Page 123 - Revista da Armada
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provocada pela terramoto de 1755      Os modelos acima referidos (ou    Terminada esta longa introdu-
        e às invasões francesas. No entan-  pelo menos parte deles) eram pro-  ção é altura de confessar que a ra-
        to,  parece-nos que seria oportuno   venientes do Palácio da Ajuda e ti-  zão  que  nos  levou  a  alinhar  este
        fazer  um exame de consciência e   nham sido oferecidos pela rainha D_   despretencioso  artigo  foi  termos
        procurar  averiguar  se  a  situação   Maria II à  Escola Naval. Era usan-  encontrado um documento no Ar-
        não será, em grande parte, resulta-  do modeIos à escala que, antes da   quivo Geral de Marinha, o qual se
        do da incúria ou da indiferença que   geometria de Monge se tomar um   prende com o  Museu de Marinha,
        os Portugueses têm demonstrado,   instrumento indispensável na cons-  quando este, em 1863, no ano em
        ao longo dos séculos, pela sua pró-  trução naval,  se estudavam os fu-  que foi  criado,  procurava enrique-
        pria memória.                     turos  navios.  Os  modelos  eram   cer o  seu património.
           É certo que o  Museu de Mari-  levados  ao  Rei  para  aprovação  e   O referido documento (4), é um
        nha, quando se encontrava proviso-  concessão das  verbas indispensá-  ofício dirigido ao Director da Secre-
        riamente instalado na sala do risco,   veis para serem construídos.   taria  de  Estado  dos  Negócios  da
        sofreu, em 18 de Abril de 1916, um    No Anuário da Ecola Naval e da   Marinha e  Ultramar.  firmado  pelo
        pavoroso incêndio. Todavia, o patri-  Escola Auxiliar de Marinha, respei-  cheIe de Divisão graduado Joaquim
        mónio destruido era, na sua quase   tante  a  1912-1913,  é  dado  relevo   Pedro Celestino Soares, que desem-
        totalidade,  recente  e  constituido,   aos «Modelos de Navios no Museu   penhava as funções de Director da
        fundamentalmente, por modelos de   de MarinhaI! e pouco mais se fala de   Escola  Naval e  foi  o  primeirO  res-
        navios e figuras de proa. Daqueles,   outros objectos fazendo parte des-  ponsável pelo Museu. Neste  oficio
        sabemos que se perderam o cruza·   ta instituição cultural.          levava-se ao conhecimento superior
        dor D.  Carlos 1,  as naus Nossa Se-  O autor assinala que os mode-  que, num bazar da calçada do Mar·
        nhora do Bom Sucesso, D.  Maria 1,   los estiveram quase abandonados   quez  de  Abrantes,  pertencente  a
        S.Sebasti.40, Real Principe da Beira,   e lastima que, «na festa do centená-  um  tal José  Maria,  existiam  dois
        S.  Francisco,  Nossa  Senhora  da   rio  dum  santo popular, sobre  um   modelos de «Vasos de guerra anti-
        Conceição  e  Santo  António,  uma   carro triuníalll, tenha percorrido !t8S   gos que foram distrafdos da casa do
        fragata de vela dos fins  do século   ruas da cidade, de pano largo e ar-  risco  do  Arsenal  da  Marinha,  por
        XVIII,  um chaveco argelino e  uma   tilharia em bateria, o melhor mode-  exigência de sua magestade a  Im-
        moleta.                            lo  do Museu,  -  o  da nau Nossa   peratriz  Rainha,  a  Senhora  Dona
            Quanto às figuras de proa, arde-  Senhora do Bom Sucesso - baten-  Carlota Joaquina, para navegarem
        ram a da nau Santo António, cons·   do no penal a bandeira branca por-  no lago da quinta da Bemposta, e
        truída  em  1553,  a  da  Afonso  de  tuguesa. Estava avaliado em mais   vendidos com o espÓlio da mesma
        Albuquerque  -   porventura  uma   de um conto de reis, e  nem sequer   Senhora.  Estes  dois  modelos  tem
        chanua - e as que pertenceram ao   o  preço e  a  idade o livrou daquele   merecimento,  quer  pela  sua anti-
        brigue Tejo,  à corveta Bartholomeu   passeio perigoso. À  tarde, no Ter-  guidade (5), quer pela perfeição da
        Dias, à barca Martinho de Meno, às   reiro do Paço, de proa ao Tejo, enfi-  sua mAo de obran. Por estas razões,
