Page 21 - Revista da Armada
P. 21

das suas formas clássicas, sacri-                                              uma bóia de salvação, mas não
         ficando tudo para aumentar ao                                                  sabem se ele conseguiu apanhá-
         máximo a sua velocidade. To-                                                   la. Ainda ouvem gritos de afli-
         davia, esta ânsia pela velocida-                                               ção. Disparam dois very lights.
         de paga, por vezes, elevadas                                                   Pelo VHF portátil, pedem
         taxas. De facto, as estruturas                                                 socorro no canal 16, não obtêm
         são concebidas com margens                                                     resposta e entretanto a bateria
         mínimas de segurança, que são                                                  esgota-se. Já dissemos como
         frequentemente ultrapassadas                                                   Eric era avesso ao uso de radio
         quando, em competição, os                                                      ajudas, por isso não admira que
         operadores, para chegarem pri-                                                 tal aconteça. Os tripulantes
         meiro, não hesitam em largar                                                   põem a embarcação de capa.
         pano desmedidamente, pondo                                                     Arriam as velas. Compreen-
         em causa a integridade da em-                                                  demos como desesperante teria
         barcação e das próprias vidas                                                  sido a situação, dado que dos
         dos tripulantes.                                                               quatro tripulantes, só o fotó-
           E tal também acontece por-                                                   grafo Quiméré tem experiência
         que - quando não há perda de  Eric Tabarly, numa das suas passagens pela Horta, à porta do Café Sport,   de vela. Lançam o motor que
         vidas a lamentar - quem paga  na companhia do seu proprietário, o famoso Peter. (Fotografia cedida pelo Café Sport).  foi montado apenas para ser
         a factura é o “sponsor”.                                                       usado nas manobras de atra-
           Nesta nova fase, Tabarly continua a ga-  com a construção de um novo museu de  cação nos portos. A sua fraca potência não
         nhar regatas, bate records, como a travessia  marinha era muito elevada para as finanças  permite desenvolver a velocidade capaz de
         do Atlântico, no Paul Ricard, um trimaran a  públicas. Lutou também pela construção  alcançar o local onde se deu o naufrágio,
         hidrofoiles, mas também tem desaires.  duma réplica do cinco mastros France, que  dado que é grande o abatimento da embar-
         Volta-se mais de uma vez, como aconteceu  foi o orgulho dos “cap-horniers” e que daria  cação, devido ao vento rijo que sopra. Mas
         na regata La Baule-Dakar, tendo por único  ao país o grande veleiro que não tem e que  admitindo que o conseguiam, sabemos
         companheiro o seu irmão Patrick, a bordo  merece.                     bem como é difícil encontrar um náufrago,
         do Côte d’or II que, actualmente, é pro-  De 22 a 24 de Maio de 1998, Tabarly feste-  mesmo com luz do dia, quando o mar está
         priedade de um português.          ja entre os amigos o centenário do Pen  agitado. De noite, não foi mais do que uma
           Tabarly era um homem de firmes con-  Duick, o seu primeiro barco. É a última boa  busca em vão.
         vicções. Já vimos que era contra as comuni-  notícia a seu respeito. Depois...  Ao nascer do Sol a tripulação do iate aus-
         cações rádio assim como se opunha aos  Depois, na fatídica noite de 12 para 13 de  traliano Longobarda descobre o Pen Duick, a
         modernos métodos de navegação por  Junho de 1998, Eric navegava no seu  30 milhas da costa do País de Gales. Dá o
         satélite. No aspecto de segurança a bordo  primeiro Pen Duick dirigindo-se para  alarme. Guarda costas ingleses iniciam a
         era intransigente: nada de colete de sal-  Fairlie, na Escócia, onde ia participar numa  busca, depois reforçada por um helicóptero
         vação nem de arnês. Disse-o variadíssimas  homenagem a William Fife III. Este arqui-  da RAF. A pesquisa termina quando já não
         vezes. Nas suas Memoires du large, é bem  tecto naval, que viveu entre 1857 e 1944, foi  há quaisquer esperanças de encontrar o
         claro: “A bordo das minhas embarcações eu  autor dos planos de mais de 800 barcos de  náufrago. Com a água do mar a pouco mais
         não imponho nada porque para impor aos  recreio, entre os quais se incluem aquele em  de 10º ninguém resiste mais de poucas ho-
         outros é necessário dar o exemplo. Ora eu  que Eric navegava e alguns outros que con-  ras, mesmo que seja o atleta que Tabarly era.
