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REVISTA DA ARMADA | 502

Abordagem a embarcação suspeita de pirataria por militares espanhóis em 2013, durante a operação        vios mais vulneráveis) tem, desde 2011, estendido pontualmente
ATALANTA, a cargo da EUNAVFOR, na altura sob comando português                                          a sua presença até perto da entrada norte do Canal de Moçambi-
                                                                                                        que. Assim, logo em maio de 2011, i.e. pouco depois do caso “Vega
  ● Incapacidade das forças de segurança locais                                                        5” – e numa altura em que a força naval encarregue da operação
    Em termos gerais, os países da região possuem uma compo-                                            (EUNAVFOR) estava sob comando português (Comodoro Silves-
    nente securitária bastante deficitária, o que favorece o sur-                                       tre Correia) – o navio almirante (NRP “Vasco da Gama”) visitou
    gimento e o estabelecimento de ameaças como a pirataria.                                            as Seicheles. Nesta visita, foram concretizadas diversas atividades
                                                                                                        diplomáticas e de cooperação com o governo e as autoridades
  Além disso, a ideia de que o Canal de Moçambique se poderá                                            das Seicheles, que incluíram formação e apoio técnico à respetiva
tornar num foco de pirataria em África assenta, também, em ca-                                          Guarda Costeira. Cerca de dois anos depois (junho de 2013), um
sos passados de tentativas de ataque e de ataques concretizados.                                        navio da EUNAVFOR visitaria pela primeira vez um porto moçambi-
De entre eles, o mais mediático até agora foi o do navio de pesca                                       cano (Pemba): tratou-se do NRP “Álvares Cabral”, navio almirante
“Vega 5”, da companhia espanhola Pescanova, atacado e seques-                                           da força, então também sob comando português (Comodoro Novo
trado por piratas somalis, em 28 de dezembro de 2010, ao largo                                          Palma). Essa visita evidenciou a preocupação com a segurança no
de Moçambique – a cerca de 1600 milhas de Mogadíscio, a capital                                         Canal de Moçambique, tendo compreendido exercícios combina-
da Somália! O navio de pesca permaneceu na posse dos piratas                                            dos de combate à pirataria no mar e uma conferência sobre segu-
cerca de 3 meses, nos quais foi usado como navio-mãe para outros                                        rança marítima.
ataques a navios mercantes no mar Arábico, acabando por ser cap-
turado pela Marinha Indiana em 12 de março de 2011.                                                       Não obstante, será sempre importante o papel que os EUA,
                                                                                                        como maior potência atual, quiserem desempenhar, nomeada-
ATUAÇÃO INTERNACIONAL                                                                                   mente em parceria com outros atores reconhecidos na região,
                                                                                                        como é manifestamente o caso de Portugal, cujas Forças Arma-
  No auge da pirataria somali, a Organização Marítima Internacio-                                       das desenvolvem em Moçambique vários projetos de Cooperação
nal patrocinou a adoção do Código de Conduta do Djibuti, para                                           Técnico-Militar, que constituem um contributo significativo para
repressão da pirataria e assaltos à mão armada contra navios no                                         a edificação de capacidades próprias de segurança, num Estado
oceano Índico oriental e no Golfo de Áden.                                                              charneira do Canal de Moçambique.

  Os países do Canal de Moçambique são signatários desse                                                  Até agora, os EUA têm ajudado a financiar a aquisição de em-
código, mas tardam em desenvolver as capacidades que aí fo-                                             barcações de patrulha e de equipamentos AIS (Automatic Iden-
ram previstas. Dessa forma, face aos incidentes do início desta                                         tification System), além de promoverem exercícios de segurança
década, a Marinha da África do Sul iniciou em 2012 patrulhas                                            marítima, no quadro da iniciativa African Partnership Station. Esta
na região, com navios de guerra e aviões de patrulha marítima                                           iniciativa, desenvolvida pela US Navy, visa, entre outros objetivos,
(operação COPPER), ao abrigo de um acordo com Moçambique                                                apoiar a edificação de capacidades de segurança marítima nos
e Tanzânia (que, entretanto, denunciou o acordo em 2013).                                               países africanos, beneficiando da colaboração de outras marinhas
                                                                                                        amigas, como tem sido o caso da Marinha Portuguesa desde 2005.
  Além disso, a operação ATALANTA da UE (cuja missão inclui, en-                                        Contudo, as African Partnership Stations têm-se focado essencial-
tre outras tarefas, o combate à pirataria e a escolta/defesa de na-                                     mente na costa ocidental africana e, em concreto, no Golfo da Gui-
                                                                                                        né, incidindo apenas esporadicamente no Canal de Moçambique.

                                                                                                        CONSIDERAÇÕES FINAIS

                                                                                                          Face a tudo o que antecede, estará na altura de colocar o Canal
                                                                                                        de Moçambique no radar da atenção internacional, de forma a
                                                                                                        evitar que este se constitua como o próximo foco da pirataria
                                                                                                        marítima, o que poderia acarretar consequências graves para a
                                                                                                        comunidade internacional, dada a importância da região para o
                                                                                                        abastecimento energético global e para o tráfego marítimo inter-
                                                                                                        nacional (ver, a propósito, mapa que ilustra este artigo).

                                                                                                          Nesse sentido, importará que a comunidade internacional
                                                                                                        implemente medidas de segurança que protejam os interesses
                                                                                                        que se estão a desenvolver e a concretizar na área, medidas es-
                                                                                                        sas que se devem dirigir não só contra a pirataria, mas também
                                                                                                        contra outras ameaças e riscos, numa perspetiva de abordagem
                                                                                                        integrada que inclua as componentes de security e de safety. Esta
                                                                                                        promoção da segurança marítima nunca deverá, ainda, ser desli-
                                                                                                        gada de uma ação mais abrangente visando a segurança regional
                                                                                                        e o desenvolvimento.

Inspeção de pesca por marinheiros gaboneses, sob supervisão de oficial português, no âmbito da African                                                        Sardinha Monteiro
Partnership Station 2009                                                                                                                                                         CFR

                                                                                                                                                        Miguel Ferreira da Silva
                                                                                                        Representante Português no African Center for Strategic Studies

                                                                                                                                                             de MAR12 a NOV15

                                                                                                        DEZEMBRO 2015            5
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