Page 4 - Revista da Armada
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o princípio do verão do longínquo ano de 1147, navegava No tempo do nosso segundo rei, eram estas terras povoa-
Nna costa portuguesa uma armada de cruzados, saídos de das por francos, que se dedicaram à agricultura e à faina do
Dartmouth com desƟ no à Terra Santa, onde queriam comba- mar. Foram a base do desenvolvimento de Atouguia, enquanto
ter mouros. Desta viagem longa, que se interrompeu na barra centro desse desenvolvimento pujante, de que é testemunho
do Tejo, para colaborar no cerco que D. Afonso Henriques fazia a magnífi ca igreja de S. Leonardo, construída no século XII. E
à Lisboa islâmica, fi cou-nos um circunstanciado relato, numa é fantásƟ co observar a forma como a natureza foi impondo a
carta escrita por um cruzado inglês, a um amigo distante cha- sua própria dinâmica aos homens, ditando as regras da estru-
mado Osberno. É o principal testemunho deste feito de armas, tura social e administraƟ va. A ilha de Peniche, transformada
que também nos fala da costa portuguesa e dos locais onde os em península, foi sendo povoada pelos pescadores de Atou-
navios se demoraram. No dia 27 de Junho fundearam junto a guia, cujas gerações mais anƟ gas Ɵ nham vivido no estuário da
uma ilha, chamada Peniche, afastada cerca de 800 passos da ribeira de S. Domingos. Por entre falhas da arriba rochosa, nos
terra fi rme, muito rica de veados e coelhos, onde se “encon- chamados “porƟ nhos” que se abrem na costa, encontraram os
tra a planta de alcaçuz” (erva doce). Suponho ser a mais anƟ ga seus abrigos, enquanto uma pequena povoação ia crescendo à
referência a este local, com a curiosidade de ser muito clara medida dessa mesma acƟ vidade maríƟ ma. Uma práƟ ca que já
a indicação de que se tratava de uma ilha. Hoje, a cidade de Ɵ nha uma signifi caƟ va importância no século XIII, em Atouguia,
Peniche está situada numa península, mas é muito clara a dife- mas que vai deslocar o seu centro para oeste, onde nascia a
rença geológica entre as penedias da sua parte ocidental, vira- vila de Peniche, que se autonomiza como concelho, em 1606,
das para o mar, e as terras de aluvião do istmo, que a ligam ao durante o reinado de Filipe II (III).
conƟ nente. Temos uma noção da importância crescente dessa acƟ vi-
Na sequência da conquista de Lisboa, e da preciosa ajuda dade maríƟ ma, desde a primeira dinasƟ a e ao logo do século
dada por estes cruzados, Afonso Henriques concedeu beneİ - XV, envolvendo uma intensa pesca ao largo, em embarcações
cios diversos a muitos deles, para que se estabelecessem na de vela, ou usando armações, colocadas na baía a sul (praia
terra portuguesa. Coube a Guilherme de Corny uma parcela “supertubos”) e nas Berlengas. Contudo, na primeira metade
larga de terras, entre a Lourinhã e Óbidos, no local da Atouguia do século XVI, Peniche sofreu uma sangria populacional pro-
e englobando Peniche. Começou assim o povoamento desta funda, vendo as suas gentes a emigrar, atraídas pelo sonho da
região, onde havia terras pantanosas, drenadas para a agricul- Expansão ultramarina. No entanto, recuperou rapidamente a
tura, com o controlo da ribeira de S. Domingos. À época esse primiƟ va energia, que se espelha no alargamento e densifi ca-
curso de água desaguava num pequeno estuário aberto, que ção da malha urbana da península. São disso exemplo as igrejas
formava um porto de abrigo. E supõe-se que foram os inten- construídas na vila, no fi nal do século e princípio do seguinte:
sos trabalhos agrícolas que alteraram o regime das areias e dos Nossa Senhora da Ajuda, na parte norte (Peniche de Cima),
depósitos sedimentares, facilitando o assoreamento, que ligou começada ainda no século XVI; Igreja da Misericórdia, come-
a ilha ao conƟ nente. çada em 1626 e terminada a parte arquitectónica em 1634;
e a Igreja de S. Pedro, onde teve lugar o concerto de gala e a
missa do Dia da Marinha, construída sobre a capela do Espírito
A cidade de
PENICHE
4 JUNHO 2018

