Page 337 - Revista da Armada
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         XV-Uma partida de guarda-marinha





                que  se  vai  ler  ndo  é  do  meu   À proa do  navio,  sobre o  pequeno   cabo de quarto.
                tempo, mas acontecera antes da   castelo, o vigia estendia os olhares para   - Tope!
         O  minha chegada a Luanda para     o  curto  horizonte  de  mar,  o  quarto   E  deitando  a  mIJo  à  linha,
         a primeira estaçi10 e andava na memória   acochava-se  ao  redor  da  escotilha  da   impedindo-a de correr mais,  e às apal-
         de  toda  a gente.  Tal e  qual a tradiçilo   máquina e mais à ré os moços da barca.   padelas, contava o número de nós cor-
         a contava assim eu a direi. parecendo-  O guardilJo  de  quarto passeava a  esti-  ridos.  Depois, abandonando a  linha às
         -me  que  esldo  ainda  felivneme  vivos   bordo  e de vez em  quando atravessava   mi10s dos grumetes, dirigia-se à ponte a
         todos ou quase todos os autores e com-  a tolda o moço das luzes para espevitar   participar, ao oficial de quarto, o núme-
         parsas  desta  brincadeira.  tão  (/pica   as  lamemas  da  bitácula  do  leme  e   ro de milhas andadas,  isto é,  a  veloci-
         desses tempos e desse posto de guarda-  depois, por sua vez, cada um dos faróis  .  dade do  navio.
         -mnrinha a bordo. que alé se perdeu hoje   de  bordo,  que  a  esse  tempo  eram  de   - Senhor guarda-marinha: 8 escas-
         no  desfazer desta  feira  de  tradições  e   azeite. A ronda batia compassadamente   sas.
         costumes.                          as ampulhetas e  ouvia-se a  voz  do ofi-  - Está bem.
            Navegava-se ao longo  da  costa  de   ciai de quarto 110  siUncio  da  noite.   E o grupo de novo se acocorava, até
         Angola na erema peregrinaçdo dos cru-  - Barca!  ..                  que o sono se apoderasse dos rapazotes.
         zeiros  para  o  Zaire  e  para o  Luango.   E o  cabo de  quarto a  repetir:   la  adiamado  o  quarto  e  o  nosso
         NuflUl calma noite, parecendo o mar um   - Olha  a  barca! ...       guarda-marinha  lembrou-se  de  fazer
         verdadeiro  tanque,  e  daí o  cognome   Os  grumetes,  estremunhados  de   uma partida, que havia muito ruminava,
         dadõ de Mar das Patas.  como por des-  sono, lá se iam levantando, com dificul-  a  um dos seus colegas caloiros de pri-
         prezo diziam os oficiais da costa orien-  dades,  sendo  às  vezes  necessário  o   meira  viagem,  um  belo  rapaz  muito
         tal  e,  ainda  hoje,  este  nome ficou  na   Q/aflio de pequenino chicote de cabo, a   inteligente, que ia a bordo, quase sem-
         Armada, noite serena,  dizia eu,  cacim-  anna dos cabos de quarto e gajeiros.  Os   pre enjoado. Este devia entrar de quarto
         boda, pesada e monótona, o navio, U1TU1   mais espertos eram os primeiros a che-  de alva com o imediato e, portanto, ser
         das  canhoneiras  do  tipo  "Rio  Lima»,   gar  para  segurarem  o  carretel,   chamado às 3 h.  e 45 m.  Seriam quando
         seguia com as suas 8 milhas escassas e   levalllando-o à alrura da cabeça.  O cabo   muito 2 h. e 30 m.  da maJlhã e o guarda-
         entrava-se  no  quarto  da  meia-noite às   de  quarto  pegava  na  barca  e  o  mais   -marinha  chamou  o  cabo  de  quarto  e
         quatro.  O  oficial  de  quarto,  um  dos   letrado dos moços empunhava a ampu-  deu-lhe  as suas especiais inslruçlJes,  e
         guardas-marinhas já de tirocfnio feito,   lheta do~ /5 segundos, pondo-a ao c/a-  assim se fOnllOu  um pequeno grupo de
         alegre, descuidado, sempre pronto a pre-  riJo da luz  da  birácula  para  ver correr  marinheiros já antigos,  que adoravam
         gar partidas aos caloiros de  bordo,  os   a  areia.                 estas  pequenas  partidas  tradicionflis,
         cagalhoças como se dizia na linguagem   - Está prollla ?             sobretudo  quando  O seu  autor  era  o
         caracterlstica dos cabindas remadores.   - Pr01l1a!                  nosso  sujeitinho de quarto.
         Era o diabo do rapaz de fértil imagina-  - Vai n 'água!                 O cabo de quarto desceu à praça de
         çilo e dos mais engraçados expedientes   E quando passava na miJo O pedaço   annas,  ao  alojamento  dos  guarda-
         e  ainda  hoje,  ao  vê-lo  passar  na  rua ,   defilelo,  indicativo do comprimento do   -marinhas,  e  acordou  aquele  a  que
         velho  sempre  novo,  com  o  seu  ar  dt:   navio,  dizia:          acima  me refiro com  o  habitual:
         etema  mocidade,  espirito  cintilante,  é   - Virai                    - Senhor guarda-marinha, falta  um
         com verdadeira tristeza que recordo as   E o moço da  ampulheta respondia:   quarto.
         coisas que dele tenho ouvido e as que eu   - Vira!                      - Está bem - disse dentro do beliche
         próprio presenciei porque me lembra o   E  a  areia  CQmeçava  a  correr  e  a   o  guarda-marinha  acordando  de  um
         tempo  que já nilo  volta.         linha  a fugir  pela popa,  ajudada  pelo   magnfjico sono, dando ao diabo a ideia

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