Page 117 - Revista da Armada
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DADE DO GlOBO~ . Pintu-
ras e estátuas deste nave·
gador quinhentista da China
são numerosas. Toda a sua
história nos foi contada.
aliás, em Macau. por escul-
tor chinês, de Canlão. que
connosco ali colaborou. no
Museu Marflimo, tendo aju-
dado ele próprio na exe-
cução de uma estátua à-
quele Almirante nas come·
morações de Cantão, em
honra do Grande Mari-
nheiro.
Pode perguntar-se o I>orquê
de viagens t:io importantes, e
tão fora do curso normal da
História da China, povo intro-
vertido, com ancestral espfrito
de auto-suficiência, de campos
riais óbvias. A China, na di- ~
naslia Ming, cresceu como
potência importante, e uma
das razões seria a de mostrar
no estrangeiro as potencia Ii· ~ ~
dades da sua capacidade ~ -;:p
imperial, ostentando uma força '7.'
que impressionasse todo o r
mundo, o mundo que os chi-
neses conheciam. O seu inimi-
go natural, o Mongol, que tanto compartilhava as águas e nave- podia não ser muilO diíerente, apenas mais: discretamente
gações do Rio Amarelo fronteiriço, como brigava rijo, descendo reduzida a propostas comerciais.
território abaixo, e contra quem se ergueu a célebre muralha, Uma verdade histórica é que a dinastia Ming (ou Mins),
estaria também na mira das impressões a causar? deu ~ China uma prosperidade enorme, e não custa a crer
que a sua Marinha fosse, nessa altura, florescente, e pudesse
Uma das vantagens imediatas da ~diplom a cia " que cumprir o propósito de expandir as relações até outros povos,
T'Cheng-Hó foi exercendo, era o pagamento ~voluntário" em viagens para as quais não era necessária grande ciência
de determinado tributo, que a China entendia ser-lhe devi- de navegaç:io: bastava seguir a linha de costa, e Ioda a
do. OUlra, eril a ligeira pressào di ssuasora sobre as nave- Indonésia, Malaca, [ndia, costas da Arábia e costa oriental de
gações de origem árabe, que lod,lVia nào deu resultados África estavam alcançadas. Os mandarins, que passaram a
importantes. Mas a verdade é que, se tivesse havido deter- mandar, ocuparam-se porém da China, por dentro, aban-
minaçao, ou, como se diz hoje, vontade polrtica, a Chi na donaram as navegações. Até ao fim desse século, com a
poderia ter construido , com T' Cheng-Hó, um grande mesma celeridade com que tinha desabrochado, a Marinha
Império, desde África até ao Japao. Mas não construiu. chinesa desaparecia. Desapareciam os estaleiros, desaparecia
lutas internas importantes entre eunucos e mandarins, cada a actividade dos portos, e a China escondia-se detrás das suas
qual a querer mandar mais, ao redor do Imperador, não foram grandes muralhas.
estranhas, com certeza, ao Chefe T'Cheng dos eunucos. Mas o
homem pOe e Deus d ispõe: ao Imperador que guindara Mas o nome de T'Cheng Hó havia de íicar perpetuado no
T'Cheng-Hó !lO comando das Armadas, sucedeu seu !ilho, que seu pafs, e nos caminhos que percorrera, para sempre. ESle
já nao tinha o menor interesse pelas águas marítimas. seu quinto centenário veio mostrar como o seu pais o lem-
Felizmente, viveu poucos anos, mas T'Cheng estremeceu. As brou, e comemorou, bem como todos os países e locais por
viagens pararam. O novo sucessor e descendente, neto do onde pavoneara os seus majestosos Bao - Chuan
primeiro, voltou a aClivar o comércio marítimo, a dinastia Há um templo na Ta ilândia em sua memória . Duas
Ming levou a China ao seu auge, em quase todos os campos: cidades, uma na Malásia. oulra na Indonésia, com o seu
edições literárias. vitórias militares, conjuntos arquitectónicos, nome. A Somália fez o mesmo a uma das suas terras. A vis-
obras e feitos: abriu-se o Grande Canal, mudou-se a capital ceral disposiçao da China para ser auto-suficiente em
para nova cidade, Pequim, que passava a ter nas mãos o co- matéria de sobrevivência nao foi propícia a figuras como a de
mércio de todo o Oriente. Cheng-Hó. Mas acabaram por levantaram-lhe estátuas em
muitos locais, e nao deixaram de o gloriíicar.
Porém, em 1434, rCheng-Hó morre. Ano de 1434, ano em Por iSlo não nos parece dever pôr em causa a realidade da
que Gil Eanes dobra o Cabo Bojador. A China começa a íe- sua existência, como grande navegador, diplomata e difusor
char-se no seu enormíssimo casulo. Não há, ou não deixam da civilização grande do seu país, que, há 500 anos, pre-
que haja, um continuador, um sucessor de T'Cheng-Hó. cedeu o Gama na [ndia. Sem o sucesso e valor de um e outro
Deixam de mandar os eunucos, passam a dar ordens os poderem ser postos nos praias da mesma balança, diga-se. n
mandarins.
lembremo-nos que uns cinquenta e cinco anos depois, SoUSd Machado
Vasco da Gama se apresentaria na índia com intenção que CMCREF
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