Page 249 - Revista da Armada
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ção: o oitante e os seus derivados e confirmará que em Navegação, e
e o cronómetro de bordo. Hidrografia não aprendeu muito em
De facto, a primeira parte des- frequentar a Universidade (').
ta «Descrição e uso dos instrumen- Mesmo à distância de quase
tos de reflexão ( ... )~~, constituida por dois séculos, apercebemo-nos de
79 páginas, é totalmente consa- que Francisco Cabral foi, imerecida-
grada ao oitante e ao círculo de mente, mal tratado, no referido lití-
reflexão, o que talvez seja ainda o gio da carta de Cabo Verde, facto
mais pormenorizado estudo sobre que, de certo modo o desprestigiou.
estes instrumentos que se escreveu Sobre o asSWlto Inácio Guerreiro
em Ungua portuguesa. num estudo recente diz: O atraso
A segunda parte do manual da nossa hidrografia e roteirlstica
dedica 14 páginas de texto à no inicio do stkulo XIX nem sem-
descrição do cronómetro, e a sua pre permitia avaliar com rigor o
utilização em métodos de cálculos m~rito das inovações em tal maté·
da longitude por alturas do Solou ria; dai o juizo algo precipitado
das estrelas, além do recurso às sobre uma carta que, embora cheia
distâncias IWlares para o mesmo de imperfeições, evoluia no sentido
efeito. de maior correcçAo (1).
A última parte do manual inclui Voltando à «Descrição e uso dos
Agulha ~étka refarlct. no tano, cU
uma colecçAo de tábuas necessá- autoria de Francisco c.bRll-1197 (toco da instrumentos de reflexão ( ... )11, con-
rias para abreviar os cálculos de Reinaldo Carvalho, feita por gentileza da sideramos que, no nosso pais, este
astronomia náutica que se empre- Academia de Ci~nciu de Usboa). manual bastante adiantado para a
gam no uso da navegação, com época, pois as publicações que a
exemplos vários da sua utilização. e exacção, que o Censor, ganharei seguir aparecem, o 4cTratado de
Porém, não nos parece que este vinte moedas de ouro; do contrário, Navegar,. de 1823 de António
manual tenha tido grande aceita- bem entendido. O mesmo PrAmio Gregório de Freitas, é francamente
ção. São duas, a nosso ver, as de vinte moedas contra outro de retrógrado, pois ainda apresenta
razOes desta indüerença. A pri- cinco moedas somente, se fizermos um método de calcular a longitude
meira resulta da circunstAncia de estas, e outras observações a bordo pela declinação que já tinha sido
Cabral ter publicado em 1790 uma de uma embarcação mesmo no Rio condenado por D. João de Castro,
carta do arquipélago de Cabo de Lisboa, andando à vela. Estas quase três séculos antes (I) e o
Verde, que foi motivo de longa e apostas subsistirão quatro meses; «Piloto Instruidoll de AntÓnio Lopes
acesa controvérsia que se desenro- com tanto que, findo este tempo, e de Almeida, aparecido em 1830,
não tendo concorrido o Censor,
lou a partir de 1804 entre ele e 08 que pouco adianta à publicação de
c'ensores que negavam a validade confesse ao menos, que eu sei Francisco Cabral.
da carta. Estes eram membros da observar, e calcular tão bem como Aliás, este estudioso de assun-
recém-criada Sociedade Real Marí- ele (6). tos ligados à navegação que preten-
tima que tinha poderes para inter- A segunda razão deve-se ao demos tirar do esquecimento, é
ditar a venda de todas as cartas facto de Francisco Cabral não ter ainda autor de uma agulha magné-
marítimas, estrangeiras ou nacio- formação académica o que, para a tica azimutal, pela qual recebeu
nais, sem que fossem por ela pre- época (e agora, não?) constituía uma medalha de prata que lhe foi
viamente examinadas e aprovadas. uma nota negativa. A este respeito, conferida em 1801 pela Academia
Para dar uma ideia ao leitor do tom queixa-se Cabral: Em quanto às de Ciências de Lisboa ('). Esta
a que chegou a discussão, basta breves lições de Pilotagem, em que agulha, datada de 1797, que ainda
dizer que, num dos seus escritos, me fala o meu Biográfico, creio quer existe no património desta presti-
Cabral. ao ser acusado de não ser dizer, que não frequentei Universi- mosa instituição, apresenta como
capaz de rectificar os instrumentos dades, etc.! Talvez nada perdesse novidade o facto de ser montada
de altura ou de calcular a latitude, com esta falta de frequência, por- sobre molas em espiral.
desafia o seu adversário para um que o meu fim sempre foi desejar
curioso duelo. Damos-lhe a palavra: saber, para me ocupar, e recrear, e
( ... ) proponho um PrAmio de vinte não para ganhar documentos com
moedas de ouro contra outras vinte actos de mem6ria, que muitas
moedas, que eu, e o Censor have- vezes s6 servem para blasonar, e A. Estácio dos Reis,
mos de depositar, a fim de fazermos não para satisfazer o desejo de cap.-m,.g,
ambos com os mesmos instrumen- quem ama verdadeiramente as
tos quaisquer observações para Artes e Ciências. t ... ) Para o meu ~) Idem, pág. 74, nota e).
determinar a latitude e a longitude, Biográfico disto se convencer, não (') A SocIedade Real Mlll1tima e o Exa·
e depois deduzirmos os resultados; precisa mais, do que olhar para si, me dai Cartas Hidrográficas. Censura da
propondo eu os instrumentos; e os e depois para a Análise, e Censura; Carta de Cabo Verde de Franc:iIlCO António
Cabral (1790).
mAtodos de calcular fjcarão Itad
rJ fl5egunda MamOn"a Hydrograljca das (") R6muJo de Carvalho. A Actividade
libitum» de ambos: se eu observar,
Ilhas de Cabo Verde ..... Ll.Jboa MDCCCVI, Pedagógica da Academia de Ciênciaa de
e calcular com a mesma brevidade, pég.48. lliboe. noe Séculos xvm e XIX. Lisboa J98J.
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