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REVISTA DA ARMADA | 576
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O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO
DA NATO
Na recente cimeira de Madrid, foi aprovado o novo Conceito Estratégico da NATO, que orientará a transformação evolutiva da Aliança
Atlântica na próxima década e que constitui uma verdadeira declaração pública de coesão, vontade e capacidade de vencer os
múltiplos desafios que ameaçam os valores partilhados pelos aliados.
Cabe aqui recordar que, até à queda do Muro de Berlim, em 1989, estes documentos estruturantes eram classificados, sendo que só
em 1991 foi aprovado, em Roma, o primeiro Conceito Estratégico não classificado. Depois disso, o Conceito Estratégico foi revisto em
1999 (na cimeira de Washington) e em 2010 (em Lisboa), pelo que o documento agora aprovado é o quarto publicamente divulgado,
demonstrando o seu duplo propósito de orientação estratégica e de diplomacia pública.
O Conceito Estratégico de 2022 divide-se em quatro secções: Propósito e princípios; Ambiente estratégico; Funções essenciais da
NATO; e Assegurar o sucesso continuado da Aliança.
PROPÓSITO E PRINCÍPIOS à segurança aliada e ao modo de vida democrático, embora sem
a caracterizar como uma ameaça. Contudo, são manifestadas
a primeira secção, sublinha-se o propósito da NATO de preocupações relativamente à forma como utiliza instrumentos
Nassegurar a defesa coletiva de todos os aliados, contra todas militares, políticos e económicos para aumentar a sua presença
as ameaças, oriundas de todas as direções, reafirmando-se a global e para projetar poder e influência, num quadro de
sua natureza defensiva. Complementarmente, enunciam-se opacidade quanto às suas intenções estratégicas.
os princípios base da aliança (solidariedade, indivisibilidade da Ao mesmo tempo, reafirma-se que o terrorismo continua
segurança e compromisso com a defesa coletiva) e os valores a ser a ameaça assimétrica mais direta à segurança comum
comuns (liberdade individual, direitos humanos, democracia e dos aliados, sendo também apontados os desafios colocados
primado da lei). pela conflitualidade, fragilidade e instabilidade na vizinhança
Tendo presente o atual antagonismo entre multilateralismo próxima, nomeadamente em África e no Médio Oriente, que
(geralmente associado às democracias liberais) e nacionalismos constituem terreno fértil para a proliferação de grupos armados
exacerbados (normalmente ligados a democracias iliberais ou não-estatais, incluindo organizações terroristas, e que facilitam
autocracias), esta parte inicial do Conceito Estratégico posiciona a desestabilização e a interferência por parte de competidores
claramente a NATO no primeiro grupo, advogando uma ordem estratégicos.
internacional baseada em regras e o respeito pela democracia e São ainda elencados alguns elementos que tornam o ambiente
pelos valores liberais, o que não deixa de envolver algum exercício estratégico mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, como:
de realpolitik, devido às conhecidas tendências populistas de • As ameaças no ciberespaço e no espaço;
alguns aliados. • As tecnologias emergentes e disruptivas;
• A erosão da arquitetura de controlo de armamentos, não-
AMBIENTE ESTRATÉGICO proliferação e desarmamento; e
• Os impactos securitários das alterações climáticas.
A segunda secção destaca a crescente competição
estratégica, com atores autoritários e revisionistas a desafiarem
persistentemente os países aliados, usando instrumentos
ideológicos, políticos, económicos, tecnológicos e militares.
Nesse quadro, são expressamente nomeadas a Rússia e a China,
manifestando-se preocupação com a convergência estratégica
crescente entre ambas.
A Rússia é aqui referida como a ameaça mais significativa e
mais direta para a segurança da Aliança, deixando de poder ser
considerada um parceiro da NATO (como era classificada no
Conceito Estratégico de 2010). Refere-se, também, o objetivo
russo de desestabilizar países nos flancos Leste e Sul, e de
perturbar a liberdade de navegação no Atlântico Norte, no Ártico
e nos Mares Báltico, Negro e Mediterrâneo.
A China – pela primeira vez mencionada num Conceito
Estratégico da Aliança – é apontada como um desafio sistémico
4 AGOSTO 2022