         oponho-me ao uso do arnês. O meu   seguiram resistir ao desgaste do tempo e  Ironia do destino. Eric que fez centenas
         raciocínio é simples: prefiro desaparecer em  que iriam estar presentes em Fairlie.   de milhar de milhas, pelos oceanos do
         alguns minutos, por mais desagradáveis  Soubemos que existia em Portugal uma  Globo, muitas delas em solitário, tantas
         que eles sejam, a impedir constantemente a  embarcação desenhada por Fife. Contac-  vezes desafiado por situações difíceis, em
         minha vida a bordo com esses [incómodos]  tamos o seu proprietário, o Dr. Sebastão Bri-  condições de extremo cansaço, sem ter
         cintos.” Mal sabia Eric o que ia acontecer-  to e Abreu. Trata-se do Finola que pertence  ninguém que lhe pudesse valer em caso de
         -lhe um ano depois.                à classe 8 metros internacional. Todavia,  acidente, vai desaparecer quando viajava
           Em 1985, com a patente de capitão de fra-  este desportista náutico, informou-me que  praticamente em passeio.
         gata Eric passa à reserva. Três anos depois a  no nosso país existem mais duas embar-  No dia 21 de Junho, ao largo de Brest, a
         Marinha concede-lhe os galões de capitão  cações da mesma classe e do mesmo arqui-  Marinha Nacional e o mundo ligado à vela
         de mar e guerra.                   tecto. E, mais, que D. Carlos ofereceu à rai-  prestaram homenagem a Eric Tabarly. Da
           Tabarly, em especial, nos últimos anos  nha D. Amélia, por ocasião do seu quadra-  fragata De Grasse, onde estava embarcado o
         interessa-se pelas causas justas. Insurge-se  gésimo aniversário, o Maris Stella, uma  Presidente da República, foi lançada uma
         violentamente quando o governo quer  embarcação que também teve os planos  coroa de flores e feita uma salva de cinco
         fechar o Museu de Marinha, para instalar  assinados por Fife.         tiros. Nas proximidades, centenas de
         no palácio Chaillot um outro museu. São  Na viagem para a Escócia, Eric levava a  embarcações de recreio tripuladas por com-
         dele as seguintes palavras: “Os Franceses  bordo António e Cândida Costa, compa-  panheiros e admiradores, disseram adeus
         têm necessidade de uma educação maríti-  nheiros com quem fazia ski em Chamonix,  àquele que foi, sem sombra de dúvida, um
         ma para compreenderem a importância  Jacques-André Rebec, oficial reformado da  marinheiro de excepção. Um marinheiro
         estratégica e económica do mar.    Marinha Francesa e o fotógrafo Erwan  que teve o privilégio de desaparecer no
           Um dos raros instrumentos pedagógicos  Quiméré, que nos deixou belas imagens de  mar, esse mar imenso que foi o seu mundo
         que temos é justamente o magnífico Museu  Tabarly.                    e que ele amou como ninguém.
         de Marinha, um dos mais belos que co-  O vento tinha refrescado e Tabarly decide
         nheço no mundo, para não dizer o mais  substituir a grande, que já se encontrava         A. Estácio dos Reis
         belo, e do qual a França tem o maior orgu-  risada, por uma vela de tempo. Inespera-             CMG REF
         lho...Temos de nos mobilizar”. Sábias pala-  damente, a carangueja bate-lhe no peito
         vras. A mudança acabou por ser abandona-  com força, o que o faz desequilibrar e o atira  NOTAS:
         da, mas não pelos argumentos apontados  ao mar. Passavam 15 minutos da meia  Este artigo é o resumo de uma comunicação
         por Tabarly. A razão foi outra: a despesa  noite. Os seus companheiros lançam-lhe  do autor proferida na Academia de Marinha.
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 99  19
   16   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26