Page 177 - Revista da Armada
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naval é flagelada com fogo inimigo por todos  território controlado pela Junta, onde dias antes  sistir a uma mobilização geral da população
         os lados, sofrendo elevadas baixas e irrecupe-  algumas lanchas de desembarque francesas ti-  do povoado, ficou totalmente estarrecido ao
         ráveis danos materiais. Claro que as coisas não  nham sido recebidas a tiro, ou ainda o de uma  ouvir a displicente resposta de um dos ocio-
         foram bem assim! Contudo, o meu interlocutor  secção de fuzileiros que, durante uma semana,  sos mirones:
         não estava a mentir… pelo menos em termos  montou guarda à embaixada portuguesa na   - ‘Tá bem… E quanto paga?
         factuais. Limitou-se a ser enfático, deixando a  capital sitiada e permanentemente bombar-  Escusado será dizer que os fuzileiros se vi-
         imaginação dos seus ouvintes fazer o resto.  deada. Mas foi, sem dúvida, o factor huma-  ram obrigados a descarregar sozinhos as sacas,
           Muito ficou – e ficará, decerto – por dizer  no que tornou marcante aquela experiência,  praguejando contra a ingratidão dos guineen-
         acerca da chamada “Operação Crocodilo”  a começar pela angústia de quatro guarnições  ses e maldizendo a hora em que tinham sido
         (que, para mim, terminou com o desembarque  e de um destacamento de fuzileiros, lançados,  enviados para aquele desterro.
         em segurança do último evacuado, de acor-  com o pré-aviso de um dia apenas (e quando   Mas eis que a missão se revelou, afinal, mais
         do com as ordens inicialmente recebidas, não  já se preparavam para gozar um fim-de-sema-  curta do que prometia e, ao fim de pouco mais
         obstante a posterior “colagem” de um prolon-  na prolongado na companhia das respectivas  de um mês, já os navios iniciavam o regresso a
         gamento diplomático, importante, sem dúvi-  famílias), numa missão de duração indefinida  casa. Além da clara sensação do dever cumpri-
         da, mas cuja natureza e circunstâncias foram  e de consequências imprevisíveis. Claro que  do, podiam aqueles homens afirmar perempto-
         completamente diferentes). Não se dirá, por  tudo isso foi rapidamente esquecido quando  riamente que tinham ido “à guerra”, embora
         exemplo, que se o comando da missão tives-  aqueles cerca de quinhentos homens tomaram  com o privilégio de não terem sido obrigados
         se esperado por uma decisão política ainda  contacto com o drama das populações flage-  a combater. E aos que lhes diziam, “à boca-
         hoje os navios estariam a “patrulhar” a foz do  ladas pela guerra, à medida que os primeiros  -cheia”, que já tinham estado “sob uma amea-
         Geba, em vez de terem avançado directamente  refugiados (e só no primeiro dia foram cerca  ça real”, podiam responder, sem mentir, que
         para Bissau, como acabou por suceder. Tam-  de oitocentos!) pisavam o convés dos navios  tinham visto as “bujardas” a cair à sua volta.
         bém não se falará da notícia difundida pela rá-  portugueses. Nessa altura, todos eles, mesmo   Infelizmente foram tais riscos e sacrifícios
         dio governamental guineense, no dia da nos-  os que não estavam de quarto, acorreram a dar  rapidamente esquecidos. Embora tenha sido
         sa chegada, segundo a qual uma força naval  o seu melhor contributo, auxiliando o embar-  dado um contributo decisivo para a consolida-
         portuguesa tinha chegado para ajudar o Go-  que de pessoas e bens, cedendo o seu próprio  ção do prestígio internacional de Portugal, logo
         verno a esmagar a rebelião, o que foi pronta e  espaço habitacional – já de si exíguo – para os  alguns conceituados jornalistas-comentadores
         irresponsavelmente repetido por uma das nos-  acomodar e, acima de tudo, confortando os  – os mesmos que falaciosamente afirmaram
         sas estações televisivas, felizmente sem con-  infelizes que tudo haviam perdido e que, na-  não compreender como é que a Esquadra pa-
         sequências (e se as tivesse havido duvido que  queles momentos, só queriam saber se estavam  ralisava por falta de dinheiro, quando “vinham
