Page 256 - Revista da Armada
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Fotografias Antigas, Inéditas ou Curiosas
Arquivo Fotográfico da CML
DUELO LEOTE DO REGO – NUNES RIBEIRO
Esta fotografia documenta um facto que se julga ser único na história recente da nossa Marinha : um duelo entre dois ofi-
ciais. As circunstâncias em que teve lugar, no dia 1 de Maio de 1914, na Estrada da Ameixoeira, em Lisboa, são curiosas, e a
passagem de 94 anos sobre o evento não retirou a oportunidade ao tema, como se verá... O que se passou foi o seguinte :
Em 1914, quatro anos após o início da República, a situação da Marinha era já aquilo a que se veio a chamar o “Zero
Naval” : os poucos navios que havia tinham escasso ou nulo valor militar e, na sua maioria, eram velhos. A Marinha
esforçava-se por conseguir uma melhoria da esquadra, de modo a poder cumprir as suas obrigações com dignidade, e
recorria à imprensa para elucidar a opinião pública acerca do que se passava.
O “Século” publicava, regularmente, artigos do Comandante Leote do Rego, oficial de grande prestígio, que debatia
o tema de um modo frontal, fundamentando corajosamente os seus pontos de vista e pondo em causa as opções da Co-
missão Parlamentar da Marinha junto da Câmara dos Deputados - comissão essa constituída também por oficiais da
Armada, que fora incumbida de estudar o assunto. Dela fazia parte o capitão-de-fragata Álvaro Nunes Ribeiro, tam-
bém ele um oficial muito distinto e respeitado na Armada.
Dum modo grosseiro e muito resumido, pode dizer-se que Leote do Rego era a favor da construção dos navios no
Arsenal de Marinha de Lisboa, enquanto a Comissão se inclinava para a sua compra em Inglaterra. Mas esta discor-
dância depressa deu lugar a um conflito cujos argumentos nada tinham de técnico, como se pode ver pelo texto da in-
tervenção de Nunes Ribeiro na Câmara de Deputados em 20 de Abril de 1914, de que se transcrevem alguns passos mais
significativos para a compreensão da “causa proxima” do duelo :
ÊUO Sr. Nunes Ribeiro (em negócio ur gente) : Agradece à Câmara ter-lhe acei tado a urgência, e chama a atenção do Sr.
Ministro da Marinha para afirmações feitas em um jornal a respeito do parecer duma comissão técnica, composta de
ofi ciais da Armada, que há um ano a esta parte tem sido vivamente picada por um despeitado de não ter sido nomea-
do para essa comissão. No Século de sábado último, em sequên cia doutros artigos, diz-se que essa comis são aprovou o
material duma determinada casa, quando o preço da não preferida era inferior ..... Dum lado está uma comissão, cujos
membros tem trabalhado com a maior boa vontade e a mais inteira honorabilidade, gastando quatro meses na avaliação
das propostas apresentadas. Do lado contrário há um despeitado que queria fazer parte dessa comissão, por ter pedido
comando de navios, que lhe não deram, e que no tempo da monarquia expionava os camaradas republicanos.
UO Sr. Ministro da Marinha (Augusto Neu parth) : - Ouvi com toda a atenção o que acaba de expor o Sr. Deputado
Nunes Ribeiro, e tenho a dizer a S. Ex.a que li o artigo publicado no jornal a que S. Ex.a se referiu. Realmente não me
deixou ele a impressão desagradável que S. Ex.ª lhe encontrou. Se bem me recordo, o artigo publicado por esse oficial
da Armada visava apenas provar que as construções feitas no nosso arsenal ficavam muito mais baratas do que feitas
em casas estrangeiras, e para isso apresentava dois preços : um duma casa e outro doutra.
UÊSr. Nunes Ribeiro: V. Ex’ª compreende que o Século é lido por cem mil pessoas, mas só trezentos oficiais de Ma-
rinha é que o compram.
UÊOrador: Li o artigo a que o ilus tre Deputado se referiu, e devo repetir a S. Ex.a que nele não encontrei qualquer in-
sinuação à comissão, porque ele apenas citava o nome de duas casas e provava que as construções no nosso arsenal
ficavam mais baratas do que feitas em qualquer casa do estrangeiro.
UÊSr. Nunes Ribeiro; Não apontei só esse artigo. Noutro artigo, já foi dito que essa comissão procedia daquela ma-
neira com mira nas rendosas comissões... e comissões no estrangeiro.
Leote do Rego considerou-se ofendido pelas palavras de Nunes Ribeiro, e de imediato o desafiou para um duelo - que, nessa
época, embora formalmente proibido, era tacitamente aceite e frequentemente praticado. Dada a qualidade de militares de am-
bos os contendores, a arma de combate escolhida foi o sabre. O Século de 2 de Maio, sob o título “O Duelo de Hontem”, des-
creve o que se passou, e transcreve as “Atas da Pendência” , de que foi Juiz de Campo o snr. Professor Carlos Gonçalves.
Ambos os contendores saíram feridos do duelo, que durou cerca de três minutos. Vieram mais tarde a reconciliar-se,
num jantar presidido por Norton de Matos.
Comandante G. Conceição Silva