Page 393 - Revista da Armada
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que na mensagística naval se produzam verda- posta chegar ao Comandante da unidade tinha, teceu um rasgadíssimo elogio ao trabalho por
deiras pérolas literárias, dignas de compilação!). forçosamente, de passar pelo Imediato. Este, ele realizado durante a sua comissão de serviço,
Mas que autoridade tenho eu para falar quando após uma leitura atenta, mandou-me chamar e concluindo com as seguintes palavras:
os nossos doutos linguistas já estão a incluí-las alertou-me para aquele pormenor: - E por fim, Sr. E., gostaria de lhe agradecer
nos dicionários, juntamente com “clicar”, “sca- - O que queres dizer com a palavra “volun- a sua permanente disponibilidade e o facto de
nizar” e outras que tais?! Já não deve, aliás, fal- tarioso”? ter sido sempre um indivíduo altamente prestá-
tar muito para que na nossa grafia oficial o “K” - Essa agora!? - Respondi. - Como a palavra vel e voluntarioso.
substitua o “C” e o grupo “Qu”, tal como se faz sugere, pretendo dizer que o homem é muito de- Fiz um grande esforço para conter o riso, en-
nas mensagens de telemóvel ou nos grafitos – terminado e que tem uma vontade de ferro! quanto me ocorriam rifões do tipo “pela boca
perdão, grafitti – que um pouco por toda a parte Aí o Imediato sorriu e mostrou-me num dicio- morre o peixe” e “bem prega Frei Tomás”. Mas
embelezam as paredes dos nossos prédios. nário o verdadeiro significado do termo. Trans- claro que num discurso improvisado a língua
E, de resto, eu próprio devo confessar aos crevo: “voluntarioso, adj., que procede apenas nos prega partidas. Agora, quem escreve e tem,
meus pacientes leitores que não tenho, ain- segundo o impulso da sua vontade; amigo de geralmente, todo o tempo do Mundo para pen-
da, um completo domínio do uso da língua fazer a sua vontade; que gosta que todos lhe sar no que põe no papel, não pode invocar
portuguesa, sendo, volta e meia, confrontado façam a vontade; caprichoso; teimoso…”. Na- quaisquer desculpas – a não ser a ignorância
com algumas incorrecções da minha própria turalmente, não era nada do que eu pretende- - para maltratar o nosso belo idioma.
expressão. Felizmente, nessas alturas, costu- ra transmitir. E se com a nossa língua materna surgem per-
mo ter a felicidade de encontrar algum cama- - Está bem, está bem! - Admiti. - Enganei-me. calços deste género, imagine-se o descalabro
rada mais entendido que tem a amabilidade Vou corrigir a proposta e utilizar uma expressão que é quando tentamos fazer-nos entender em
de me corrigir. mais correcta. “estrangeiro”! No entanto, a bem da sanidade
Sucedeu-me assim, certa vez, ao redigir uma Dali a pouco, estando esse meu subordinado mental dos meus prezados leitores, isso já será
proposta de louvor para um dos meus subordi- de partida para a nova unidade, foi por mim con- uma outra história… Z
nados, utilizar o termo “voluntarioso” para de- duzido ao Imediato para as despedidas formais. J. Moreira Silva
signar um dos seus predicados. Antes da pro- Como a solenidade do momento impunha, este 1TEN
BIBLIOGRAFIA
O Convento das Trinas do Mocambo
O Convento das Trinas do Mocambo
or iniciativa do IH foi editada a obra “O Con- Herdaram-se, portanto, umas casas meio feitas,
vento das Trinas...”, onde o IH se encontra meio desfeitas, que serviram para, por elas, se distri-
Pinstalado desde 1991. Do estudo da histó- buírem as necessidades do Instituto se albergar. Não
ria do Convento, que vem desde que o edifício foi tem portanto nada, (ou quase nada) a ver com as obras
construí do até que um grande incêndio o reduziu a feitas, mas tão somente com uma pequena parte da
escombros, foi tomado à carga pelo Dr. João Miguel nova atribuição de alojamento. Anteriormente, quan-
Simões, fazendo o seu prefácio o Prof. Vítor Serrão, do o Estado toma conta, falecida a última freira, dos
Director do Instituto de História de Arte da Faculda- restos do convento. Claro, que, após Deus ter cha-
de de Letras de Lisboa. mado a última freira a si, ficou um encarregado de
O Dr. João Miguel Simões pessoa de muito sa- assistir à entrega dos últimos objectos culto. A extin-
ber e de muita simpatia agarrou naquele amonto- ção do mosteiro desagradava.
