Page 395 - Revista da Armada
P. 395

Amália a bordo
                 Amália a bordo












               inda jovem tenente fui destacado,
               nos meados de 1949, para o aviso
         Ade 1ª classe “Bartolomeu Dias”, onde
         fui ocupar-me da electricidade e minas. O
         navio encontrava-se nos estaleiros de
         Alcântara. Assisti ao fim dos fabricos. A
         guarnição constituiu-se. O navio foi-se tor-
         nando operacional.
           O comandante, o Capitão-de-Mar-e-
         -Guerra Negrão Neto, era uma figura bem
         conhecida na Marinha mas, especialmente,
         dos seus subordinados. Trabalhador incan-
         sável, muito exigente para consigo próprio,
         com uma enorme imaginação, punha a
         guarnição numa roda viva. Era muito fala-
         do o seu célebre mapa dos mapas, constituí-
         do por várias folhas de papel almaço co-
         ladas umas às outras e que, uma vez desdo-
         brado, era motivo de gáudio. Todavia, foi
         neste mapa que vimos, pela primeira vez  Em 1950, Amália actuou pela primeira vez na Madeira com grande entusiasmo público. Ei-la cantando na varanda
         na nossa Marinha, um plano exaustivo de  do restaurante onde almoçou.
         instrução de todos os serviços de bordo,
         que já incluía tempos para o que, mais  ferido para a enfermaria, onde o médico  -e-Guerra Manuel Armando Ferraz. Para
         tarde, veio a chamar-se de briefing, durante  prestava assistência. Certa vez, num destes  descanso das guarnições, aporta-se à ilha da
         o qual o comandante pedia “sugestões, su-  exercícios, que se prolongou por tempos  Madeira.
         gestões” para melhorar o sistema. Na orga-  infindos, o imediato recebeu um papel: “O  Vários acontecimentos de interesse para
         nização dos serviços de bordo era também  comandante foi ferido de morte” o que era  nós, marinheiros, ocorrem no Funchal nas
         de enorme exigência. A segurança era uma  um teste seguro para avaliar o poder de  proximidades daquele período. O Capitão-
         grande preocupação do NN, pois foi com  decisão do seu substituto. Desta vez, o ime-  -de-Fragata Tavares de Almeida, chefe dos
         este cognome que ficou nos anais da  diato tomou uma medida histórica: cha-  serviços de assistência à frota bacalhoeira,
         Marinha. As chaves eram portanto um mo-  mou o clarim e mandou dar volta aos pos-  que irá desempenhar um papel importante
         tivo de grande preocupação. O chaveiro ti-  tos de combate.           a bordo do Gil Eanes, é homenageado no
         nha de ser bem organizado, de fácil acesso,  O imediato era sem dúvida a maior víti-  pavilhão de desportos náuticos. O navio es-
         eficaz. É ele mesmo que define as normas  ma do NN. Era ele que tinha de aguentar os  cola brasileiro “Almirante Saldanha”, coman-
         de funcionamento. Só há que pôr o proces-  primeiros embates e tentar, quase sempre  dado pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra
         so em andamento. Numerar os comparti-  sem sucesso, parar os seus ímpetos. Não  Oswaldo de Alvarenga Gaudio, faz uma
         mentos, as chaves e distribuí-las por armá-  por as suas intenções não serem válidas,  visita de cortesia com grande sucesso. Al-
         rios adequados. Não é tarefa fácil. Feliz-  mas pelo modo de as pôr em prática. A  guns dias mais tarde é inaugurado um
         mente, o Saturnino, esse espantoso organi-  meu ver só faltava ao comandante uma  novo edifício para instalação da capitania,
         zador, consegue resolver o problema. Que  única qualidade a qual, diga-se de pas-  onde é capitão do porto o prestigioso co-
         sossego.                           sagem, é indispensável para se conseguir o  mandante João Camacho de Freitas.
           Os exercícios, onde eram criadas simula-  sucesso, qualquer que seja a actividade.  Entretanto, o jornal do Funchal, noticia
         ções, que mais tarde fomos encontrar na  Refiro-me ao bom senso.      que Amália Rodrigues chegou no hidro-
         Marinha dos Estados Unidos da América,  O imediato, o Capitão-de-Fragata An-  -avião “Aquila” e vai publicando vários
         quando, passados anos, ali estivemos num  drade e Silva, era um oficial simpático, bem  anúncios informando que aquela vedeta vai
         Fleet Training Group, eram o máximo para  disposto e que fazia uma boa câmara. Era a  cantar, a 17 de Maio no Savoy Hotel. Traje
         o NN. Nos postos de abandono, todos os  antítese do comandante. Tendo feito os  facultativo. Preço do bilhete: 80$00. Bons
         meios de salvamento eram postos na água  preparatórios em Coimbra, tinha-se envol-  tempos. No Sábado 20, actuará na Quinta
         no mínimo tempo possível e neles era  vido profundamente na vida académica da  da Vigia, 50$00. No Domingo, neste mesmo
         medida toda, digo bem, toda a guarnição,  Universidade, que recordava com frequên-  local, mas agora ao ar livre, vai ter lugar um
         inclusive o cão rafeiro do comandante. O  cia. Conhecia todo o mundo. Tinha amigos  espectáculo popular. Só se paga 10$00. Irão
         mesmo acontecia nos postos de combate.  por toda a parte.             assistir 4000 pessoas. Foi um sucesso. No
         Lembro-me de uma vez ter recebido um  Chegamos a Maio de 1950. Um grupo de  dia 23, no Teatro Baltazar Dias, uma opor-
         pequeno papel rasgado (ainda guardo  navios constituído pelo “Bartolomeu Dias”,  tunidade única de ouvir Amália Rodrigues
         alguns destes papelinhos), com os seguintes  os contra-torpedeiros “Vouga” e “Douro”, a  sem microfone. E, no ecran, o filme “Os pi-
         dizeres: “Estácio: foi atingido por um esti-  fragata “Nuno Tristão” e submarino “Nar-  ratas de Montery”, com Maria Montez e
         lhaço e não pode mexer-se”. Era então que  val”, faz manobras no Atlântico. O comodo-  Gilbert Roland.
         avançavam os maqueiros e que levavam o  ro desta força naval era o Capitão-de-Mar-  Mas, perguntará o leitor, qual é a relação

         32 DEZEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA
   390   391   392   393   394   395   396   397   398   399   400