Page 269 - Revista da Armada
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«Jorge Salgueiro»
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               os mais obscuros aos mais destaca-  a 7 horas de estudo por dia e, por outro, come-  RA – Daí para diante...
               dos cargos, somos todos chamados  çavam a não me chegar os tempos vagos para   JS – O Maestro foi solicitando, com alguma
         Da Honrar a Pátria e se a panóplia de  me dedicar à escrita de música.  frequência, a minha colaboração como com-
         oportunidades é, ao longo de uma carreira,   RA – Mas veio ainda muito jovem para a  positor, para além das minhas funções de intér-
         vasta, não menos o é menos em áreas mui-  nossa Banda?                prete. O momento decisivo foi a minha cola-
         to especializadas em que, alcançada a im-  JS – Aos 17 anos. Estava em pleno floresci-  boração para o concerto da EXPO e para o Dia
         prescindível harmonia do conjunto, como  mento como trompetista. Cheguei a tocar con-  da Marinha de 98 em que a Banda tocou com
         ocorre na Música, nos afirmamos ao Servi-  certos a solo à frente da Banda: o concerto de  a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Nessa al-
         ço da Armada.                      Vivaldi, barroco, Haydn, o pai do classicismo,  tura tivemos de produzir originais e adaptações
           Foi assim que...                 e Hummel, já um pré-romântico.     para ela, e, até, algum trabalho vocacionado
                                                                               para a sua actividade protocolar. Foi nesse mo-
           Revista da Armada – Há dias, ao ligar o                             mento que nos apercebemos que a minha ac-
         rádio, ouvimos que tinham transmitido a                               tividade de compositor lhe seria útil não só na
         Banda de Armada a executar uma obra de                                perspectiva estética ou artística, mas também
         Jorge Salgueiro. Era um programa preenchi-                            na resolução de necessidades emergentes do
         do com Bandas.                                                        seu dia-a-dia.
           Jorge Salgueiro – Ao domingo?                                         RA – É então que nasce a ideia do Compo-
           RA – Sim. Na Antena 2. Já lá o ouvi a ser en-                       sitor Residente...
         trevistado. Como se sentiu?                                             JS – ... que se concretiza em finais de 1999.
           JS – Tratando-se de uma rádio entregue a jor-                         RA – No fundo foi trazer para dentro uma
         nalistas com padrões de exigência elevados é                          tradição que permitiu que os nossos Músicos
         muito significativo para mim e para a Banda da                         se destacassem fora da Armada não só como
         Armada cujo nível de execução tem contribuído                         instrumentistas mas também como compo-
         para a prestigiar e ao meu trabalho.                                  sitores no Teatro de Opereta do início do
           RA – Como foi a sua trajectória?                                    s éculo XX e depois no de Revista.
           JS – Comecei na banda da Sociedade Filar-                             JS – Normalmente os elementos de todas as
         mónica Palmelense e depois fui para a Acade-                          instituições musicais, civis ou nossas congéne-
         mia Luísa Todi, em Setúbal. Os estudos de Con-                        res, desenvolvem actividades paralelas, quer no
         servatório terminei-os na Escola de Música de                         ensino, quer como instrumentistas noutras for-
         Linda-a-Velha.                                                        mações. Mas na nossa Banda há já uma longa
           RA – E antecedentes, havia?                                         tradição de compositores... por exemplo...
           JS – Não há artistas na minha família. Esta                           RA – Para não cometermos a injustiça de lhe
         apetência pela música apareceu por influência                          escapar algum, cito um dos mais conhecidos...
         do meu irmão, que ouvia muita música. Ele,                            Ferrer Trindade.
         porém, é ... engenheiro civil.                                          JS – Exacto, foi clarinetista da Banda da Arma-
           RA – Sim?                        Jorge Salgueiro na recruta com 17 anos   da durante nove anos. Estou, aliás, a fazer um
           JS – De início investi muito na interpretação   Vila-Franca – 1987.  estudo sobre Compositores que passaram pela
         que depois se tornou vício, dependência, pai-  RA – O Maestro era?    Banda da Armada.
