"  era  simultanea-
                                                                                         mente o  n~l, logo o chefe do
                                                                                         curso .   .  de  Aviação
                                                                                         Naval!), 7 de máquinas e 3
                                                                                         de  administ ração.  Três
                                                                                         dezenas exactas de incipi-
                                                                                         entes  marinheiros. com os
                                                                                         "olhos  rasos de ânsia"  pelo
                                                                                         mar alto.  Mas  a enquadrá-
                                                                                         los, como e ra  norma  sábia
                                                                                         desde há muito estabelecida,
                                                                                         embarcava  um oficial instru-
                                                                                         tor  da  Escola  Naval,  no
                                                                                         nosso caso  precisamente  o
                                                                                         Ajudante,  Ca pitão-tenente
                                                              Pinto da  Cruz. Já  o conheciamos bem, da  experiência de
                                                              nove  meses em regime de internato e também das aulas de
                                                              Marinharia, em que, para os  trabalhos prá ticos,  tinha como
                                                              assistente o simpático e veterano Cabo M "Filaças".
                                                                O Comandante Pinto da Cruz foi para nós compreensivo e
                                                              amigo na  vida a bordo, exercendo discretamente uma acção
                                                              moderadora  sobre os  ímpetos  disciplinares  mais  draconi-
                                                              anos do  Imed iato, o  recém-promovido Capitão-tenente
                                                              Ferreira  Monteiro, que por certo entendia a  presença dos
                                                              cadetes como um faclor de perturbação para a rotina diária
                                                              d. "SAGRES".
          1. o PRINcíPIO, OU ONDE O MAR COMEÇOU                 Distribuídos os  cadetes  pelos  alojamentos  de  B8  e  EB
                                                              junto à praça de armas e arrumadas as malas, sacos e macas
          Nasceu soalheira a manhã de l IJUN56. Em  maior ou menor  na  arrecadaçâo mesmo à pôpa, com os estômagos semHran-
         grau, cada um de nós sentia crescer dentro de si a excitação  quilizados com  um ~Imoço sobre o leve,  seguiu-se o fardar
         e o entusiasmo por estar prestes a ter início a nossa primeira   de dolman  branco.  As  1545 tocou à  faina  e,  impecáveis de
         viagem  de  mar como cadetes da  Armada  a bordo da  barca   prontidão e aprumo, lá fomos ocupar os postos respectivos.
          "SAGRES" que, desde há várias décadas, acolhia sucessivos  O  Diário Náutico  assim  regista,  pelo  punho do  1 ~ tenente
         cursos de jovens alunos da Escola  Naval, na sua esmagadora   Victor  Viclorino:  " . .. A gente subiu, largpu  e desceu. Às
          maioria  sem qualquer experiência  prévia  nas lides da vela e   1600 começou-se a caçar pano,  sob espias.  As 1645 largou  e
         da marinharia.                                       meteu  dentro a  última  espia de terra,  descendo o  rio com
           Embora estivéssemos a  frequentar já  o 2 ano escolar, esta   vento  E fraco,  a T.P. - mezena  e gavetopes.  Às  1700 deu
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         era  de facto a  nossa  primeira  viagem  e que, devido ao  volta à fa ina".
         desenho dos cursos intensivos, só poderia efectuar-se após a   Para  ré ia-se perdendo de vista a Doca da Marinha, onde
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         passagem do 1 para  o  2 anos.  Tínhamos suportado com  se tinham apinhado antes tantos dos nossos familiares e dos
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         galhardia  as  procelas que contra  nós,  míseros seres raste-  elementos da guarnição para as despedidas, o Cristo Rei, o
         jantes da  "mancébia", os  Adarnaslores da  praxe desen-  Padrão dos  Descobrimentos, a  Torre de  Belém;  por fim
         cadearam sem descanso desde Outubro de 1955; mas a  par-  cruzámos o alinhamento de Entre--Torres e  passámos a sul·
         tir de 28  de Fevereiro do  ano seguinte,  por via da ansiada   ca r  O grande Mar Oceano, e m que  tanto do seu sal são
         metamorfose que estilhaçou                                                     "lágrimas de Portugal".
         as  grilhetas de reles  e infec-                                                 Lágrimas,  não de dor mas
         tas mancebos, saboreávamos                                                     de   invocação   a   São
         com  justificado  prazer as                                                    Gregório,  começámos todos,
         mordomias  ineren tes  ao                                                      uns  mais  do que outros, a
         estatuto   de  "Senhores                                                       deixá-Ias cair enquanto "ali-
         Cadetes"!                                                                      jávamos carga"  borda  fora,
           Faltava,  porém,  o  teste                                                   em consequência do balanço
         real  d a  água  salgada  para                                                 lento  da  velha  "SAGRES",
         conCirmar se estaríamos, ou                                                    por entre o  ranger da  mas-
         não, em condições de poder-                                                    treação.  Aos  cheiros  dos
         mos ser  considerados  ver-                                                    interiores  do  navio  a  que
         dadeiros  "lobos do  mar"  e                                                   não estávamos habituados,
         ingressarmos,  na  altura  de-                                                 juntavam-se  os efeitos malé-
         vida, nos quadros de oficiais                                                  ficos da bilis  em luta  contra
         da  "Briosa".  Lobos  do  mar,                                                 o suco gástrico; e aos poucos
         ou talvez seja mais apropria-                                                  e  poucos a  posição  horizon-
         do dizer-se lobitos  náuticos                                                  tal  surgia  como  a  ú ni ca
         em alcateia: o curso de  "O.                                                   alternativa possível.
         Duarte de Almeida"  entrava   BorIJtII(lfollOronflis                             Longe  do  promontório do'
                                                                                         IEVISl A OA AiMAOA  •  MARÇO '17  9
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