Page 366 - Revista da Armada
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DE  OUTROS TEMPOS,  DO NOSSO  TEMPO



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            Pluralismo político e economia de mercado, ou o receio de uma nova forma

                          de domínio político, neo-neo-colonialismo do séc. XXI



              o debate político, nomeadamente no desenvolvimento  apoios internacionais foram  mínimos.  Semanas antes  tinham
              da  luta  partidária, anunciam-se frequentemente  objec-  decidido aplicar sanções económicas contra Cuba e contra
        N tos irrealistas, criam-se expectativas não concretizáveis  alguns países árabes, que queriam que fossem executadas
        e, consequentemente, criam-se frustrações e mal-estar. E quase  pelos países mais indust:rializ.ados. A firme  rerusa dos aliados
        sempre em redor da teologia do mercado.             levou os EUA a desistirem do seu intento.
          Mais ainda, a luta partidária, esquecendo tantas vezes o bem   Mas, continua a ser na  Europa que, nesta  matéria, se mani-
        nacional, pretende fazer crer que a não realização dos objec-  festam as mais graves preocupações.
        tivos que foram propostos à sociedade é fruto da incapacidade   A  Europa  respira através de duas fronteiras milenárias: o
        dos governantes e não  uma consequência do facto  de esses  Mediterrâneo a Sul, a Ásia a Leste (a  fronteira  do Atlântico, a
        objectivos serem utópicos. Desacreditam-se as pessoas e cria-se  Oeste, foram os portugueses que a romperam, só há cinco sêculos;
        um ambiente de contestação sistemática a tudo o que se faz ou  a do Norte, é gelada). As fronteiras esbatem-se, mais e mais. Mas,
        pretende fazer, aumentando o mal-estar.             sem que necessariamente se tenham que diluir os valores é as cul-
          Deste  modo,  poderâ atingir-se a finalidade imediata (ou  turas que os grupos humanos, de um e de outro lado da raia,
        primeira) das oposições, que é a substituição do poder que, na  desejam preservar. Cinco mil anos de história oomwn no Mediter-
        realidade, está legitimado por uma percentagem do eleitorado  râneo, não amalgamaram as culturas que florescem nas suas mar-
        superior à que essas mesmas oposições representam. Mas não  gens. A fronteira Leste da Europa é a Rússia. Porquê europeizar a
        é assim que melhor se alcançam os interesses nacionais, nem   Rússia?
        será esta, certamente, a melhor maneira de satisfazer OS anseios   Pedro I, O Grande , no final  do século XVII, veio à Europa
        dos cidadãos.                                       (não se sentiria na Europa?) buscar elementos para modernizar
          O sistema democrático continua a ser a melhor fonna de  a Rússia, mas não a descaracterizou. Nos tempos modernos da
        governar os povos, mas está hoje em franca crise de funciona-  história, também o Japão abriu os seus portos ao comércio e à
        mento, precisamente no momento em que ê mais viável a sua   influência Ocidental, em 1853, depois da  visita do comodoro
        difusão, pois que muitas nações o querem adoptar como mo-  norte-americano Peny a Tóquio. A presença americana após a
        delo.                                               Segunda Guerra  Mundial  foi  dominante.  No enta.nto, os
          Quando, em cerca de três décadas, o número de países mais  japoneses assimilaram o que entenderam e não tiveram proble-
        do que triplicou, atingindo agora quase duas centenas (192) e,  ma algum em não serem americanos, ou europeus.
        simultaneamente, continua a aumentar a complexidade das   Os russos não precisam da nossa autorização para isso, mas
        relações internacionais, certamente que cresce a instabilidade e  deixemos os russos serem russos. Sem dúvida que a cultura
        que são mais as incertezas.                         europeia, agora designada cultura ocidental, está muito enrique-
          Fala-se da adesão aos  valores do Ocidente pelos países da   cida por nomes como Leão Tolstoi, Dostoievski, Tchaikovsky e
        Europa do Centro e do Leste, pelos novos Estados da CEI e por  tantos outros. Mas que os  russos sejam os  russos, com tudo O
        muitos outros do Terceiro Mundo, após a revolução iniciada  que os une à Europa e tudo o que dela os distingue.
        com a queda do Muro de Berlim (8 de Novembro de 1989).   Na  União Soviética, houve uma grande alleração politica
          Porém, a grande maioria desses países, embora exulte com o  quando se deu a transição da liderança de Gorbachev para a de
        fim da situação que havia sido criada pela bipolarização políti-  leltsin. O pensamento dos dois Presidentes tinha aspectos
        ca  mundial,  não quer, nem estaria preparada se o quizesse,  quase  radicalmente opostos,  no  que se referia à unidade do
        para praticar a democracia do tipo Ocidental, nem para implan-  Estado e ao seu comportamento político, na cena internacional.
        tar o sistema de economia de mercado. A partilha do  poder e a   Gorbachev queria  manter a URSS  unida e forte,  mas alterar
        inculturaçQo são novas experiências,  de lenta absorção. Aliás,  profundamente a sua atitude no relacionamento com o mundo
        devemos reconhecer que a inculturação ê uma nova proposta,  exterior. Ieltsin defendeu o desmembramento da URSS e está a
        mais humana que a antiga acuIturaçio, mais realista e humilde,  conduzir a Rússia  para o confronto já  histórico, na política
        que pretende eliminar alguns erros da anterior forma  de  externa.
        expansão cultural e de domínio.                       Parece que o Presidente Gorbachev queria o impossível:
          Devem  também  ser encaradas com reservas algumas ati-  manter o Estado  forte, territorialmente vasto e multinacional,
        tudes muito recentes, que podem aproximar-se de uma  nova   sucessivamente engrandecido após a herança de Pedro, o
        forma  de domínio.  Na  verdade, os  Estados Unidos,  no seu  Grande, mas integrando-se decididamente num mundo
        papel repetidamente anunciado de liderança mundial, não  moderno cada vez mais aberto e interdependente. O Presi-
        podem  pretender impâr indiscriminadamente, os parâmetros  dente le1tsin  favorece o nacionalismo russo e, talvez coagido,
        culturais ocidentais. E muito menos deverão pressionar a  retoma a atitude tradicional de frontalidade na política externa,
        comunidade internacional a aplicar sanções a determinados  o que força  o isolamento e dificulta a aspiração da  Rússia  ao
        países, quando a defesa  dos interesses americanos substitui  a  estatuto de superpotência  política  moderna. O General
        protecção de valores de carácter universal.  Passando clara-  Alexandre Lebed, se continuar a sua ascensão ao poder, deverá
        mente daquela atitude de liderança à de policin do  mundo,  que  ser ainda mais russo e menos europeu.
        veementemente hâ pouco regeitavam, os Estados Unidos actu-  Nessa  atitude de frontalidade, a liderança  russa  regeita  a
        aram uniteralmente em Setembro de 1996 contra  O Iraque. Os  cooperação aberta com as organizações de segurança e de defe-
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