Page 333 - Revista da Armada
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lhe havia sido ordenado, por não existi- vios ponugueses em chamas para o largo bilidade de substituir o «militafl> pelo
rem esses materiais na terra, o que era e deixou-os arder até se afundarem, «comerciante..
razão mais que suficiente, mas também enquanto se dirigia com toda a sua A este respeito, será de justiça salien-
porque entendeu que uma feitoria seria armada para a tranqueira que submeteu tar que D. Manuel se deverá ter aperce-
bastante, dada a cordialidade demons- a um intenso bombardeamento. Quando bido da natureza do problema, pois que
trada pelas autoridades e pelos habitan- verificou que os portugueses já não em 1517 enviou à índia Fernão de Alcá·
tes das ilhas. ripostavam, desembarcou e deu o assalto çova com O cargo de vedor da fazenda ,
Veio então o período da _monção .. e fmal à feitoria. Defendeu-se João Gomes isenlo da autoridade do Governador. A
João Gomes e os seus homens foram valentemente durante algum tempo, aju- sua ideia era que este se passasse a dedi-
aproveitando o tempo para reunir gran- dado pelos poucos homens que tinha con- car exclusivamente aos assuntos milita-
des quantidades de cairo que iam buscar sigo, mas acabou por ser morto. Então, res e aqueles aos do comércio. Mas os
onde lhes apetecia e que pagavam pelo os nossos soldados desordenaram-se e fidalgos fizeram tamanha obstrução a
preço que queriam. Com estas e outras fugiram para as aldeias vizinhas onde Fernão de Alcáçova que ele, no mesmo
prepotências, escandaJizaram o rei e a acabaram por ser todos chacinados pela ano em que chegou, pediu para regressar
gente da terra que, arrependidos das população, em razão do grande ódio que a Ponugal! No ano de 1519, D.Manuel
facilidades que tinham dado aos Ponu- lhes tinha criado. repetiu a tentativa de separar a .. guerra,.
gueses, só pensavam agora na maneira Patemarcar embarcou nos seus na- do «comércio,. enviando à Índia o doutor
de conseguirem ver-se livres deles. vios todas as mercadorias e armamemo Pedro Nunes, também como vedor da
Provavelmente no termo da -mon- que encontrou na feitoria, à excepção de fazenda e isento da autoridade do Gover-
ção., o rei das Maldivas mandou secre- duas bombardas que por serem muito nador. Mas os resultados não foram
tamenle um emissário a Calicut onde terá pesadas não pôde levar, e desapareceu. melhores. No emanlO, com o decorrer
entrado em contacto com um corsário Quando o Governador veio a saber do tempo, foi essa a solução que acabou
chamado Patemarcar, grande inimigo do acontecimento, ainda pensou em man- por prevalecer com resultados satisfa-
dos Ponugueses, a quem pediu que fosse tórios.
dar organizar uma armada para o perse-
destruir a nossa feitoria. Convirá expli- guir. Mas, não sabendo ao certo qual era
car a razão porque Patemarcar se fez cor- o seu paradeiro, desistiu da ideia e o
sário e porque nos tinha tanto ódio. MALACA (Inverno de 1519)
assunto caiu no esquecimemo.
Anteriormente, era apenas um rico mer-
Assim se perdeu uma excelente opor-
cador, muito íntimo dos portugueses e Com a destruição da tranqueira de
tunidade de estabelecer comércio regu-
que com eles tinha grandes amizades. Muar, D. Aleixo de Menezes, pensando
lar com as Maldivas com grande proveito
Certo dia, os nossos navios tomaram-lhe que Malaca ficava segura, resolveu
duas naus ricamente carregadas, apesar para ambas as partes. regressar à fndia para onde partiu nos
de levarem -cart.az-. Infelizmente não se tratou dum caso primeiros dias de Dezembro de 1518.
Queixou-se Patermarcar às nossas isolado. No Oriente, regra geral, a falta Muitos fidalgos que não simpatizavam
autoridades e aos seus amigos mas nin- de sentido mercantil dos fidalgos, aliada com o capitão de Malaca, AfonSo Lopes
guém lhe fez justiça para não termos que à sua arrogãncia natural e à sua preo- da Costa, aproveitaram a ocasião para ir
devolver a mercadoria roubada. Indig- cupação de enriquecer rapidamente com ele acompanhados, naturalmente,
nado, fez-se corsário e jurou guerra de durante os três anos da comissão, impe- pelos seus soldados preferidos. A armada
morte aos Portugueses. dia os Ponugueses de assentar em bases de Fernão Peres de Andrade também lar-
. Por isso, logo que recebeu o pedido sólidas e duradouras a exploração do gou pela mesma altura. De tudo isso
do rei das Maldivas, apressou-se a seguir riquíssimo monopólio comercial de que resultou que ficaram em Malaca menos
para lá com doze fustas bem artilhadas dispunham. É certo que, para garantir o de duzentos ponugueses, a maior parte
e guarnecidas com gente escolhida. seu domínio militar, Ponugal não podia dos quais doentes. Para guarnecer a
Estando minuciosamente informado prescindir do concurso dos fidalgos, ou fortaleza e a armada, Afonso Lopes
da situação da nossa feitoria e dos nos- seja, da «nobreza.; mas, para poder tirar apenas podia contar com cerca de setenta
sas navios bem como dos hábitos das proveito económico desse domínio, pre- homens válidos!
suas guarnições, Patemarcar, certo dia, cisava de comerciantes, isto é. duma Naturalmente que o rei de Bintão não
possivelmente em fms de Setembro ou «burguesia mercantil. de que não dispu- ia desperdiçar tão excelente oponuni-
princfpios de Outubro, atacou-os de sur- nha, dado que essa burguesia, que se dade. Ao mesmo tempo que reatava as
presa, um pouco antes do nascer do sol. começara a fonnar a partir do reinado negociações de paz para melhor iludir os
Em primeiro lugar, mandou seis paraus de D. Dinis, havia sido dizimada durante Ponugueses, ia tratando de reorganizar
contra a caravela e dois comra um dos o período das quatro guerras com Cas- as suas forças. E, logo que se considerou
restantes navios, ou seja, as duas fustas tela, de 1369 a 1411. Durante o reinado preparado, lançou novo ataque por mar
e o catur. Estando os marinheiros a dor- de D. Manuel e seguintes, a sua influên- e por terra contra Malaca, em moldes
mir, sem qualquer vigIa (I), os paraus cia na condução da polftica ultramarina semelhantes ao do ano anterior.
puderam aproximar-se sem ser semidos é, práticamente, nula. Apesar de ter à sua Mais uma vez, ao romper do dia, a
e lançar fogo aos navios com panelas de disposição o manacial imenso das rique- armada de Bintão, na força de oitenta e
pólvora. Quando os nossos acordaram, zas do Oriente, Portugal não conseguiu cinco lancharas artilhadas, apareceu de
estremunhados e meio sufocados pelo enriquecer, ao contrário do que aconte- súbito diante da cidade e pôs fogo a duas
fumo, já o incêndio tinha atingido tais ceu com as outras nações da Europa que naus de mercadores e a uma galé que
proporções que só lhes restou lançar-se se lhe seguiram. sobretudo porque, no estavam fundeadas próximo da ilha das
à água e nadar para terra. momento próprio, devido às suas estru- Naus, sem que ninguém lhes pudesse
Patemarcar mandou rebocar os na- turas sociais antiquadas, não teve possi- acudir por a ll"UlÚ estar muito baixa e não
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