Page 35 - Revista da Armada
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Navios da República
8. O Caça-Minas “augustO de CastilhO”
Na sequência da entrada de Portugal na Grande Guerra foi mobili- e que as granadas iriam faltar. Já se tinha reconhecido a impossibilidade
zado o “Elite”, navio de pesca, tipo arrastão, que entrou ao serviço da de lutar com o inimigo.
Armada em 13 de Junho de 1916, classificado como caça-minas e com
o nome de “Augusto de Castilho”. Na 3ª fase, novamente em retirada: O “S. Miguel” já ia longe e nós virá-
mos a popa ao inimigo.De combate em caça,desigual com uma peça de
Possuía as seguintes características: 65 mm,passamos ao de retirada que ainda mais desigual era,pois agora se
Deslocamento máximo................................................513,07 toneladas iria combater com a peça de 47 mm.O fogo com a peça de ré recomeçou.
Comprimento (fora a fora)........................................................48 metros Agora eram as munições da peça de ré que iam faltar.Subo rapidamente à
Boca ......................................................................................8,24 “ ponte avisar o Comandante.Este,congestionado,responde-me secamente
Pontal ....................................................................................4,35 “ ”Hei-de morrer como um Portuguez”. E logo em seguida, sem uma som-
bra de hesitação, diz para o homem do leme:“BB Todo”.
Dispunha de uma máquina de tríplice expansão com 704 H.P. o que
lhe permitia uma velocidade de 10.5 nós. Foi armado com uma peça Na 4ª fase, em caça: De novo se passa ao combate em caça e agora
de 65 mm avante e outra de 47 mm a ré. A lotação era de 41 homens é ele, esse herói que se soube sacrificar pelo seu dever, que vai dirigir o
(2 oficiais, 3 sargentos e 36 praças). tiro no castelo e ao mesmo tempo a manobra do navio. O inimigo agora
recua. O combate durava há perto de duas horas e o paquete deveria
Durante os dois anos de vida operacional, iniciada em 8 de Setem-
bro de 1916, navegou cerca de 7.000 estar já a mais de 25 milhas.Vou ao caste-
milhas efectuando 22 escoltas entre Lis- lo para conferenciar com o Comandante.
boa, Açores e a Madeira e ocasional- Este, sem se lhe desenhar no rosto qual-
mente nas ligações Lisboa-Brest. Antes quer sombra de medo, diz-me: “O pa-
do último combate, que provocou o seu quete está salvo vou retirar”. Para a peça
afundamento, teve dois encontros com de vante havia só uns dez tiros, tendo-se
submarinos alemães. O primeiro, em 23 já gasto cento e cinco, contando com as
de Março de 1918 escoltando o paquete que falhavam.
“Luanda”, avistou e atacou um submari-
no tendo este mergulhado e deixado de Finalmente, a 5ª fase: O combate seria
constituir uma ameaça. No segundo, em de novo em retirada. A ré tinham-se gas-
21 de Agosto, perto do Cabo Raso, abriu to setenta tiros, havendo ainda trinta e
fogo contra um submarino obrigando-o dois. Fiz cerca de vinte tiros.As munições
a imergir, depois de o ter atingido na tor- acabaram-se. O salva-vidas ia já no mar,
re e no casco,. a baleeira, presa ainda à talha de vante,
enchia-se de água.
No dia 14 de Outubro aconteceu o seu
terceiro e derradeiro encontro com o ini- O Comandante, tendo mandado pa-
migo quando, sob o comando do 1TEN rar o navio, desce da ponte e encontra-
José Botelho de Carvalho Araújo, nave- se a meia nau a BB. O navio ia ficando
gava rumo a Ponta Delgada escoltando desmantelado, pois o inimigo não deixa-
o paquete “S. Miguel”. Do relatório da va de fazer fogo sobre nós. Foi um abrir e
autoria do guarda-marinha Manuel Ar- fechar de olhos. Oiço um ai e, ao mesmo
mando Ferraz, imediato do “Augusto de tempo que sentia fraquejar a minha per-
Castilho”, ditado da cama do Hospital na direita, olho para o Comandante por
da Santa Casa da Misericórdia de Ponta entre-a-vante da ponte. Exclamou: “Mor-
Delgada nos dias 22, 23, 24 e 25 de Outubro de 1918 aos poucos e ro!”. Chamo-o, bato-lhe na cara e não me
poucos conforme as minhas forças o permitiam, pertencem as transcri- responde. A granada tinha-o ferido no peito e esfacelado um pé. Estava
ções que se seguem. morto o 1º TEN Carvalho Araújo, Comandante do “Augusto de Castilho”,
aquele cujo nome deve ficar vinculado na história pelo seu espírito de sa-
No início do combate: Acordo ao alarme da guarnição que gritava: crifício e abnegação.
“é submarino é submarino...”. Seriam seis horas e quinze minutos. Corro O relatório é completado com a dramática descrição de uma viagem
à peça de ré, pois era essa a peça que na ocasião estava voltada para feita unicamente a remos, num simples bote com mais 11 sobreviventes,
o inimigo que, colocado pela popa do “S. Miguel” se afastava para o a maioria feridos. Referindo-se à largada: estava pronta a minha embarca-
nosso EB e fazia, com as suas duas peças, quase simultaneamente, dois ção para navegar duzentas milhas. Uma caixa de bolacha, uns pães, uma
tiros: um para o paquete, outro para nós. Em retirada acompanhando lata de atum, uma ancoreta com quinze litros de água e quatro remos.
lateralmente o paquete, poucos minutos demorou o combate, pois que Agulhas e instrumentos náuticos não os tinha. Depois de durante seis dias
o meu destemido Comandante em breve meteu a proa ao inimigo, pe- enfrentar mau tempo com risco eminente de naufragar e a sua guarnição
dindo para a máquina a máxima velocidade. passar fome e sede, aportou à PontaArnel, na ilha de S. Miguel. Entretanto
o salva-vidas, navegando à vela, com o aspirante Samuel ConceiçãoVieira
Na 2ª fase, a de caça: Ficava agora inactiva a peça de ré. Corro para e 24 homens, tinha alcançado a ilha de Santa Maria a 16 de Outubro.
a de vante para regular o tiro. Imediatamente reconheço a táctica do Dos 44 membros da guarnição do caça-minas, 6 morreram em com-
inimigo, que pretendia ferir-nos fora do nosso alcance. Não o conseguiu bate, 1 foi considerado desaparecido e 17 ficaram feridos.
senão ao fim de gastar muitas das suas munições. Cai então a bordo a Em 14 de Outubro de 1918 o caça-minas “Augusto de Castilho”,
primeira granada, que mata o aspirante Eloy de Freitas, fere o apontador após ter sido protagonista do feito mais notável da Marinha de Guerra
da peça e também me atinge com alguns estilhaços nas mãos e cabeça. Portuguesa durante a I Guerra Mundial, tinha terminado gloriosamente
Mais estilhaços a bordo e mais feridos.Agora o nosso tiro estava regulado o seu serviço na Armada.
e as granadas começam a cair à roda do monstro,que temendo,recua.A
sua velocidade era de quinze milhas, ao passo que a nossa não excedia J. L. Leiria Pinto
dez e meia. As nossas munições esgotam-se. Teriam decorrido quarenta
minutos de combate aviso o Comandante que tínhamos alguns feridos CALM