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DIU – 18 DE DEZEMBRO 1961

Já que estamos em tempos de recordar, vou recordar os ca-         tendo a mesma afundado a uns 20 metros donde me encontrava;
   sos mais relevantes durante o combate; pelo menos comigo         4.º Durante o tempo que andei a nadar fui sempre sobrevoa­
   e após o combate:
  1.º Fui eu que dei a última bebida que o Comandante O­liveira   do por um jacto, simulando eu por diversas vezes que estava
e Carmo bebeu nesta vida, eu ia aos comandos e ele ia ao leme     morto, punha-me de bruços e de braços abertos a ver se en-
ombro com ombro quase; e estava um copo de plástico de cor        ganava o piloto, porque meti na ideia que ele metralhava-me,
verde com um resto de Vinho do Porto e ele diz para mim esse      sendo o objectivo do piloto informar para virem aprisionar-me.
copo tem alguma coisa, ao que eu respondi tem uma pinga de
Vinho do Porto dá cá, bebeu, passados 30 segundos tinha tom-        5.º Pus as mãos viradas para o céu pedindo a Deus que não
bado rasando as munições o meu capacete;                          me deixasse morrer afogado; pelo menos 6 ou 7 vezes pedi para
                                                                  que me salvasse, pois nadei sozinho porque pensei que todos os
  2.º Vi quando ele Comandante Oliveira e Carmo tirou o car-      meus companheiros tivessem morrido.
tão onde tinha a fotografia da mulher e do filho e começou a
beijar, já com as pernas cortadas.                                  A lancha deslocou-se porque as válvulas que dão passagem
                                                                  ao óleo para a embraiagem com o incêndio rebentaram e deu a
  3.º Quando me encontrava já dentro de água e quando nada-       passagem ao óleo e embraiaram por uns segundos.
va para o fortim do mar parei e olhei para trás e qual não foi o
meu espanto quando vejo a lancha deslocar-se na minha direc-                                                                                      
ção numa autêntica bola de fogo que mais parecia o demónio,         Carta escrita em 20 de Novembro de 2001 pelo Cabo CM reformado
tendo eu nadado com tal rapidez para me afastar da lancha,        António da Silva Nobre da Guarnição da “Vega “ condecorado com
                                                                  a Cruz de Guerra na Índia e com outra Cruz da Guerra na Guiné em
                                                                  1969, embarcado numa LDM.

4 JANEIRO 2012 • REVISTA DA ARMADA
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