Page 179 - Revista da Armada
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O patrulha “Funchal” rebaptizado “Maio”
O patrulha “Funchal” rebaptizado “Maio”
oi nos primeiros tempos dos bancos do liceu que me comecei a
interessar pela Armada, interesse que nunca parou de crescer.
FAssinante e coleccionador da Revista de Marinha, (de que era di-
rector o insigne jornalista Maurício de Oliveira), e depois da Revista
da Armada, desde o seu lançamento, recordo-me que o que nelas lia,
em primeiro lugar, eram as notícias que se referiam ao aparecimento
de novas unidades navais destinadas à Armada Nacional.
Sempre me interessei muito pelos nomes que eram atribuídos aos
navios e quando surgia uma nova classe tentava, a partir do nome da O navio-patrulha “Maio” depois de rebaptizado, fundeado em S. José de Ribamar.
primeira unidade, adivinhar os nomes dos seguintes, como no caso
dos oito draga-minas costeiros da classe “Ponta Delgada” e dos qua- dúvida: e se tivessem sido outras pessoas a terem tido a mesma ideia
tro da classe “S. Roque”, das dez LFG da classe “Argos”, dos quatro que eu?
draga-minas oceânicos da classe “S. Jorge” e das várias classes de Para ter a certeza, a cem por cento, que a mudança do nome para
navios-patrulha, lanchas de fiscalização etc. “Maio” tinha sido, de facto, consequência da minha carta fui pergun-
Assim, quando, lá por 1954, chegou ao meu conhecimento que a tar a um primeiro-tenente que eu conhecia, que prestava, então servi-
Armada Portuguesa iria ser dotada de novos navios-patrulha, de tipo ço no Estado-Maior da Armada, (encontra-se hoje reformado no posto
francês, semelhantes aos seis de proveniência norte-americana que na de capitão-de-mar-e-guerra), o qual me deu a seguinte resposta: Che-
nossa Marinha tinham os nomes: “Príncipe”, “Santiago”, “Sal”, “S. To- gou cá uma carta escrita por “uns maduros” de Cabo Verde a pedir
mé”, e “S. Vicente”, logo calculei que seriam também baptizados ao Ministro para mudar o nome do navio-patrulha de “Funchal” para
com nomes de ilhas portuguesas. “Maio” e ele fez-lhes a vontade.
Fiquei pois muito surpreendido quando vim a saber que os três na- Obviamente que não confessei que “os maduros” era eu mas fiquei
vios-patrulha que tinham sido construídos em estaleiros franceses, e satisfeito por ter a certeza que a minha carta obtivera o seu objectivo.
que chegaram ao Tejo no dia 19 de Janeiro de 1956, tinham recebido Eis o teor:
os nomes de “Funchal”, “Porto Santo” e “S. Nicolau”. Quanto aos dois
últimos tudo bem, pois tinham-lhes sido atribuídos nomes de ilhas mas Cidade da Praia, 15 de Novembro de 1957
o primeiro, porquê baptizá-lo com o nome de uma cidade uma vez Ex.mº Senhor
Ministro da Marinha
que havia ainda disponíveis nomes de várias ilhas portuguesas? LISBOA
Quando fiquei a saber que os dois navios-patrulha da mesma Excelência
classe construídos nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram É mui grato prazer para nós, obscuros amigos da Marinha cujos nomes nada vos di-
baptizados “Brava” e “Fogo”, que o construído nos Estaleiros Navais riam, termos oportunidade de saudar o prestigioso e insigne chefe supremo da Armada
do Mondego se chamava “Boavista” e os dois construídos no Arsenal Nacional, desejando que por muito mais tempo continueis na chefia da gloriosa corpo-
do Alfeite tinham recebido os nomes de “Santo Antão” e “Santa ração que tem a honra e a felicidade de há mais de treze anos vos ter à frente dos seus
destinos, onde tendes sabido, com tanta competência e zelo, alcançar a elevada finali-
Luzia” todos eles de ilhas do arquipélago de Cabo Verde, ainda mais dade que a vós próprio vos impusestes: - A VOLTA DE PORTUGAL AO MAR, o que
estranhei que o primeiro dos oito se chamasse “Funchal” e que nove hoje, felizmente, já vai sendo uma consoladora realidade.
