Page 362 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
             Património Cultural da Marinha


                                         Peças para Recordar





                                            10. OBERGATIM REAL


                       No parco historial dos nossos usos navais não constam embarcações que tivessem servido
                    ao cerimonial marítimo de Reis e Príncipes como noutras nações, sendo, ao que se deduz por
                    via de curtas notícias e crónicas, que qualquer batel já era bastante  quando tapada a pobreza
                    da madeira usada, com ricos e vistosos estofos.
                       Parece que foram os reis castelhanos Felipes, quando usaram também a coroa Portuguesa,
                    quem mostrou alargada ostentação no tamanho e fausto ornamentativo quanto às embar-
                    cações em que se faziam transportar, mesmo que fosse apenas de um navio para terra.
                       Com D. João IV, porém, os mesmos usos pegaram por cá, e não se perderam mais, ga-
                    nhando, com o tempo, um lustre, que só tem paralelo com a beleza ainda hoje tão apreciada,
                    dos coches reais.
                       Como forma de transporte entre navios ou de navios com terra, usava-se a galeota, tipo de
                    navio que, com a fusta e a galé, formava o conjunto designado de fustalha. O bergantim era
                    espécie de galeota pequena, que podia até servir, em grupo, e com tripulação vestida a rigor,
                    para rebocar, a remos, a galeota real.
                       Com o tempo, o bergantim, sempre movido a remos, com maior ou menor número de re-
                    madores, de bancadas, portanto também de dimensões, consoante as circunstâncias, passou a
                    ser o pequeno barco destinado a transporte de entidades que iam do Rei a outros nobres, ma-
                    gistrados, e gente de algo.
                       Dos diversos bergantins que contámos no nosso cerimonial, sobressai, pelo tamanho, pela
                    riqueza de construção e decoração, e, com o tempo, pela própria História que tão distinta-
                    mente registou até quase aos nossos dias, o designado ainda hoje, BERGANTIM REAL. Man-
                    dado construir pela rainha D. Maria I em 1778, com Martinho de Melo e Castro como minis-
                    tro dos Negócios da Marinha, começou por ser utilizado nos esponsais do príncipe  D.  João,
                    futuro D. João VI, com D. Carlota Joaquina, serviu depois para o transporte da família
                    real para bordo dos navios quando da partida da coroa para o Brasil, depois, no regresso
                    de D. João VI a Portugal, e daí em diante, vários reis estrangeiros, Afonso XIII de Espanha,
                    Eduardo VII de Inglaterra, Rainha Alexandra, Kaiser Guilherme II da Alemanha, o presidente
                    da França, Emile Lubet, fechando esta série de realezas com o transporte, em Lisboa, em
                    1957, da rainha Isabel II de Inglaterra e o Duque de Edimburgo, do “Yatch” Real inglês para o
                    Cais das Colunas. Quando deste último desembarque foi seu patrão o Comandante Sena
                    Dentinho que dirigiu habilmente os seus 120 remadores – os algarves.
                       O mestre construtor desta bela embarcação foi Torcato José Clavina, do Arsenal Real da
                    Marinha. Como decoração ostenta a partir da proa, um dragão heráldico alado, que se desen-
                    volve pelos bordos, em faixas policromadas iluminadas de ouro, que se  reunem, no painel de
                    popa, este o mais rico como era timbre antigo; painel dividido pelo cadaste, ostentando a
                    bombordo a densa Vénus sobre uma concha e a estibordo o deus dos mares, Neptuno, de pé
                    sobre um carro naval puxado por dois golfinhos, figuras estas em belo relevo dourado, que
                    enquadravam o escudo nacional de D. Maria. Nas ilhargas, duas cariátides, em versão de
                    sereia, sustentam a cimalha, donde emergem, vistosas, três belas lanternas.
                       A camarinha ricamente decorada com cantoneiras floridas e  espelhos de Veneza, possui
                    mobiliário entalhado, dourado e pintado que dá ao conjunto uma grande beleza. O painel ex-
                    terior, a pintura que decora o gabinete privado dos soberanos e o escudo de armas do Reino
                    são da autoria de Pedro Alexandrino.
                       É, hoje, no pavilhão das galeotas do Museu da Marinha, uma das peças mais ricas pela sua
                    decoração e pormenores de acabamento.

                                                                              Museu de Marinha
                                                                              (Texto de Sousa Machado, CMG)
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