Page 356 - Revista da Armada
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mais adiante, já vizinhos lhe confiavam Ceno dia, em que ficara de serviço, antes de mais, ter pedido licença para
transacções na vila. calhou que o oficial de divisão era dos entrar e, só depois, ter entregue, em
Um dia, ao fim da missa, ficou-se a que ganhara a fama de disciplinador. mão, cigarros e troco.
ler os editais afixados na sacristia. Pe- Rigoroso e exacto no cumprimento dos O Manuel ouviu, atento, as recomen-
diam, num deles, gente para a Marinha. deveres, não deixava, contudo, fugir dações. Mas o oficial, minucioso, pouco
O Manuel Moleiro não hesitou. Ali oportunidades propícias à dávida dos seguro de se ter feito compreender, qllis
estava o que sonhara sempre: os horizon- bons conselhos. Era mais, que acima de exemplificar. Levantou-se da cadeira,
tes do mar largo, longe das venentes do tudo, um educador. intimou o Manuel a sentar-se nela, pegou
vale, tão chegadas, a prendê-lo à terra. Sucedeu que, dessa vez, em detenni- nos cigarros e no troco e, simulando a
Bem constituído, foi logo alistado. nado momento, o oficial, que estava no entrada no gabinete, pediu:
Concluída a recruta e feito o curso da gabinete, premiu o botão da campainha - Dá licença, senhor tenente?
especialidade, lá engrenou na rotina das de chamada. O Manuel Moleiro, que - Entra - respondeu o Manuel,' no
comissões. pairava peno, logo ocorreu. Era para ir seu à vontade de velho feirante.
A sua alegria natural e aquela dialéc- à cantina comprar cigarros. O oficial - Aqui estão os cigarros e o troco,
tica fácil de antigo feirante tomaram-no deu-lhe dinheiro. senhor tenente - disse o oficial, entre-
popular entre os camaradas. Quando por Daí a pouco, o Manuel, com o gando-os, em miJo, ao Manuel Moleiro.
qualquer razão, as praças desejavam desembaraço habitual, voltou. Entrou no E este, guardando os cigarros no
algo, era sempre escolhido o Manuel gabinete, pousou o maço sobre a mesa, bolso e devolvendo o troco ao tenente,
Moleiro para contactar os superiores. com o troco, nada dizendo. O oficial finalizou, magniJnimo:
Nas andanças do serviço aconteceu, parecia absorvido na escrita do livro de - Podes guardar a demasia ...
uma vez, conclufdos os tirocínios de serviço. Puro engano. Reteve o Manuel
mar, que foi parar ao quanel do Corpo no gabinete. E logo explicou, do melhor Silva Braga.
de Marinheiros. modo, que o Manuel Moleiro deveria, V/aúno
Pobre ignorância
o dia 15 de Março de 1798, mas que demoraram a chegar ao
por aviso de D. Maria I, é nosso pais. É curioso notar que o
Ncriado o Observatório Real de observatório ainda dispunha de um
Marinha. O seu verdadeiro impulsio- quadrante de um pé de raio, prova
nador foi D. Rodrigo de Sousa Cou- indiscutlvel do espirita conservador
tinho, um ministro que deixou bem dos nossos pilotos que continuaram
vincado o seu esforço de moderni- a servir-se, durante longos anos, dos
zação da Marinha de guerra portu- instrumentos de altura, a que habi·
guesa, tão enfraquecida durante os tualmente chamamos da primeira
séculos XVII e XVII r. geração.
Este observatório, que nunca Para a prática da determinp.ção
teve instalações próprias nem foi da altura dos astros com o sextante
dotado do material indispensável - como não se via o horizonte do mar,
para permitir o cumprimento cabal do local do Arsenal de Marinha onde
da sua missão no domlnio da astro- o observatório foi inicialmente insta·
nomia, acabou por ser extinto em lado - recorria·se a um horizonte
1874. artificial, instrumento a que já nos
A carta, passada pelo Conselho referimos nesta Revista (3). Apren-
do Almirantado ao capitão-de-fragata de que temos conhecimento pelo dia-se a utilizar o sextante, não só do
Manuel Esplrito Santo Limpo, que foi relatório elaborado por ocasião de modo normal, mas também de re-
o seu primeiro director, mandava uma visita de inspecção efectuada vés, utilizando um terceiro espelho,
que no observatório fosse também em Junho de 1799 (2). o qu'e permitia a leitura de ângulos
ministrada instrução e prática de Ali existia um sextante de latão superiores a 120 0 que, como se
astronomia aos futuros oficiais de (além de um oitante de madeira, um sabe, é a máxima abertura dum sex-
marinha e àqueles que se destinas- quintante, um outro sextante e um tante. Este terceiro espelho caiu em
sem ao estudo da pilotagem (1). Para circulo de reflexão, todos eles ava- desuso e não existe nos modelos
o efeito o observatório dispunha de riados), que permitia a prática dos modernos.
alguns instrumentos de navegação, instrumentos de dupla reflexão, já O observatório dispunha ainda
usada pelos pilotos ingleses e holan- de duas agulhas de marear que per·
(1) Arquivo Geral da Marinha, livro da deses desde os meados do século,
Registo do ObsafVst6rio Real de Marinha, (3) RaVÍs/a da Armada, N. ~ 160, JAN85
cota 2406, 15 Março 1798. (2) Idem, 14 Junho 1799. pág. 9
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