         xão... as minhas primeiras peças datam dos   JS – Em 1987, já era o Maestro Araújo Perei-  RA – Belíssima ideia...
         meus 14 anos.                      ra, mas na altura dos exames ainda era Chefe o   JS – O primeiro, de inúmeros, é António Ma-
           RA – Muito cedo...               Comandante Baltazar.               ria Chéu. Dirigiu outras formações musicais mas
           JS – Sim, mas a minha carreira pública come-  RA – E quantos concorrentes?  foi o primeiro Maestro português da Banda, o
         çou como intérprete de trompete. Representei   JS – Não sei. Habitualmente são muitos e  primeiro que foi Oficial da Armada e o primei-
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         Portugal na Orquestra dos Jovens do Mediterrâ-  cada vez é mais difícil entrar pois os jovens vêm  ro, em Portugal, a gravar um disco .
         neo, aos 17, em França, na Orquestra de Jovens  cada vez mais bem preparados. Actualmente   RA – Cujo Centenário foi primorosamente
         da Europa, pelos 19 anos, em Corfu, na Grécia,  muitos dos candidatos já são alunos de escolas  celebrado...
         e na Banda Sinfónica da Comunidade Europeia,  superiores e procuram aqui realizar o sonho de   JS – Porphírio José da Cruz tem obras muito
         no Luxemburgo, já com 20.          seguir uma carreira de instrumentista que tem  interessantes, até a nível histórico. Em 1915, por-
           RA – Como foi isso?              muito menos saídas do que a via do ensino.  tanto em plena I GG, escreveu «L’Écho des Tran-
           JS – Num concurso público em cada país,   RA – Muito positivo para a Banda?  chées” (O Eco das Trincheiras) que, tal como a
         sempre com o mesmo júri, são seleccionados   JS – Claro. O seu nível tem crescido exponen-  Abertura «1812» de Tchaikovski e da «Batalha
         os melhores em cada instrumento, e, depois de  cialmente, também graças ao facto de a Armada  da Vitória» de Beethoven, inclui canhões. Assi-
         um mês a preparar o repertório, a orquestra par-  proporcionar condições favoráveis.  nava as partituras como «músico d’armada» e
         te em digressão.                     RA – Portanto já integrado na Banda quando  essa obra é, sem dúvida, uma reflexão em cima
           Ganhei também um concurso da Juventude  foi descoberto em termos de composição?  do acontecimento.
         Musical Portuguesa a par do desenvolvimento   JS – Por volta dos 21 quando a Banda foi to-  RA – Incontornável...
         de uma actividade de escrita, a nível mais pri-  car a Palmela, o Cmdt Araújo Pereira, sabendo   JS – E há o Artur Fão que deixou uma obra
         vado, até que fui convidado a formar e dirigir  que escrevia e que era a minha terra natal, su-  importantíssima na área da teoria musical e dos
         uma orquestra de jovens onde era o mais ve-  geriu-me que escolhesse uma obra minha para  métodos pedagógicos que foram adoptados no
         lho dos cerca de vinte elementos ... tinha ape-  ali ser interpretada pela Banda.  Conservatório Nacional e seguidos, durante
         nas 17 anos.                         No ano seguinte terminei a minha primeira  todo o século XX, no ensino teórico da música
           RA – Foi pois um desafio...       sinfonia “A Voz dos Deuses”, dedicada à Ban-  em Portugal. Depois Marcos Romão...
           JS – Sim, e de tal modo que me obrigou a uma  da da Armada, que foi estreada, em 1994, no   RA – De quem nos recordamos com esti-
         decisão. Levava, por um lado, muito a sério a  Teatro da Trindade. Foi, então, uma espécie de  ma... Diga-nos, também se tem dedicado à
         minha carreira de intérprete que me tomava 6  assunção pública como compositor.  pedagogia?
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2006  15
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