         a nossa já tradicional impunidade jornalística  a salvo da morteirada que caía sobre Bissau.  a caminho”(!) duzentos milhões de contos para
         saísse minimamente beliscada). E, finalmente,  Neste último caso foi necessário recorrer ao ex-  comprar submarinos – se apressaram a des-
         não se falará das provocações – inconscientes  pediente da mentira piedosa, pois, na verdade,  valorizar esta importante acção militar, arras-
         ou talvez nem tanto – de uma lancha senega-  já alguns projécteis tinham caído entre os na-  tando-a na lama político-partidária à mistura
         lesa que depois de ter bombardeado posições  vios da força (e voltariam a cair, dali a poucos  com as alegadas indecisões diplomáticas dos
         da Junta Militar se andou a passear por entre os  dias, durante a segunda “incursão”, desta vez  nossos governantes. E a Marinha teria como
         navios da força, mesmo “debaixo do nariz” da  com clara intencionalidade).  paga da sua brilhante actuação a já atrás re-
         artilharia rebelde, ou de uma outra, da mesma   E foi, justamente, a reacção das gentes locais  ferida paralisação dos seus navios por falta de
         nacionalidade, cujos artilheiros se lembraram  a proporcionar um dos episódios mais carica-  verbas, as mesmas que tinha pago “do seu bol-
         de exercitar as suas perícias apontando ao nos-  tos daquele período:   so” para cumprir aquelas missões inopinadas
         so navio-chefe (o que só terminou quando este   Após o desembarque da primeira vaga de  e que tarde e a más horas acabariam por ser
         deu início a um exercício semelhante – embora  refugiados na cidade da Praia, regressámos ao  repostas. Valha-nos a memória do bom povo
         com peças de maior calibre!).      teatro de operações, embalados pelas palavras  português, que guardará para sempre (assim o
           Outros episódios poderiam ser relatados,  calorosas do povo cabo-verdiano. Desta vez  espero) a imagem de um fuzileiro, no cais de
         como, por exemplo, o da inédita atracação  levávamos connosco algumas toneladas de  Bissau, apertando contra o peito uma criança
         nocturna entre duas corvetas (com prancha  material de ajuda humanitária que encami-  de tenra idade, arrancando-a, naquele gesto,
         passada e tudo!), em pleno Arquipélago dos  nhámos para a ilha de Bubaque, onde, apa-  ao turbilhão de morte e horror envolvente. Só
         Bijagós – para um mais rápido transbordo de  rentemente, a guerra ainda não tinha chegado.  dali a dois anos teria eu oportunidade de con-
         material -, estando uma delas fundeada(!), num  Quando os botes dos fuzileiros, carregados de  templar um quadro semelhante, desta vez em
         claro desafio a todas as normas de segurança  sacas de arroz e de artigos de primeira necessi-  Timor. Mas isso já é uma outra história…
         marinheira (felizmente não havia por lá nenhu-  dade, abicaram à praia, um dos patrões pediu          Z
         ma equipa de avaliação da Flotilha!); o de uma  a um grupo de habitantes locais para dar uma   J. Moreira Silva
         evacuação efectuada na Ponta do Biombo, em  ajuda a descarregá -las. Esperando, talvez, as-         1TEN




                                                       AVISO

                                     8ª EXPOSIÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS
                                     “O MAR E MOTIVOS MARÍTIMOS”

          ¬ÊA Academia de Marinha vai levar a efeito a 8ª Exposição de Artes Plásticas – Pintura e Modelismo Naval, subordinada ao

          tema “O Mar e Motivos Marítimos”. As obras deverão ser entregues na Academia de 2a 10 Setembro 04 das 10.00/16.00 horas,
          de 2ª a 6ª feira.
            É imprescindível que seja também enviado à Academia, até 16 de Setembro 04, o Curriculum Vitae (12 linhas) e uma foto ou
          “Slide” de uma obra a expor para figurar no Catálogo.
            A inauguração terá lugar no dia 26 de Outubro 04 e estará aberta ao público, nos dias úteis, das 13.30/17.00 horas e encerra-
          rá em 06NOV04.

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