        corvetas  D.  Estefánea,  Infante D.   leirado a par dos carros da romaria,   o  Director  do  Museu  propunha a
        João,  Infante D.  Henrique, Rainha   mirado pelos curiosos da província,   sua aquisição, acrescentando que o
        de Portugal, Mindelo e ao couraça·   muitos  dos  quais,  nunca  tinham   dono  pedia multo  pelos  modelos,
        do Vasco  da Gama.                 visto o mar e  os navios -  o vento   mas, ameaçado ((com a  justiça, re-
            Ainda se perdeu o painel da pô.   norte impiedoso ia-lhe rasgando as   duziu finalmente o seu preço a dez
        pa da nau S. Bento,  talvez aquela   velas e desarvorando os mastaréus,   libras cad8JI, importância que con·
        em que Luis de Camões foi  para a   e a nau Nossa Senhora do Bom Su-  siderava razoavel dado que, certa-
        índia, em 1553, como admite o au-  cesso parecia exposta a desmentir
        tor a que estamos a recorrer (2). Es-  o  nome. Valeu·lhe o  cuidado dum   (3) o artigo O incdndio da Escola Naval, já
        pecialmente esta peça e a figura de   oficial da armada, cujo ânimo não   mendonado relere  uma peça de anilhan'a
        proa da nau Santo António, foram   pOde sofrer tamanha incúria e van·   fonnada por seis aduela. de f8lTO, revestidas
        duas perdas irreparáveis, pois cons·   dalismo.  Abafou-lhe as velas  sem   com 8ne;s ou cintas tamlMJm de lerro, tendo
                                                                             gravada, ao meio,  uma cruz.  Esta peça era
        tituiam testemunhos vivos de  na-  esmeros de gajeiros, mas amarrou
                                                                             idêntica a uma outra que sxistia na Torre de
        vios  portugueses  da  época  dos   rijo os tomadouros para que o ven-  Londres. cujo catlUogo de 1894 indicava:.A
        Descobrimentos.                    daval as não levasse. E assim reco-  PoItuguese gun, olf694 •.  Esta peça teria SI-
            É curioso notar que o desapare-  lheu  ao  Museu desmantelada,  ao   do mandada para o Arsenal do Erérdto em
                                                                             1904.
        cimento destas figuras de proa re-  porto de abrigo donde nunca deve-
                                                                                No que respeita ao padnJo, deve lnItar-
        sulta  de  um  excesso  de  zêlo.   ria ter srudo)).
                                                                             -se de pane dos fragmentos daquele que fal
        Efectivamente,  estas  esculturas     E o autor continua ocupando-se   colocado por Bartolomeu  Dias em  1486 na
        encontravam-se  em  depósito  na   de modelos que se foram degradan-  Bala  de  Angra  Pequena  e  destruido,  em
        Azinheira e no Arsenal. tendo sido   do, como o do arsenal da Bafa, este   1866, durante os exercidos de tiro de um na·
                                                                             rio non&-americano, conforme se lê no m es-
        transferidas para a  sala do risco a   perdendo-se  por  completo,  assim
                                                                             mo  anigo.  Estes  fragmentos  foram  mais
        instâncias do contra-almirante João   como as ({figuras de proa e popa, ar·   tarde  para  a  Sociedade  de  Goografia  de
        Braz de Oliveira, que admitiu fica-  natos  da  grinalda  do  bergantin   Lisboa.
        rem, assim, em lugar mais seguro.   Monte de Ouro, figuras alegóricas,   (4) Arquivo Geral de Marinha, CaiKas Museu
                                                                             de Marinha, 4·11-1863.
                                           peças de artilharia, um antigo pa-
        (2) o  mcêndio da E6c::01a Naval, Hparata d06                        (5) A rainha faleceu em 1830 e, assim, 06 mo-
        Anais do Clube MilitaI' Naval, de Abn'J de   drão  dos  descobrimentosll,  tudo   deJ06  eram  de  COllStroçlO  anten'or a  esta
         19J6.                             desbaratado a  vários rumos (3).   daU!.
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