Page 398 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
11. ASALA DA FARMÁCIA DO HOSPITAL DA MARINHA
Notável a vários títulos, a Sala da Farmácia do Hospital da Marinha deve ser um dos
poucos espaços existentes no País que cumpriu a missão para que foi originalmente conce-
bido durante cerca de 190 anos.
Contemporânea da entrada em funcionamento do Hospital da Marinha em 1 de
Novembro de 1806, e representando a face visível ao grande público dum vasto conjunto de
dependências já desaparecidas, que incluíam armazéns, farmácia oficinal e horto botânico,
sobreviveu graças à sua funcionalidade e qualidade estética.
Com disposição quadrangular, de vértices truncados, tem as paredes quase inteiramente
forradas por um conjunto de gavetões e armários envidraçados, só interrompidos pelo conjun-
to de três janelas viradas para a rua, e de portas de acesso a outras divisões. Sobressai de ime-
diato ao visitante esta noção de ritmo, esteticamente equilibrada e realçada pelo elevado pé
direito, pelo medalhão do tecto e pela bancada central.
Todo o mobiliário está pintado em vários tons de verde, do glauco ao escuro, com branco
a definir esquadrias e frisos.
O fundo do medalhão do tecto é também em verde escuro, com orla em tons de castanho
e ouro velho, realçando as Armas Nacionais, com as cores próprias, desenho habitual do
período de D. Maria I, encimado pela vasta coroa e sobreposto a duas âncoras cruzadas.
Alguns autores já lhe concederam, ou melhor, propuseram a sua autoria a Pedro
Alexandrino. Não está assinado.
Em minha opinião, muito provavelmente deve-se a um artesão de boa escola, mais que a
um mestre consagrado.
Outra notável peça deste conjunto é o balcão central.
A tradição aponta como sendo o móvel em questão, o aproveitamento para novos fins, do
altar-mor da Igreja do Colégio dos Jesuítas, entretanto profanada.
Não há dúvida que a traça do balcão evoca pela similitude o desenho habitual dos Altares,
após as recomendações do Concílio de Trento. O Colégio dos Jesuítas é do Séc. XVII. A dis-
posição geral do móvel é dum estilo posterior: barroco tardio ou rococó. Mas ... si non e
vero...
A última pintura geral do mobiliário é dos finais da década de 50, princípios de 60.
Presume-se que o pintor terá restaurado tons previamente existentes. Ninguém no entanto
pode garantir que o aspecto da Sala da Farmácia, aquando da sua inauguração fosse o actual.
O medalhão sofreu várias vicissitudes e nos últimos trinta anos já caiu e foi restaurado duas
vezes, uma delas pelo Mestre Alberto Cutileiro.
De salientar que a maior parte dos vidros dos armários são ainda os originais.
Há cerca de cinquenta anos, mais coisa menos coisa, o Director então em funções pre-
tendeu arrasar toda a estrutura e substituí-la por ... estantes metálicas! A Marinha foi poupada a
essa calamidade pela intervenção decisiva do Prof. C. Silveira, então Chefe dos Serviços
Farmacêuticos que a ele se opôs frontalmente, em nome da História e do bom senso.
Em 1996, a Sala foi desactivada da sua missão de atendimento público, com a inaugu-
ração da nova Farmácia, procurando-se garantir a sua preservação e evitar a degradação
imposta pelo uso, sofreu então um conjunto de obras de beneficiação: iluminação estudada,
novo pavimento e guarnição dos armários com vastíssimo acervo de peças museológicas exis-
tentes num serviço bicentenário.
Foi então este conjunto transformado em espaço nobre, utilizado pelo Hospital e pela
Marinha para a realização de eventos de prestígio social e institucional.
Hospital da Marinha
(Texto de Rui Manuel Rodrigues de Abreu - CMG MN)