Page 5 - Revista da Armada
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Santo (séc. XV) e acabada em 1593. Qualquer destes templos incluiram uma longa muralha, a fechar o istmo da península,
tem uma grandiosidade arquitectónica e valor arơ sƟ co notá- isolando-a do conƟ nente, contra qualquer ameaça. Essa mura-
veis, expressão de uma religiosidade própria dos tempos e das lha corria desde o Forte das Cabanas até à Gamboa (a norte) e
gentes do mar, mas, sobretudo, da dimensão social do povoado Ɵ nha um fosso profundo, feito por um braço de mar que ainda
que crescia rapidamente. pode ser visto em quase toda a sua dimensão.
Estes séculos XVI e XVII trouxeram, porém, difi culdades acres- Peniche assumia, assim, o papel de uma vila fortemente for-
cidas para a vida das populações ribeirinhas de toda a costa Ɵ fi cada, à medida da violência dos tempos, da instabilidade
portuguesa. A par da expansão ultramarina, portuguesa e peninsular e da ameaça constante no mar. Não perdia, apesar
espanhola, e das viagens oceânicas que retornavam com rique- de tudo, o seu vigor económico, assente na acƟ vidade piscató-
zas exóƟ cas, cresceu a cobiça que trouxe ao atlânƟ co ociden- ria e na construção naval. O porto dava abrigo aos caíques de
tal um crescendo de pirataria e corso. Inicialmente, foram os pesca do alto, e a batéis e lanchas que faziam a sua faina mais
europeus, inimigos de Portugal, ou da Monarquia Hispânica. perto da costa. Ao abrigo do forte, podiam entrar no “PorƟ nho
Mas com o século XVII vieram também os navios das potências da InvesƟ da” ou fundear na baía.
islâmicas do Norte de África, que se aventuravam no AtlânƟ co, A importância das pescarias de Peniche merece um especial
cada vez com mais frequência e capacidade militar. A incerteza destaque de Baldaque da Silva, no fi nal do século XIX, quando a
e o desassossego passaram a ser o quoƟ diano da vida das gen- costa já estava livre de piratas e corsários. E a acƟ vidade é cres-
tes, obrigando a coroa a fortes medidas de reforço das defesas cente na primeira metade do século XX, complementada pela
da costa. indústria conserveira, nascida com a Grande Guerra.
Peniche foi como que uma senƟ nela do AtlânƟ co, vigiando Se o povoado passara a vila e sede de concelho, em 1606, a
o mar e oferecendo abrigo contra estes raides de corsários, sua importância em relação a Atouguia será sempre crescente
ou prevenindo o desembarque de inimigos nas praias a sul e e, em 1836, será esta que verá o seu estatuto diminuído, pas-
a norte. O actual porto tem a sua origem no anƟ go “porƟ nho sando a ser uma freguesia do concelho de Peniche. O fi lho que
da invesƟ da”, com dois ilhéus à entrada, hoje integrados arƟ fi - se autonomizara tutelava a vida políƟ ca do pai que o fi zera
cialmente na muralha. Mas, observando com alguma atenção, grande. O novo município alargado conƟ nuará virado para
vemos o que foi um desses ilhéus, na zona onde está a Estação o mar e a pesca, com embarcações de maior porte e capaci-
de Salvamento do InsƟ tuto de Socorros a Náufragos, onde ainda dade que exigiam um porto seguro, abrigado aos tempos de
há restos de uma muralha do que foi o “forte das cabanas”. A sudoeste. Um sonho que começou a concreƟ zar-se, em 1936,
construção da fortaleza de Peniche foi ordenada por D. João III, com a construção do primeiro molhe. As obras, contudo, pro-
no ano de 1557, pouco tempo antes de morrer. Ficou encarre- longar-se-iam por fases sucessivas até aos anos oitenta.
gado de orientar as obras D. Luís de Ataíde, conde de Atouguia Hoje, Peniche é uma cidade próspera (a cidade mais ocidental
e alcaide-mor da vila. O “baluarte redondo” fi cou pronto no da Europa), que conƟ nua virada para o mar, alargando a sua
ano seguinte, mas a conƟ nuidade das obras foi compromeƟ da acƟ vidade ao turismo, ao veraneio e recreio, com uma marina,
(provavelmente) pelas ausências do conde no governo da Índia, uma intensa oferta hoteleira, uma culinária tradicional de
por duas vezes. Só no tempo de D. João IV, em plena guerra requinte e uma personalidade cultural consistente, que a nossa
da Restauração, se decidiu voltar às obras de forƟ fi cação, que Marinha teve ocasião de testemunhar neste ano de 2018, nas
comemorações do Dia da Marinha.
J. Semedo de Matos
CFR FZ
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
Foto 1SAR ETC Silva Parracho
JUNHO 2018 5