Page 226 - Revista da Armada
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Companhia de Fuzileiros Nº 23
Companhia de Fuzileiros Nº 23
em Timor-Leste
em Timor-Leste
o seguimento das activi- Acontecera em Boculi (cerca 10
dades desenvolvidas no km a oeste de Baucau), uma voz
Nâmbito do apoio à po- replica. -” É uma menina…como
pulação em Timor-Leste inseridas é que se vai chamar”… Responde
nas acções de CMA (Civil Military a mãe. -”Mariana e vai estudar para
Affairs), a Companhia de Fuzileiros a Universidade de Dili…” Seguin-
23, prestava, a 4 de Maio, mais um do-se risos de felicidade.
auxílio nesse campo, como sem- Contudo, era tempo de “sepa-
pre tem sido o seu apanágio des- rar” duas vidas de quarenta se-
de que chegou ao Teatro de Ope- manas, mas apenas pelo cordão
rações (20 Janeiro 2004). Todavia umbilical.
este (a par de outros) tem alguma Avaliada e estabilizada a Ma-
particularidade, pela sua essência riana foi respondendo muito sa-
e singularidade. tisfatoriamente aos requisitos do
Tudo aconteceu nessa tarde “Indicie de Apegar “ (conjunto de
(às 17:20 horas), quando o dia se parâmetros que permite avaliar de
preparava para ser noite e já o sol forma rápida a adaptação de recém-
debotava de vermelho-amarelo o 1SAR HE Silva e 1MAR FZH Ferreira momentos após o parto. -nascidos à vida extra-uterina – ba-
horizonte. Uma voz, pelo E.T.O timentos cardíacos, tipo de choro,
soava por toda a base de Baucau -”Atenção embarcado também na ambulância, este agora, tonicidade muscular, resposta estímulos, cor da
guarnição, equipa socorro ao posto de coman- “apresentava-se” na qualidade de guia. Já fóra pele), bem como a sua mãe, prosseguindo-se a
do”… (duas vezes). Foi então que as suspeitas do asfalto, em terreno agreste, calculou-se que viagem rumo a Baucau.
de mais um auxílio no âmbito sanitário se fi- ainda só se estava a pouco mais de metade do Chegados à Maternidade (20:45 horas), na es-
zeram sentir entre os militares, nomeadamente itinerário total a percorrer. curidão um silêncio entretecedor; no interior as
entre os da respectiva equipa solicitada (enfer- Cada vez mais envoltos na escuridão, o ar ago- salas apresentavam-se num vazio, o pavimento
meiro, socorrista e condutor). ra empoeirado e a densa vegetação amea çam algo irregular e humedecido; por momentos e
Já no posto de comando recebem a informa- “esconder” o caminho, também aqui e além in- entre o murmurinho dos presentes surge uma
ção. - ”…Policia Nacional Timor-Leste (P.N.T.L.) terrompido pelas chuvas de Março, mas a via- voz máscula mais intensa por uma das portas
em Vemasse, solicita apoio a grávida…” gem prossegue. Todavia mais uma paragem, pois exteriores.
De imediato após o equipamento estar na am- também aquele “guia” pouco habituado aquele -“Precisam de ajuda, querem que chame a
bulância saíram a toda a força, pois para além tipo de deslocação, prendia-se nalgumas dúvi- parteira…”
do que estava para acontecer também a distân- das, mas a alternativa sempre surgia, ainda que Pela boca do enfermeiro da CF 23.
cia se fazia sentir. por vezes pelo leito do rio. -” Obrigado, está tudo feito vamos para o
Chegados à P.N.T.L em Vemasse, aguardava- Pelas 19:20 horas finalmente chegamos ao suco hospital”…
-nos o futuro pai (Joanico Vieira) apreensivo, mas (aldeia) de Uagae (localizada nas montanhas do Pois, também os avós de Mariana, ali pre-
ao mesmo tempo aliviado com a nossa presença; Sub-distrito de Vemasse), onde parte da popula- sentes subitamente manifestaram o mesmo
ção, entre a escuridão e a luz da viatu- sentimento.
ra, nos aguardava ansiosamente. Todos No Hospital de Baucau o relógio marcava
percebiam o porquê daquela visita, pois 21:00 horas e Mariana já nos braços das enfer-
rapidamente indicavam a localização de meiras, era embalada pela primeira vez.
Martinha Soares (grávida). Apontavam No dia seguinte, pela manhã o Comandan-
para um caminho algo afunilado; ao fun- te da CF23, 1TEN FZ Esquetim Marques com a
do, esta desesperadamente esperava, so- equipa que assistiu o parto, desloca -se ao Hos-
frendo num intercalado silêncio. pital para constatar o estado da recém-nascida
Já na maca da viatura, iniciou-se a Mariana e da sua mãe Martinha, bem como
viagem de regresso a Baucau tendo felicitá-la e simbolicamente entregar-lhe duas
por objectivo a Maternidade, no en- fotos e algum material materno-infantil. Todos
tanto a cada momento constatava-se a constataram que ambas estavam bem junto dos
iminência de uma “nova vida” ou de familiares mais próximos, apresentando-se estes
uma “vida nova”. muito gratos pelo acontecimento.
O baloiçar da ambulância era muitas Para registo fica o nascimento às 20:14 horas
vezes esquecido pelo que estava para (12:14 horas de Portugal) de Mariana Soa res Vieira
acontecer. Uma paragem, mas o der- no dia 04 Maio de 2004 na localidade de Bucoli
radeiro momento ainda não tinha che- com 2,200 kg para um tamanho de 49 cm.
gado; continuando, até que o esperado Mais uma vez pudemos dizer - “missão
inevitavelmente acontece. cumprida”, também esta com muita satisfa-
Por instantes as armas aguardavam ção e com histórias para contar e quem sabe
mesmo ali ao lado; o relógio às 20:14 talvez um dia recordar com a Mariana mo-
horas e depois de todos os cuidados mentos de alegria.
Cmdt CF23, 1TEN FZ Esquetim Marques na entrega de fotos e inerentes, marcava a par com um choro Z
material materno-infantil. vigoroso –“o momento”. (Colaboração da CF23)
8 JULHO 2004 U REVISTA DA ARMADA