Page 289 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
19.INSÍGNIAS DAS ORDENS MILITARES NO MUSEU DE MARINHA
O Museu de Marinha inaugurou recentemente um novo núcleo exposicional dedicado às insígnias das antigas
Ordens Militares portuguesas dos séculos XVI a XIX que pertenceram a ilustres homens de Marinha. São, no total,
32 conjuntos de raríssimas insígnias emblemáticas das Ordens Militares de Cristo, de S. Bento de Avis, de Santiago
da Espada (na maioria anteriores à reforma das Ordens decretada por D. Maria I em Junho de 1789) e da Torre e
Espada (do primeiro modelo de 1808), excelentemente expostas na Sala das Descobertas em duas novas vitrines,
desenhadas e construídas nas suas oficinas.
Desde há muito que o Museu tem em exposição importantes conjuntos de condecorações concedidas a distintos
marinheiros da segunda metade do século XIX (bastará referir, entre outras de reconhecido merecimento histórico,
as dos Alm. Visconde de Soares Franco, Hermenegildo Capelo, Júlio de Cerqueira, Baptista de Andrade e Azevedo
Coutinho), pelo que esse valioso acervo emblemático ficou muito enriquecido e temporalmente ampliado, quase
permitindo fazer a ligação cronológica da evolução das insígnias das antigas Ordens Militares portuguesas desde
finais do século XVI até ao advento da República.
Mas a importância desta nova colecção reside também no facto das peças expostas estarem todas marcadas ou
etiquetadas com os nomes, cargos e títulos dos seus antigos recipientes (o que é só por si um motivo de grande
interesse histórico). Pela primeira vez, num museu nacional, dá-se a conhecer ao público visitante como eram de
facto as insígnias que os Comendadores quinhentistas e seiscentistas orgulhosamente ostentavam ao peito, não
como condecorações honoríficas, mas como distintivos emblemáticos da sua distinta, honrosa e, também, rendosa
condição de membros titulares das antigas Ordens Militares portuguesas.
Data de Dezembro de 1551, no reinado de D. João III, a incorporação perpétua na Coroa dos mestrados destas
três antigas Ordens Militares, com todos os seus rendimentos. Cada Ordem tinha nessa época – e até 1834 – , além
dos seus freires conventuais, duas classes de membros laicos, os Cavaleiros, em número ilimitado e cuja nomeação
andava normalmente associada a uma recompensa pecuniária, a "tença"; e os Comendadores, cavaleiros benefi-
ciários dos rendimentos de uma "comenda", em número limitado às comendas que cada Ordem possuía. Assim, em
meados do séc. XVII, a Ordem de Cristo detinha rendas de 454 comendas, das quais 37 em África; a Ordem de
Avis, 49 comendas; e a Ordem de Santiago, 150 comendas. Algumas destas comendas eram hereditárias, mas na
sua maioria revertiam para a Ordem após a morte do seu titular, sendo então atribuídas a novos dignatários.
Como atributo da sua condição, Cavaleiros e Comendadores usavam as insígnias das Ordens a que pertenciam,
cuja tipologia foi evoluindo ao longo dos séculos. Desta evolução tipológica e iconográfica dá-nos conta a célebre
galeria de retratos dos Vice-Reis e Governadores da Índia, iniciada durante o vice-reinado de D. João de Castro
(1545-1548), cujas fotografias a cor foram reproduzidas na excelente obra de Francisco Xavier Valeriano de Sá
"Vice-Reis e Governadores da Índia Portuguesa" (ed. CTMCDP/Sociedade de Geografia de Lisboa, Macau, Julho de
1999). Desde os grandes pendentes ovais bojudos tipo "sabonete", às cruzes singelas e insígnias de formato losangu-
lar dos séculos XVI e XVII, a colecção do Museu de Marinha é um repertório vivo dessa memória emblemática das
antigas Ordens Militares, com características específicas muito particulares: quase todas as insígnias têm gravadas ou
aplicadas no reverso esse outro distintivo único da Marinha, uma âncora, nalguns casos duas âncoras cruzadas,
soltas ou sobrepujadas pelas armas reais.
A reforma de 1789 introduziu uma nova classe, a Grã-Cruz, para cuja insígnia foi aproveitado o tipo antigo dos
pendentes ovais dos Comendadores, desde então sobrepujado pelo novo distintivo do Sagrado Coração de Jesus e
usado em banda a tiracolo. Para os Comendadores, o distintivo da Ordem passou a estar pendente de um resplen-
dor com o Sagrado Coração, uma evolução que as peças expostas no Museu também registam.
Por último, uma referência especial às insígnias da Ordem Militar da Torre e Espada (placas e pendentes), do
primeiro modelo criado pelo Príncipe Regente em 1808, no Rio de Janeiro. Apesar desta nova Ordem ter sido inspi-
rada na Ordem da Espada que vários autores dizem ter sido instituída por D. Afonso V, a sua criação, poucos meses
após a chegada da Corte ao Brasil, teve uma finalidade política muito clara: premiar os serviços distintos dos nossos
aliados ingleses "herejes" durante as campanhas da Guerra Peninsular, aos quais não podiam ser concedidas as
insígnias das três Ordens Militares religiosas de Cristo, Avis e Santiago.
"Moeda de Honra": assim eram definidas as insígnias emblemáticas das Ordens Militares portuguesas no decreto
da instituição da Ordem da Torre e Espada, e assim devem continuar a ser respeitadas, apreciadas e admiradas na
notável exposição do Museu de Marinha.
(Texto de António Miguel Trigueiros, Engenheiro
Sub-Ten RN, 19.º CFORN)