Page 45 - Revista da Armada
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Mas,  com  o  seu  habitual  desleixo.  os   arderam durante todo o dia, rodeados pe-  seguir se recolhessem ao canal.  E assim
         Portugueses  só  pensaram  nisso  muitos   las  lancharas de Bintão que não se can-  acomeceu.  Quando os caravelões  prin-
         anos  mais  tarde.                savam  de  festejar  o  seu  êxito,  embora   cipiaram a  ser alvejados.  os  seus capi-
            A  partir do momento em que os .. ber-  obtido à custa da perda de muita gente.   tães. sequiosos de castigar o atrevimento
         ços,. e as  espingardas da  nau de Simão   Caída a noite e,  certamente, por recear   das  lancharas,  mandaram  logo suspen-
         de Abreu  abriram  fogo  numa cadência   o  aparecimento  da  armada  portuguesa   der e largar o pano. e foram atrás delas,
         viva,  os  atacantes começaram a  sofrer  que não devia saber ao certo onde se en-  sem pensar que se podia tratar duma ar-
         muitos  mortos e  feridos.  Mas, como já  contrava,  o  comandante  das  lancharas   madilha,  como  de  facto  era.  Como  o
         estavam muito perto da  nossa nau, qua-  abandonou Malaca e regressou a Simão.   vento  estava  fresco,  foram-se  aproxi-
         tro  ou  cinco  lancharas  conseguiram   Por sorte  para  os  portugueses,  não lhe   mando e  estavam  prestes  a  alcançá-las
         aferrá-Ia simultaneamente por ambos os   ocorreu  entrar  no  rio  de  Muar  onde   quando elas chegaram à barra.  Porém,
         bordos, começando os seus tripulantes a   estavam as embarcações de Malaca, pra-  nessa altura, saiu detrás de uma ponta o
         tentar escalá-Ia.  Então,  os  portugueses   ticamente desarmadas. carregando man-  resto da  armada  de  Bintão,  tocando  os
         lançaram  mão das lanças e  das espadas   limemos!                   sinos  e  fazendo  grande  algazarra,  e
         e,  combatendo como demónios, apesar                                 lançou-se em massa sobre os dois cara-
         de serem só treze contra perto duma cen-  BARRA DE B1NTÃO (Abril? de 1524)   velõcs.
         tena, conseguiram rechaçar todas as ten-                               Estando vemo fresco, é provável que
         tativas  de  abordagem.              Conforme já foi  referido, em fins de   estes tivessem  podido afastar-se para o
            Perante isso, o capitão-mar da  floti-  1523, D. Garcia Henriques', capitão-mar   mar,  procurando atrair a armada inimi-
         lha  atacante  resolveu  mudar de táctica.   do mar de Malaca. foi mandado bloquear   ga para o  local onde se encontravam as
         Enquanto a malar parte das suas lancha-  o porto de Simão com uma armada cons-  nossas naus.  Mas não era hábito dos ca-
         ras continuava em volta da nau,  a curta   tituida por três naus  pequenas, dois ca-  pitães  porlugueses daquela época  efec-
         distância,  submetendo-a  a  um  bombar-  ravelões,  uma  lanchara  e  um  calaluz   tuar qualquer manobra táctica, por mais
         deamento intenso, acompanhado por um   onde iam embarcados cerca de duzentos   aconselhável que fôsse, que pudesse ser
         dilúvio de tiros de espingarda e de arre-  portugueses.             tida  como «fugi!'»  do inimigo.  Quando
         messos  de  flechas,  duas  ou  três  foram   Convém esclarecer que ~caravelão,.  este avançava, só sabiam responder du-
         buscar um velho junco que estava aban-  não era uma caravela grande, como su-  ma maneira: esperá-lo a pé firme!  E foi
         donado  no  porto,  puseram-lhe  fogo  e,   gere o sufixo Ofão~, mas, pelo contrário,   o que fizeram.  Disparando furiosamen-
         levando-o a reboque, foram amarrá-lo à   uma caravela pequena e tosca, geralmen-  te a sua artilharia e as  suas espingardas
         proa  da  nossa  nau.  Procuraram  febril-  te construida com restos de naus que ti-  e bestas,  as guarnições dos dois carave-
         mente os portugueses, par todas as  for-  nham  encalhado  ou  que,  por  serem   Iões  destroçaram  muitas  das  lancharas
         mas,  afastar o junco,  mas  sempre  sem   velhas,  tinham  sido desmanteladas,   alacantes e mataram-lhes e feriram muita