ado de escombros, com História desde o meio do A partir do terramoto de 1755, o recheio do
século XVII (Anos da Restauração), passando pelo Convento sofreu danos que demoraram anos a ser
terramoto que deixou Lisboa muito mal tratada (e o recuperados. A igreja (mais capela para culto das
mosteiro com várias ruínas) sobreviveu à extinção freiras) foi repensada para albergar maiores pintu-
das ordens religiosas de onde saiu como sede de ir- ras, maior esplendor, num estilo que se designou
mãs de caridade, tendo como recheio um conjunto de «barroco nacional», e ficou como interior de
importante de obras de arte, reunido e mantido pe- bem escolhida beleza.
las religiosas, como lhe foi possível. Dado o caracter feminino do Convento, os quadros maiores eram de-
“Vítima de um increterioso processo de restauro” já, pode dizer-se, dicados à Virgem, o Nascimento da Virgem a Apresentação da Virgem ao
nos nossos dias (1939-51), por Manuel dos Santos Estevens, à revelia da Templo, o Casamento da Virgem, a Coroação da Virgem Santíssima ....e
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, passa daí por assim por diante. Dois outros retábulos, o Senhor Crucificado e o de São
diversas utilizações até ser, de súbito, escalado para a sua função actu- João Baptista, ocupavam espaços da igreja que eram decorados a azulejos
al de Sede do Instituto Hidrográfico (1961) após o incêndio que nesse e com pinturas de grandes dimensões, duas das quais figuram ainda hoje
ano vitimou aquele instituto nos edifícios da Marinha. na Igreja Paroquial de Pombal, embora muito retocados, mas dando ideia
Claro que tudo começou (aqui...) por um inventário de quanto havia, da grandeza com que foi restaurada a igreja do Convento das Trinas. Hoje,
após anos de uso, desastres e abandono, de restos que contavam com este recheio (mais de trinta quadros), está espalhado por diversos locais,
uma obra artística relevante, a que se devia respeitar quer o valor, quer um dos quadros, actualmente no Convento de Cristo em Tomar, refere-se
o futuro. O que traria de mais importante em peças de Arte (recheio da ao Primeiro Resgate de Cativos, e apresenta vários quadros com belos na-
igreja, painéis de azulejos, etc.) foi tudo distribuído pela igreja de S. Fran- vios de vela, dedicados aos Santos Trimitários.
cisco, de Tomar, Convento de Mafra e igreja dos Cardais (de Pombal), e Enfim, um recheio valioso, que não ficaria mal ornamentando nas pa-
para as reservas do Museu Nacional de Arte Antiga. redes (mais nobres) de um IH, mas que acabaram por ir adormecer em
Nas dependências do Convento de Cristo, em Tomar, ficaram obras localização museológica menos marinheira do que a que poderiam ficar a
das mais belas do antigo Recheio das Trinas. honrar e a enriquecer o nosso Instituto. Em 1947, por exemplo, figuravam
O IH não tem a ver com as obras de recuperação feitas sobre os es- na 6ª Exposição Temporária alguns azulejos, mas não foram mais encon-
combros do anterior convento. Foi uma espécie de herdeiro dos restos trados, o que João Simões deixa com a legenda de “muito lamentável”.
onde, por terem ardido até as suas próprias instalações, embora algu- Temos, como espécie de consolação, a permanência do livro.
mas escapassem espalhadas pela cidade e não ardidas, falhariam as Muito obrigado, daqui da Marinha, Dr. João Simões! Z
mais centrais (e centralizadoras) e ali foi superiormente decidido que, Raúl Sousa Machado
de novo, se concentrassem. CMG
REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2004 31