Page 262 - Revista da Armada
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capitão da galeota, que estava encosta- a fundear a certa distância, do lado da tável, que era homem de compleição her-
da à fortaleza numa {X)sição bastante ex- ilha de Queixome. Sabendo D. Garcia cúlea, matou à cacetada seis dos
posta e ninguém o quis substituir, Coutinho que aquele tinha pouca gente, assaltantes! Mas já os fidalgos e os sol-
acabando por ser decidido desarmá-Ia e por ter perdido vários homens numa em- dados desciam, como uma avaJanche, do
desguarnece-Ia temporariamente. O re- boscada em terra quando fazia aguada, gaJeão. Em poucos minutos, a maior par-
sultado foi que os ormuzinos a queima- reforçou o parau de Tristão Vaz e te dos ormuzinos que tinha entrado nos
ram durante a noite ficando, a panirdaí, ordenou-lhe que fosse ajudar Manuel de nossos navios foi morta, enquanto os
os portugueses a não dispor de qualquer Sousa. Avançou aquele resolutamente restantes fugiam. E de novo a artilharia
navio. Uma pequena nau carregada de contra as terradas de Ormuz que, naquele portuguesa recomeçou o impiedoso bom-
mantimentos, que nessa a1tura chegara momento, eram cerca de oitenta, e, por bardeamento das terradas que, agora,
da Índia e conseguira abrir caminho incrível que pareça, disparando continua- já não faziam mais do que ripostar com
combatendo até junto da fortaleza, não mente os «berços» e os .. falcões,. e cau- lançamentos de flechas. Mais algumas
tendo sido logo descarregada, foi igual- sando ao inimigo muitos mortos e foram metidas no fundo; mais outras fi-
mente queimada durante a noite não ten- feridos, conseguiu romper pelo meio de- caram completamente destroÇadas; cada
do sido possível aos portugueses salvar las e chegar ao galeão! vez era maior o número de monos e de
mais dela que a guarnição e alguns sa- Em terra, o rei de Ormuz estava in- feridos entre as suas guarnições.
cos de arroz. dignado com as suas terradas. Reza a tra- Por volta da uma da tarde, chegararr.
Encontrava-se acidentalmente em dição que mandou colocar numa mesa os nossos navios junto da fonaleza, co·
Mascate, a reabastecer, Manuel de Sou- grande quantidade de moedas de ouro e meçando a beneficiar da protecção da!
sa Tavares, quando foi informado pelo noutra muitas toucas de mulher e que, bombardas de grosso calibre desta. Dm
xeque, que se conservara fiel aos Portu- tendo convocado os capitães das terra- mastros até à linha de água, estavanl cra·
gueses, dos acontecimemos de Ormuz. das prometeu que lhes daria todas aque- vejados de milhares de flechas que, de-
Tratou logo de aprontar os navios para las moedas se conseguissem tomar os pois foram aproveitadas para lenha
ir em seu socorro mas, antes de largar navios portugueses e que os mandaria Mas, praticamente não tinham sofridl
para o mar, apareceram também em passear pela cidade com as toucas na ca- qualquer dano. Durante a batalha, qUI
Mascate a caravela enviada {X)r D. Gar- beça se falhassem! Juraram-lhe aqueles deverá ter durado quatro a cinco horas,
cia Coutinho e Tristão Vaz da Veiga, fei- que desta vez não falhariam e metendo- tiveram os portugueses apenas um mor-
tor de Calaiate que, com cerca de -se nos seus navios foram como loucos to e pouco mais de trinta feridos. Dos ini-
quarema portugueses, se conseguira es'- contra os nossos! migos, morreram oitenta e muitos mais
capar daquela vila quando da sublevação. Mas Manuel de Sousa Tavares tam- ficaram feridos. Como força combaten-
Manuel de Sousa entregou-lhe um parau bém tinha tomado as suas precauções. te, a armada do rei de Ormuz deixara
artilhado que, pouco antes, tinha captu- Mandara atracar a fusta e o parau por ca- praticamente de existir.
rado e juntou-o à sua armada, enquanto da um dos bordos do galeão, com as Tentou ainda aquele tomar a fortale-
a caravela seguia para a Índia a cumprir proas voltadas para ré, de modo a não za de assalto mas, como seria de espe-
a segunda parte da sua missão. deixar ao inimigo sectores monos por rar, foi repelido com enormes perdas.