         êxito, perdendo muitos deles a vida nas   É indispensável dizer também que o   gente.  Mas,  como  as  lancharas  eram
         tentativas desesperadas que  fizeram pa-  rei de Bintão mandara obstruir com gran-  mais de  sessenta,  acabaram  por conse-
         ra o conseguir. E o inevitável aconteceu.   des  pedras  e  estacadas  o  canal  que  dá   guir envolver os caravelõcs e aferrá-los
         O  incêndio propagou-se à  nau  e os tri-  acesso à pequena ilha onde se encontra-  por ambos  os  bordos.  Passou  então  o
         pulantes desta que ainda estavam  vivos   va  instalada  a  cidade,  deixando  aberta   combate  a  ter  lugar à  lança e  à  espada
         acabaram  por não ter outra  alternativa   apenas uma estreita passagem destinada   e o número de mortos e feridos entre os
         senão  lançar-se ao mar onde foram  to-  à  navegação  de  navios  de  pequeno   atacantes continuou  a aumentar.  Entre-
         dos mortos pelos inimigos que, como de   calado.                    tanto, aproveitando o facto dos ponugue-
         costume, não deram quartel a ninguém.   A partir do instante em que a arma-  ses  estarem  distraídos  pela  luta,
            Na fortaleza, de cabeça perdida, Jor-  da de D.  Garcia chegou à barra de Sin-  Laqueximena tinha ordenado às suas lan-
         ge de Albuquerque assistia ao fim  trági-  tão,  não  mais  pôde  entrar  nem  sair   charas  para  rebocarem  os  caravelões
         co dos tripulantes da nau sem lhes poder   qualquer embarcação e,  passado pouco   para dentro do canal. E, quando os nos-
         valer, já que  todas  as  embarcações  de   tempo.  a  fome  começou  a  grassar  na   sos deram por isso, já não tinham salva-
         certo parle que havia em Malaca tinham   cidade.                    ção  posslvel.  Depois  de  um  combate
         sido levadas pelo feitor quando fora bus-  Andava  o  rei  de  Bintão  muito des-  desesperado que durou ainda muito tem-
         car mantimentos ao rio de Muar.  Ficara   contente por ver que os Portugueses con-  po e em que a armada de Sintão sofreu
         apenas  uma  espécie  de  barcaça,  sem   tinuavam  a  ser,  afinal,  os senhores do   um  número  muito elevado de  mortos e
         mastro nem  leme, em que Jorge de Al-  mar e não se cansava de insistir com La-  feridos, os portugueses acabaram por ser
         buquerque,  no  seu  desespero,  mandou   queximena para que lhes fôsse dar com-  todos  mortos  e  os  dois  caravelõcs
         embarcar trinta dos setenta portugueses   bate.  Mas este,  como capitão prudente   tomados.
         que tinha na  fortaleza para  irem em so-  e experimentado que era, respondia-lhe   Logo  que  D.  Garcia  Henriques  se
         corro da nau. Isso, apesar dos protestos   que tivesse paciência, que ainda não che-  apercebeu do que se eSlava a passar, in-
        e das súplicas de dois capelães que  lhe   gara  a  oportunidade  para  o  fazer.   terrompeu  a aguada e  foi  com as  naus,
        diziam  que  era  um  crime  mandar  tão   Por fim , essa oportunidade chegou.   o  mais depressa  que  pôde,  em  socorro
         pouca  gente  e,  ainda  para  mais,  numa   Certo dia. tendo-se as naus afastado pa-  dos caravelões,  Mas, quando chegou  à
        embarcação sem artilharia e tão difícil de   ra ir fazer aguada, ficaram apenas os dois   barra de  Simão já estes tinham sido ar-
         manobrar.  Felizmente, a  barcaça enca-  caravelões a guardar a barra. Com gran-  rastados peJa armada inimiga para den-
         lhou logo à saída e os trinta puderam re-  de  presença  de  espírito,  Laqueximena   Iro do canal.  Furioso,  D.  Garcia, apesar
        gressar  à  fortaleza  evitando-se  um   mandou sair quatro lancharas a flagelá-  dos protestos do piloto, deu ordem para
        segundo desastre.                  -los,  com a  recomendação de que  logo   entrar naquele,  apesar de ser muito es-
           O junco e a nau de Simão de Abreu   que os caravelões as começassem a per-  treito  e  estar  limitado  por  estacadas  e
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