Page 2 - Revista da Armada
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Foto Eng.º Muñoz de Oliveira

GOA – 18 DE DEZEMBRO 1961

Na madrugada do dia 18 de Dezembro, o aviso de 1ª classe “Afonso                   de tiro), enquanto o aviso português só possuía 4 peças de 120 mm, com um
         de Albuquerque” encontrava-se fundeado em Mormugão. A sua                 ri­tmo de 2 tiros por minuto. Não tardou, assim, que o “Afonso de Albuquerque”
         guarnição entrara no regime de prevenção rigorosa no dia 8 desse          sofresse os primeiros impactes, um dos quais atingiu em cheio a torre directo-
mês. Na eventualidade de uma invasão a sua missão era defender o porto e           ra, causando a morte do 1º grumete telegrafista Rosário da Piedade e ferindo o
impedir o desembarque de forças da União Indiana nas praias próximas. O            Comandante com gravidade. Este chamou o Chefe do Serviço de Navegação,
Plano de Operações do Comando Naval de Goa previa, além da acção naval             2º Tenente Sarmento Gouveia, e pediu-lhe que transmitisse ao Oficial Imediato
contra as forças navais indianas:                                                  a ordem de assumir o comando e de não se render.

  - O encalhe em local previamente escolhido quando, na sequência do com-            Nessa altura, outra fragata inimiga era atingida e substituída por uma
bate, corresse o risco de se afundar;                                              nova unidade.

  - Ação artilheira como bateria costeira, defendendo o acesso ao porto;             Ao assumir o comando, o Imediato, Capitão-de-Fragata Pinto da Cruz viu-
  - A sua destruição quando se esgotassem as munições, a sua artilharia fi-        -se confrontado com a destruição prematura da instalação propulsora, pois o
casse incapacitada ou as forças invasoras ameaçassem directamente Pangim;          Chefe do Serviço de Máquinas (que perdera as comunicações com a ponte)
  - E, por fim, a incorporação da guarnição no núcleo de defesa concentrado        entendera a ordem de abertura das válvulas de fundo para alagar os paióis
em Mormugão após o abandono do navio.                                              a ré como o início do plano de destruição do navio. Não lhe restou, então,
  Às 0640 foi recebida a bordo uma mensagem do Comando Naval infor-                outra alternativa senão ordenar o encalhe do navio fora do local previamen-
mando que a invasão tinha sido desencadeada (a notícia já era, no entanto,         te estabelecido (frente à praia de Bambolim e não à de Dona Paula), o que
conhecida desde as 0400, pois tinha sido transmitida pela Emissora de Goa),        aconteceu por volta das 1235.
tendo o pessoal ocupado postos de combate às 0655.
  Cerca de cinco minutos depois, a aviação inimiga bombardeava o aeropor-            Verificou, entretanto, o 2º Tenente Sarmento Gouveia que alguém içara uma
to de Dabolim e a Estação Radionaval, que foi imediatamente reduzida ao si-        bandeira branca numa das adriças. Como estava enrolada na verga de sinais
lêncio. Às 0730, porém, o navio estabeleceu comunicações com Lisboa.Até às         (o que tornava praticamente impossível o seu avistamento pelos navios in-
1030 transmitiu (e recebeu) várias mensagens para o Estado-Maior daArma-           dianos, que prosseguiram o fogo) a adriça partiu-se quando se tentou arriá-
da, dando conta da sua posição e dos bombardeamentos observados. Uma das           -la, acabando por ser retirada e destruída pelo 1º Tenente Martins Gonçalves.
mensagens transmitidas foi do Comandante-Chefe para a Defesa Nacional
em que, mais uma vez, comunicava a falta de meios para fazer face ao ataque.         Mas com a torre directora inoperativa, os circuitos eléctricos avariados, os
  Por volta das 0900 foram avistadas ao largo de Mormugão três fragatas in-        monta-cargas das peças de vante fora de acção e as duas peças de ré encra-
dianas, tendo a guarnição ocupado os postos de combate de superfície (não          vadas, o “Afonso de Albuquerque” tinha esgotado a sua capacidade com-
existia a bordo pessoal suficiente para garantir simultaneamente as compo-         batente (efectuara cerca de 400 tiros, tendo infligido 18 baixas – 5 mortos e 13
nentes anti-superfície e anti-aérea, pelo que teve de acorrer ora a uma ora a      feridos – ao inimigo), pelo que, cerca das 1250, foi dada ordem de iniciar o
outra, conforme a ameaça do momento). Às 1200 as fragatas aproavam ao              abandono do navio. A bandeira nacional permaneceu içada.
porto a grande velocidade e abriam fogo com toda a sua artilharia, tendo um
dos cinco navios mercantes fundeados na baía sido atingido. O Comandante             O fogo inimigo prosseguia com grande intensidade, não só em torno do
do aviso, Capitão-de-Mar-e-GuerraAntónio da CunhaAragão, mandou, en-               navio como também sobre a praia. Mesmo assim, um grupo de oficiais, sar-
tão, picar a amarra, abrir fogo e sair o porto para enfrentar os navios inimigos.  gentos e praças regressou ao navio, sempre debaixo de fogo, numa vã tenta-
  Destes foram transmitidos vários sinais de morse acústico que, devido ao         tiva de encontrar uma embarcação que pudesse transportar o Comandante
ruído do combate, não foram imediatamente descodificados. O Comandante             por mar até Mormugão.
mandou suspender o fogo, tendo, porém, ordenado a sua continuação antes
de terem sido recebidas as duas últimas letras que constituíam a única pala-         Em terra, o Capitão dos Portos de Mormugão, Capitão-Tenente Abel de
vra da mensagem: “surrender”. Nessa altura uma das fragatas foi atingida e         Oliveira, indicou como local de reunião à guarnição do “Afonso de Albu-
foi rendida por um destroyer.                                                      querque” o Clube Militar Naval, em Caranzalem (ao abandonar o navio, - a
  O “Afonso de Albuquerque” estava, porém, numa situação altamente des-            maioria a nado - o pessoal não pôde transportar consigo mais do que algu-
vantajosa, pois manobrava numa área confinada, enquanto os navios inimi-           mas armas individuais, pelo que não estava em condições de incorporar a
gos, aos rumos norte e sul, fora do porto, podiam utilizar toda a sua artilharia.  defesa em terra), tendo o Comandante sido transportado numa viatura ao
Também se verificavam grandes disparidades ao nível do poder de fogo: cada         Hospital Escolar de Pangim.
fragata indiana dispunha de 4 peças de 101 mm, com uma cadência de 60 tiros
por minuto (e melhor capacidade de pontaria devido à existência de direcções         Cerca das 1300 do dia 19, a guarnição foi, por fim, aprisionada. O Coman-
                                                                                   dante das forças indianas deslocou-se pessoalmente ao Hospital Escolar de
                                                                                   Pangim para visitar o Comandante Aragão e inteirar-se do estado dos res-
                                                                                   tantes feridos.

                                                                                                                                                                   

                                                                                   Texto parcial do artigo publicado na RAnº 348, Dezembro 2001 da autoria do CFR Moreira Silva
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