Page 4 - Revista da Armada
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A CIDADE DE FARO,



          CAPITAL DO ALGARVE



           Este  ano,  a  Marinha  celebrou  a  sua  festa  na  cidade  de  Faro,   Diz  uma  lenda  que,  no  século  XI,  a  cidade  de  Ukxûnuba
          berço  de  muitos  milhares  de  marinheiros,  com  tradições   (Ossónoba)  foi  assolada  por  uma  fome  terrível  devido  à
          marítimas  que  remontam  a  mais  de  dois  mil  anos.  Capital  do   escassez de pescado. Os moçárabes pediram fervorosamente a
          Algarve desde o século XVI, é banhada pelo Oceano Atlântico,   intervenção de Santa Maria, colocando uma imagem sua virada
          mas  mantendo  sempre  um  pé  no  Mediterrâneo,  onde  sorveu   para o mar e, como resultado da sua fé, o peixe regressou em
          toda  a  sua  tradição  marítima.  São  fenícios  ou  cartagineses  os   abundância. Governava o pequeno reino Mohamed ibn Said ibn
          vestígios mais antigos que a arqueologia encontrou no subsolo   Harun, que (se diz) ficou muito impressionado com o milagre e,
          do casco antigo farense. Mas, depois da segunda guerra púnica, o   desde então, permitiu que a sua cidade tomasse o nome de Santa
          domínio de Roma foi absoluto. Naquele tempo, a configuração da   Maria. Seria Santa Maria de Harum que, naturalmente, viria a ser
          ria era bastante diferente de hoje e a povoação ocupava apenas   Santa Maria de Faro. Há muitas dúvidas sobre a origem da lenda,
          o  que  era  a  pequena  península,  perceptível  pelo  traçado  das   mas é certa a devoção da população moçárabe e a relação entre
          muralhas, com um porto a sueste (n.º 1), virado para o actual   o nome de Faro e o rei ibn Harum.
          largo  de  S.  Francisco.  Diz-nos  Estrabão  (século  I  a.C,)  que  se   A precariedade do poder islâmico Ibérico centralizado em Córdova,
          chamava Ossónoba, nome que a arqueologia veio a confirmar e
          que a tradição manteve até ao século XI.            permitiu a proliferação de soberanos locais (como o rei de Ukxûnuba,
           A  pirataria  da  entrada  do  Mediterrâneo  era  a  sua  principal   ou Santa Maria de Harum), cujo poder só foi interrompido pelas
          preocupação  e,  como  todas  as  cidades  mediterrânicas,  foi   invasões dos Almorávidas e dos Almóadas. Estes últimos entraram
          obrigada a proteger-se, construindo uma cerca muralhada à sua   na Península em 1148, um ano antes das conquistas de Santarém
          volta. E sempre ali houve um comércio profícuo feito por mar, a   e Lisboa, por D. Afonso Henriques, permanecendo por cerca de um
          par da prática piscatória, com a conserva de peixe e a preparação   século. É a eles que se deve a mais sólida construção da muralha de
          do garum, exportado em ânforas feitas em olarias locais.  Faro.
           A invasão islâmica da Península, que teve lugar no século VIII,   Os  Almóadas  foram  derrotados  por  uma  coligação  de  forças
          trouxe uma nova fé e novos senhores. E quase todo o Algarve foi   cristãs em Navas de Tolosa, em 1212, e o islão peninsular entrou
          tomado sem resistência, aceitando o domínio muçulmano que   num processo de decadência sem retorno. Uma decadência que
          se mostrava muito tolerante em questões religiosas, permitindo   permitiu a conquista de todo o vale do Guadiana, até Aiamonte,
          a prática livre do cristianismo. Com isso nasceu, em todo o sul da   e depois o Algarve. Silves caiu em 1240 e Faro sucumbiu em 1249,
          Península Ibérica, uma cultura própria, designada por moçárabe   depois de um cerco montado pela Ordem de Santiago e pelas
          e  caracterizada  pela  manutenção  do  culto  cristão  num  espaço   forças de D. Afonso III. Diz a crónica que o rei se ocupou da parte
          arabizado: cristãos que falavam árabe e partilhavam os costumes   oriental e sul, enquanto o Mestre Paio Peres Correia ocupou a
          da civilização recém-chegada.                       parte norte e noroeste, ficando a frente marítima entregue a uma
































          Foto Ana Maria Abrão
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