Page 260 - Revista da Armada
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~S SETE VI~GENS DE

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                                  O MARINHEIRO

                                                                           I ~


          A segunda viagem






                 o desfruto da mais bela e  pacata das existên-  nheiros, e, correndo à praia, sÓ descobriu ao longe. no
                 cias, Sindbad. mesmo assim,  não esquecia a   horizonte,  uma vela que se afastava.
          N emoção de contemplar  novas  terras,  ilhas e        Oh  que  desastre  imensol  Ele,  s6,  abandonado
          coisas desconhecidas, frutos  e  especiarias cujo pala-  numa ilha desconhecida e  desabitadal Que vida sem
          dar nem a mais bem guarnecida mesa fazia esquecer.   esperança com  todos  os seus  haveres  a  bordai  E  a
          E  não demorou que nAo  comprasse de novo grande    angústia roía-o até ao mais íntimo das suas entranhas.
          porção de mercadorias, e  com  elas embarcasse em   Ele, que por milagre, quase, se salvara quando náu-
          navio de bom porte, boas velas,  cheio de marujos  e   frago  no  lombo  da  baleia,  por  que  havia  de  ter-se
          de  outros  mercadores,  e  voltasse,  enfim.  a  viajar.   metido  noutra  andança  bem  pior,  deixando  a  vida
              Feitos ao mar, aí foram de porto em porto, de ilha   pacata  na sua querida  Bagdade,  que  lhe corria  tão
          para  ilha,  de  oceano  em  oceano,  umas  vezes  para   amena e sem sobressaltos? E arrepelava·se, contorcia-
          norte,  outras  para  sul,  dias  e  dias  na  lota  do  501   -se, enganchava urna na outra as duas mãos. torcia os
          nascente,  vendendo  e  comprando  (sempre,  é  claro,   dedos, e arrojava-se ao chão, chorando já a sua morte I
          com apreciável vantagem no negócio). Levados pelo   Por pouco não ca1a no estupor a  que o  desespero o
          destino,  depararam  em  certa  altura  com  uma  ilha   conduzia.
          muito  formosa,  de  lindas  praias  e  arvoredos,  de   Porém, concluindo pela inutilidade de tais lamen-
          sombras repletas de canto de aves, de águas crista-  tos, e ainda que sem esperança, desatou a vaguear ao
          linas manando das fontes,  mas sem o  menor indício   acaso,  não sem temor e  cautelas quanto a  possíveis
          de presença humana. Todavia, para que não fosse tudo   feras ou maus encontros por ali. Pesava já a hipótese
          apenas negócio e lucro, pediram ao capitão que ali se   muito provável do regresso a  Alá, donde tudo afinal
          demorasse algumas horas, e eles pudessem desentor-  provinha, mas que fosse, mesmo assim, o mais tarde
          pecer as pernas, gozar aquele pedacinhO de paraíso,   possível.
          convidativo à  fuga da can1cula.                       Trepou ao  topo  duma árvore,  donde  prescrutou
              Lançado o ferro em fundo suave,  perto da praia,   toda a  redondeza que o olhar abrangia. Só terra, céu
          logo num bote se fizeram a  terra munidos de provi-  e mar. Um ponto, no entanto, parecia destoar do resto,
          sões para óptima refeição. O ar pwo e fresco, as som-  lá bem longe, branco, liso, redondo. Mesquita não era,
          bras de enormes árvores repletas de frutos apetitosos   pois lhe falecia  o  minarete, e  o  muezim  não tinha a
          e aromáticos, o saborear da refeição ali confeccionada   quem  chamar,  Desceu  da  árvore  e  dirigiu-se,  com
          a  fogo  de lenha e  o  marulhar  da água jorrando das   cautela,  para o  lado do insólito ponto branco.
          fontes pediam um descanso sob a copagem frondosa,      Andou, andou, e  de súbito viu à  sua frente espé-
          e  fiindbad deitou-se e  adormeceu.                 cie de cúpula enorme, de brancwa imaculada, porém
              Quando acordou, não viu já nenhum dos compa-    sem torre nem entrada. Medida a passos seus, a toda

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