Page 94 - Revista da Armada
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AQUILO  QUE  A GENTE  NÃO  ESQUECE  (8)



             Os aplausos





             na terra de D.Aleixo







                Alguém morreu um dia por se negar a pisar a sombra   coro,  respondendo alto e  bom som  às  palavras do cele-
             da bandeira portuguesa. Foi D. Aleixo, o régulo timoren-  brante, no vernáculo  idioma de Camôes.  No outro lado
             se em cuja alma ardia um apaixonado amor pela pátria-  do Mundo, em plena área antípoda, os naturais de Ataú-
             -mãe, esse Portugal distanté, senhor das terras de Timor,   ro, pequena ilha de Timor, faziam-me saborear a gnlnde-
             que um dia viria a perder. Orgulho-me de ter estado nes-  za da lusitanidade.
             sas  paragens  longínquas,  durante  duas  curtas semanas,   Só por isso teria valido a pena aquela ida a Atauro, da
             em  1970,  numa escala de permeio entre  Macau e a Aus-  qual me recordo enlevado quando, uma vez por outra. me
             Irália. Águas calmas e límpidas serviam de espelho a uma   detenho  a  olhar  algumas  fOlos  que  por  ali  foi  possível
             temI verdejante, montanhosa, idílica, exótica.      tirar.
                De Dili a  Baucau,  Lospalos, Bohonaro, Ermera, Ai-  Ainda por lá, em T imor, ofereceu-se a ocasião de um
             leu. Aifu, foi-me dada a oportunidade de apreciar as raras   jogo de  futebol entre uma equipa local  e a da guarnição
             belezas de T imor, de contactar com  a sua gente. de me   da fragata.  Amigável  e  cortês, assim se  podia classificar
             aperceber de estranhas realidades.                  o encontro. Já não sei qual a equipa vencedora. Mas lem-
                Até me foi possível ir a Ataúro, uma pacífica ilha habi-  bro-me, isso sim, de que no final , a assistência se levantou
             tada por umas centenas de pessoas, só nflO  tornada o pa-  e começou a gritar cm uníssono: «Benfica,  Benfica. Ben-
             raíso dos hippies por ficar tão distante dos centros confu-  fica  .. »
             sos e estonteantes da Europa ou da  América.  Lá  fui  em   Bons tempos, aqueles em que em  paragens remotas
             um  domingo de sol acariciador, acompanhado de algum   até  o  Benfica  era  conhecido.  Hoje, quem  sabe,  talvez
             pessoal da  fraga ta  «Comandante João Belo». numa pe-  nem o  nome de Portugal seja recordado e, se o é, sê-lo-á
             quena lancha que a Capitania de Dili pôs à nossa disposi-  certamente com certo sabor de decepção.
             ção.                                                   Não há muito. a caminho de Lisboa pela auto-estrada
                Anteriormente avisado, via  rádio. da nossa ida, oad-  que  liga  o  Estádio  Nacional  ao  Marquês  de  Pombal.
             ministrador de posto fez questão de nos receber com  to-  olhando o  vale do Jamor, onde umas centenas de timo-
             das as honras. O bispo de Dili, D. José Ribeiro, tinha-me   renses  se  albergam  em  pequenas  casas  pré-fabricadas.
             pedido que, uma vez que visitava a ilha de Ataúro, ai cele-  comentava com un~ amigos: esll'S II/ere/"iml/ II/l'fhO/" .HII"/('.
             brasse  missa  para a população. já que o  mission<írio en-  Na  verdade, tanto eu como a gente da <doão  Belo» ,
             carregado da sua cv.mgelização se encontrava hospitali-  como tantose tantos portugueses que um dia visitaram Ti-
             zado. Para espanto de todos e muito particularmente para   mor, e tantos eles são, ficaram enfeitiçados e presos àque-
             mim, a assistência foi numerosa e toda ela participava em   la terra.
                                                                    Não vamos mais longe. Um dia destes entra em minha
                                                                 casa  um  amigo dos tempos da Guiné, o  dr.  Justino Ra-
                                                                 mos. Detinh,Hne a .. Iinhavareste pequeno apontamento.
                                                                    -  Então, mais um trabalho para a «Revista da Arma-
                                                                 da»? -perguntou aquele meu amigo.
                                                                    - É verdade.  E desta vez sobre uma terra longínqua
                                                                 e que tu não conheces.
                                                                   - Não me digas que é sobre Timor!
                                                                   - Parece que és bruxo. é mesmo isso.
                                                                   - !?  Ê que eu estive lá quase dois anos- martelou .
                                                                 eSIIlf1efl/cw.  fi  1111'11  l/migo  -  t'  digo-Ie  -  (/("I"I'.I{"('I/IOI!  -
                                                                 ainda hoje tenho saudades daquela terra.
                                                                    E inclinando-se um pouco sobre as folh<ls Que eu puse-
                                                                 ra  de  parte.  parecia devorar sofregamente quanto havia
                                                                escrito.
                                                                    Pelo que me contaram, e  por aquilo que a imprensa
                                                                 mundial vai dizendo. as coisas não andam muito famosas
                                                                por lá. Que pena! E tanto mais pena me dá, quanto é certo
             A  ,-isi/o"" i/l", d,' A/wím.                      que  a  sua  gente  estava  ligada  ao  espírito  português.
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