Page 2 - Revista da Armada
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ODE MARÍTIMA
(EXCERTOS)
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Toda a vida marítima! tudo na vida marítima! Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos,
Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e morrer!
E eu cismo indeterminadamente as viagens. E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte! Componde fora de mim a minha vida interior!
Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas! Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens,
As solidões marítimas como certos momentos no Pacífico Chaminés de vapores, hélices, gáveas, flâmulas,
Em que não sei por que sugestão aprendida na escola Galdropes, escotilhas, caldeiras, colectores, válvulas;
Se sente pesar sobre os nervos o facto de que aquele é o Caí, por mim dentro em montão, em monte,
maior dos oceanos Como o conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão!
E o mundo e o sabor das coisas tornam-se um deserto dentro
de nós! Álvaro de Campos , 1ª publ. in Orpheu, nº2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915.
1
(...)
Notas
1 Heterónimo do criativo e misterioso escritor português Fernando Pessoa, com avós oriundos de Faro e de Tavira e que fez, pelo menos, 4 longas viagens marítimas ente Lisboa e a África
do Sul. Daí o seu “irmão” Álvaro de Campos ser algarvio, engenheiro naval (formado na Escócia), alto, magro e viajado. O protótipo do novo homem, produto da civilização industrial, na
eterna procura de sensações fortes e modernas.
Foto Filipe Madeira, AERO FOTO ALGARVE