No caminho para Ormuz, o galeão. onde se pudesse infiltrar sem ser vareja- Por meados de Janeiro (1522) desenga-
a fusta e o parau sofreram uma violenta do pela artilharia. Ao mesmo tempo, deu nado de poder vencer os portugueses e
ordem para todos os fidalgos e soldados desesperado com a sua impotência, re-
tempestade que separou o parau dos ou-
tros dois navios. Daí resultou que Tris- da fusta e do parau recolherem ao galeão solveu retirar para a ilha de Queixome
onde estariam mais protegidos enquan- com toda a população e mandar pôr fogo
tão Vaz, tendo continuado a viagem
to não se iniciasse o combate à aborda- à cidade que ardeu durante quatro dias
sozinho, foi o primeiro a chegar, preci-
gem. E assim, com a sua pequena e quatro noites, consumindo-se lastimo-
samente na noite de Natal quando a guar-
nição da fortaleza estava ouvindo a missa armada transformada numa espécie de samente no braseiro belos edifícios rica-
baluarte flutuante, logo que o vento e a mente decorados.
do galo.
corrente de maré foram de feição, pôs- Passou então a nossa armada a blo-
Encontrava-se aquela completamente -se a caminho da fortaleza. quear a ilha de Queixome, impedindo as
cercada, não só pelo lado de terra mas
Já vinham contra ele, à voga arran- lerradas de ir ao continente buscar man-
também pelo lado do mar. onde a arma-
cada, cerca de cento e trinta terradas, timentos, e, a breve trecho, viu-se o rei
da do rei de Ormuz, na força de cemo
com os seus capitães dispostos a vencer de Onnuz na situação aflitiva de não ter
e setenta terradas, que se revesavam no
ou a morrer. Abriu fogo a nossa anilha- com que alimentar a sua gente.
bloqueio, impedia a passagem de qual-
ria e logo aquelas começaram a voar em Encontrando-se a guerra num impas-
quer navio ou embarcação.
pedaços. Umas afundaram-se, outras se e sendo cada vez maior a miséria em
Felizmeme, Tristão Vaz chegou a com os remos ou os mastros partidos fi- ambos os campos, as acções bélicas
Ormuz durante a noite. Deslizando va- caram desgovernadas, ainda outras, foram cessando gradualmente, restabe-
garosamente pelo meio das terradas co- cheias de mortos e feridos, perderam a lecendo-se a comunicação entre os por-
mo quem procura lugar para funde.<lr, foi coragem para prosseguir. Mas o seu nú- tugueses e os ormuzinos. Num ambien-
tomado por elas como uma das suas, mero era tão elevado que umas tantas te de descontentamento gerai e de intriga,
conseguindo assim chegar até junto da conseguiram abordar a fusta e outras o Rais Xarafo mandou matar O rei. Alguns
fortaleza sem ser descobeno, o que pro- parau, onde só havia espingardeiros e meses mais tarde, subornou o novo go-
vocou grande júbilo entre os defensores. bombardeiros. Entrando os ormuzinos vernador da índia e foi perdoado! Em
Passados alguns dias, chegou Manuel por todos os lados, defenderam-se aque- Maio de 1522, o novo rei, uma criança
de Sousa Tavares com o galeão e a fus- les à coronhada e com os escovilhC'les das de treze anos, regressou a Ormuz, a ci-
ta, sendo obrigado. por falta de vemo, bombardas. Só à sua conta. um condes- dade repovoou-se e em breve readquiriu
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