Page 368 - Revista da Armada
P. 368
Contra-A'.'ran" '.,,'ra ti. S'Iv.
o patrono do curso que agora se inicia na Escola Naval
patrono de um curso é sempre uma figura que, pelas suas
características pessoais, merece ser apontado aa<; futuros
Ooficiais como um exemplo de virtudes e um modelo a ser
tomado durante a sua formação. É este o aitério da sua escolha e
Pereira da Silva é, sem sombras de dúvidas, quem corresponde
plenamente a estas condições.
Nascido em Lisboa no ano de 1871, ingressou na Escola Naval
como aspirante de 2' CL1sse em 1889. Em Janeiro do ano seguinte
ocorreu o conhecido Ultimatum inglês que desencadeou uma
enorme movimentação pública e um trauma de humilhação
nacional que cerlamente marcou o jovem aspirante. Na base
dessa humilhação estava a incapacidade de responder à forma
arrogante com que a Inglaterra nos ameaçava e isso, devia-se
essencialmente à degradação da Marinha sem navios capazes e
sem uma estrutura efectiva. O povo ainda se mobilizou num
peditório nacional para comprar um navio, mas era pouco e
tarde demais.
Para o jovem Pereira da Silva isto significava um estímulo ao
estudo e à reOexão sobre o que deveria ser a Armada portuguesa,
capaz de combater no mar, defender a independência nadonal
"Qu~ os nossos homens públicos atentem bem nisto: a
nas condições em que ela poderia ser ameaçada e dentro das n0s-
sas capaddades económicas. Era fundamental estruturar um nossa Armada só pode ser prejudicial para os interesses
plano naval, que.abrangesse todos os vectores da sua organiza- nacionais, e para a boa ordnn ~ ~rança interna, enquan-
ção. Foi isso que Pereira da Silva elaborou e publicou em 1909. to lhe não facultarem os m~ios indispensáveis para cumprir
Apesar da situaçaão vergonhosa de 1890, as reformas que com brio e dignidade a sua missão; pelo contrário, qUJlI1to
haviam sido tentadas, não ultrapassavam uma expressão de mais forte for, mais prestigiosos sl!Tão os seus chef~s, ~
grande timidez e, sobretudo, não tinham a roerênda de um ver- mais confiança pode o país depositar nela, debaixo d~
dadeiro plano naval, com uma proposta de estruturação dos todos os pontos de tJÍsta."
quadros, da formação de pessoal, da aquisição progressiva dos PtrtilQ da Silva
in Anais do Qllbt MiJibu N/ltIIlI, 1909
meios adequados e do financiamento dessa aquisição, como
forma de lhe conferir alguma credibilidade num país financeira-
mente depauperado. Quando a República foi implantada em de Castro chmava-o para Ministro da Marinha. Apesar de que
1910, o 1 Tenente Pereira da Silva foi chamado para o que se até 1926 (Revolução de 28 de Maio) se sucederam os governos
9
chamou a "Grande Comissão", encarregada de elaborar os em catadupas, numa instabilidade enorme, Pereira da Silva foi
moldes da indispensável reestruturação da Marinha Portuguesa. pass.1ndo de uns para outros, e só interrompeu as suas funções
Alguns ajustes foram feitos, mas nunca se conseguiu sensibilizar entre Novembro de 1924 e Fevereiro de 1925. Este facto demon-
os homens públicos para o facto de que nada melhoraria sem um stra bem a capaddade que revelava e a forma como era olhado
plano naval, fosse ele qual fosse. Só assim as transfonnações teri- pelos seus congéneres. Precisamente em 1925, voltava a elaborar
am coerência e os investimentos poderiam resultar em algo efec- um plano naval e agçra apresentava-o ao parlamento para ser
tivamente eficaz. discutido e votado. A semelhança do que sucedera com o de
Em 1914 começou a I Grande Guerra e em 1916 Portugal entra- 1909, era um plano coerente, completo e abrangente: continha
va nela com a Força Expedicionária e com a sua Marinha depau- uma estrutura administrativa e operacional prevendo a aquisição
perada. O Capitão-Tenente Pereira da Silva comandou o Contra- de navios ao longo de 10 anos e um pagamento por empréstimo
Torpedeiro "Douro" (o primeiro "Douro") até 1918 e daí saíu externo, amortizável em 20 anos. Contudo, uns meses depois
para o Estado Maior Naval que acabava de ser formado. "ainda donnia no seio das comissões parlamentares" como dizia o
Todavia, esta conflagração mundial trouxe profundas alte- Ministro numa entrevista ao Diário de Usboa, expressando um
rações nos conceitos estratégicos e de táctica naval. O desenvolvi- enorme desalento. Com a Revolução regressou ao Estado Maior
mento da Artilharia afastava de vez a ideia de aumentar as Naval mas continuou a expressar-se onde quer que podia, para
couraças por inúteis e aligeirava os navios. Pereira da Silva que a Marinha pudesse ver a tão desejada reorganização. A par-
escrevia sobre os ensinamentos dessa guerra e as consequências tir de 1929, com o Ministério de Magalhães Correia arrancaria, de
que era preciso tirar, publicando um outro livro em 1919, onde facto, uma renovação da nossa Armada e, nessa altura, quer o
ajustava o seu plano naval aos novos conceitos. Em 1923, Álvaro Ministro, quer até o Presidente da República não hesitaram em
reconhecer que a base dessa renovação era o "muito justamente
"Como i possível estabelecer quadros, detenninar leis de chamado plano Pereira da Silva".
promoções, terocínios, recrutamento, administrações, etc., Em 1930 foi promovido a Capitão de Mar-e-Cuerra, passou à
tudo o que, em resumo, se define por uma forma genérica, a reserva em 1933 e foi promovido a Contra-Almirante em 1935.
organização do pessoal, se todos estes fadores são, na ver- Faleceu em 1943, na cidade de Lisboa, deixando várias obras
dade, consequências encadeadas nas outras do plano naval, publicadas, vários artigos e várias intervenções públicas (todas
e n6s não o temos, e quaS/! não temos pensado nele?" relacionadas com a Marinha, a sua estrutura e a forma como de-
veria actuar). 9
PmirQ da Si/va
in AlUlis dD Qllbt Mllit", NImII, 1909 J. $emedodeMatos
crENFZ
6 l:lEZEWRO 96 • REVISTA DA ARMADA