das dez ilhas cabo-verdianas tivessem dado o nome a navios-patrulha Pedindo mil desculpas por vos virmos importunar, roubando-vos do vosso, certa-
da nossa Armada tendo ficado de fora apenas a ilha de Maio. Em face mente, precioso tempo e agradecendo a vossa bondade que vos levou a ler-nos até
aqui, passamos a expor o assunto que até vós nos trouxe:
disto, decidi escrever ao Ministro da Marinha manifestando a minha Possui a Nação Portuguesa catorze ilhas atlânticas, além das dos Açores, e por singu-
discordância e apresentando um nome alternativo para o único dos lar coincidência possui, presentemente, a Armada Nacional catorze unidades com a
catorze navios-patrulha portugueses, (seis do tipo norte-americano PC classificação de navios-patrulhas, (os seis PC ex-americanos e os oito modernos escolta-
da segunda guerra mundial e oito do tipo francês “Le Fougueux”), que dores costeiros de tipo francês, três construídos em França e cinco em estaleiros por-
tugueses). Verifica-se, porém, um caso insólito: enquanto que treze daqueles navios têm
fora baptizado com o nome de uma cidade: o “Funchal”. os nomes de treze daquelas catorze ilhas, há um décimo quarto navio, o P 587, que se
Pensando que tal sugestão partindo de um jovem, Terceiro piloto chama “Funchal” enquanto que há uma décima quarta ilha, a de Maio, que não tem o
da Marinha Mercante pouco peso teria, resolvi enviá-la em nome de seu nome representado na Armada.
“um grupo de habitantes do arquipélago de Cabo Verde”, “obscuros Não seria mais lógico que os catorze navios-patrulhas da Armada Portuguesa osten-
amigos da Marinha”, achando que assim teria muito mais impacte e tassem os nomes das catorze ilhas dos arquipélagos de Madeira e Porto Santo, de Cabo
Verde e de S. Tomé e Príncipe, tanto mais que já existe um navio-patrulha, o P582, com
expedi a carta da cidade da Praia, pois dava-se a circunstância de o nome de “Madeira” onde, por assim dizer, já está incluído o de Funchal?
desempenhar as funções de Terceiro piloto a bordo do cargueiro Ainda se está a tempo de remediar este lapso, bastando para isso rebaptizar o P587
“Ambrizete”, da Sociedade Geral, que nas suas viagens a Angola com o nome de “Maio”, à semelhança do que em 25 de Outubro de 1955 se fez, e muito
escalava portos do arquipélago de Cabo Verde. bem, com o P581 anteriormente chamado “Flores” e que passou a chamar-se “Príncipe”,
uma vez que os nomes das ilhas dos Açores têm sido usados para baptizar os modernos
Imagine-se, pois, a minha satisfação, ampliada pelo facto de, à draga-minas oceânicos de procedência norte-americana e anteriormente os antigos draga-
data, ser um jovem de minas de casco metálico de classe “Faial”, recentemente reclassificados caça-minas.
vinte e poucos anos, Renovando as nossas desculpas e desejando-vos, senhor ministro, as maiores felici-
quando alguns meses dades e prosperidades bem como à vossa Corporação, subscrevemo-nos com a mais
elevada consideração.
mais tarde, ao receber Um grupo de habitantes do arquipélago de Cabo Verde
no meu domicílio um
novo número da Revis-
ta de Marinha li qual- Como consequência, a alteração do nome ocorreu no dia 4 de
quer coisa como: na- Dezembro de 1957, encontrando-se o navio, atracado ao cais, no
vio-patrulha “Maio” ex Porto de Ponta Delgada, sendo por despacho do Ministro da
“Funchal”. Pode-se di- Marinha, daquela data, que o navio-patrulha “Funchal” se passou a
zer que “embandeirei denominar “Maio”.
em arco”, autentica-
O navio-patrulha “Funchal” a navegar, ainda mente, mas de súbito José Ferreira dos Santos
com o seu primeiro nome. fui assaltado por uma Capitão da Marinha Mercante
REVISTA DA ARMADA • MAIO 2000 33